Texto de Nuno Lopes Margalha.

Para plantar um nabo precisamos de terra, uma sachola de qualidade, água, e uma cadeira confortável. O primeiro passo será, simplesmente, comprar a planta. Não é assim tão fácil como possa parecer, pois tanto nas lojas, como nas feiras, normalmente, não se consegue comprar só uma planta, apenas várias. Portanto compre várias. Coloque uma de parte e reserve as restantes. Passamos de seguida para a preparação da terra, um passo fundamental para o livre desenvolvimento das raízes sem o obstáculo da terra firme. Para este passo será necessário cavar um buraco. Cave sem restrições até que a terra fique do seu agrado. A abertura de um bom buraco é fundamental, deve ter o tamanho ideal, nem muito fundo, nem muito superficial, nem muito largo, nem muito estreito. A perspectiva sobre a dimensão correcta do buraco é algo que se ganha com experiência. É preciso educar o olho. Para isso recomendamos que se façam várias experiências com os nabos reservados anteriormente. Cave buracos com diferentes dimensões e estude os resultados. Quando sentir que ganhou a capacidade para fazer buracos correctos, faça um.

Pegue na planta com cuidado e coloque-a no seu lugar. Lembre-se por essa altura que a mão que sustém a planta será ela própria terra dentro de alguns anos. Aconchegue a planta para que se mantenha firme. Agite as mãos vigorosamente para se livrar da terra que ficou agarrada, tal como de restos de pensamentos existencialistas. Segure a sachola vigorosamente, e cave uma caldeira em torno da planta. Cavar uma caldeira é muito simples, basta agarrar a sachola como se se estivesse a agarrar a própria vida, apontá-la aos céus como quem evoca o poder dos deuses e arremessá-la sem hesitação contra a terra, fazendo-a tremer ao sentir a pulsão da vida. Por fim, regue a caldeira. Regue-a abundantemente. Por esta altura pode considerar-se que a planta está plantada. Parabéns! Resta-lhe sentar-se na cadeira e ficar confortavelmente a ver a planta crescer.

Esteja atento à meteorologia: se fizer calor alivie a planta com água fresca, se chover deixe-a estar sossegada. Ver uma planta crescer sentado numa cadeira, ao contrário do que possa estar a pensar, não é perda de tempo. Há formas verdadeiramente inúteis de perder tempo, como ficar sentado numa cadeira, a olhar para um ecrã de vidro, enquanto discute acerca dos limites da liberdade com desconhecidos. Efectivamente, tendo em consideração que o vidro provém da areia, a diferença entre olhar para a terra ou para um ecrã pode não ser tão abismal. No entanto, esteja certo de que o seu tempo será mais bem empregado se optar por passá-lo a ver um nabo crescer.

Quando se termina uma discussão acerca dos limites da liberdade, frente a um vidro, ou mesmo frente a uma pessoa, raramente se come um nabo. Por outro lado, se ficar sentado a ver um nabo crescer, às tantas, pode comê-lo. Comer um nabo, mesmo que seja crú, é uma experiência muito agradável, para além de ser bastante saudável. Os dentes trincam conteúdo real, existente e concreto, o que não acontece numa discussão acerca dos limites da liberdade. Quando se discute acerca dos limites da liberdade, no máximo, mastigam-se palavras, os nabos sabem melhor. Não há palavras com sabor a nabo. Ficar sentado a ver um nabo crescer permite-lhe não só descansar da tarefa de cavar a terra, como lhe permite ainda passar bastante tempo consigo próprio na natureza.

A discussão acerca dos limites da liberdade raramente acontece na natureza. Normalmente acontece frente a um ecrã, como referimos, ou no máximo, num bar de uma cidade qualquer. Nas vilas e aldeias discutem-se menos os limites da liberdade. Por outro lado, nas vilas e nas aldeias plantam-se e comem-se mais nabos. É difícil plantar um nabo numa cidade. Imagine-se a plantar um nabo no Parque Eduardo VII, seguindo meticulosamente as nossas instruções. Ainda que o cenário possa ser do seu agrado, não seria sensato escolher tal local para se perder em contemplações diurnas, muito menos noturnas. Todos sabemos que, durante a noite, a luminosidade urbana facilita a observação do nabo comparativamente à penumbra campestre. Contudo, o ruído e a incessante movimentação de transeuntes, são aspectos prejudiciais para a observação do crescimento do nabo. O campo, por seu lado, também tem desvantagens, embora as pessoas tenham mais descanso e sossego quando se sentam a ver crescer nabos no campo, é lá precisamente que estas plantas estão mais ameaçadas. No campo há mais caracóis, lagartas e afídeos, entre outros bichos que se alimentam da rama do nabo, a nabiça. Na cidade esta bicharada não abunda, porém a terra citadina tem mais metais pesados, especialmente, quando há estradas com muito trânsito por perto, como acontece no Parque Eduardo VII. Apesar do delicado ruído do crescimento do nabo ser quase imperceptível ao nosso ouvido em qualquer situação, no campo, ao aproximarmos as nossas orelhas das nabiças e aguardarmos o tempo devido, podemos eventualmente ouvir o subtil friccionar das folhas enquanto se desenvolvem. Numa cidade é mais difícil ouvir as folhas a roçar umas nas outras, e não só por causa do trânsito, devemos culpar também os aviões, as sirenes, o metro, os ruídos das obras das redondezas, entre outros sons menos agradáveis do que o delicado frotteurismo das nabiças.

Embora esta seja uma receita acerca de como plantar um nabo, é de ressalvar que um dos bónus de plantar um nabo é ficar também com um pequeno molho de nabiças, caso não tenham sido comidas por bichos. As nabiças não devem ser comidas cruas, como o nabo, podem acrescentar-se a uma sopa, de batata por exemplo. Não abordaremos o procedimento da plantação de uma batata. Especialmente porque, até que surjam as primeiras folhas verdes, decorre um longo período com nada mais a observar além da própria terra. É também uma tarefa difícil de descrever de forma clara, e não é de todo aconselhada a principiantes. Há procedimentos, como o da plantação da batata, difíceis de passar para palavras. Mesmo que a explicação fosse muito clara existiria sempre um erro de base pelo simples facto de se estar a explicar o funcionamento do mundo através de palavras escritas. Plantar um nabo, plantar uma batata, ou mesmo criar uma galinha, um coelho ou um cabrito, é uma tarefa que se explica mais facilmente em silêncio. É normalmente também em silêncio que se colhe um nabo, uma batata ou que se mata uma galinha, um coelho ou um cabrito. A pessoa que colhe e a pessoa que mata não fala, nem escreve durante o processo de matar ou colher. Tal como quem discute acerca dos limites da liberdade também não colhe ou mata durante a discussão. Seria deveras insólito alguém debater acerca dos limites da liberdade enquanto abatia um cabrito para posterior degustação. O campo oferece-nos inúmeras lições, todas de presença obrigatória. Se a ideia de ver um nabo a crescer, presencialmente, não lhe agrada, procure conversar mais com quem se dedica a essa tarefa, pode ser que ainda acabem a comer um nabo juntos. Caso contrário, #planteumnabo e diga-nos como correu.