Uma biografia da cineasta portuguesa, particularmente focada no seu percurso nos anos quarenta do passado século e na realização da longa-metragem Três Dias sem Deus, de 1945. Texto de Rafael Romão Mira (Ciência ID C912-1FEE-60C2) e Madalena Romão Mira (Ciência ID 991C-BD14-8AAA).
Introdução
A exposição do Mundo Português foi o momento cultural mais marcante dos anos 40 em Portugal, e celebrava o duplo centenário da fundação (1140) e da restauração da nacionalidade (1640).
O Estado Novo procurou conciliar a arte com a política, apesar de haver vozes contrárias, como o presidente da Sociedade Nacional de Belas-Artes, Arnaldo Ressano Garcia, que simbolizava muitos outros artistas, que ficaram ao lado destas comemorações[1].
Embora obrigasse a uma renovação da área diante do mosteiro dos Jerónimos, frente ao Tejo, com vista ao futuro, a exposição glorificava os feitos portugueses do passado, das descobertas e conquistas, sendo considerada como um enorme veículo de propaganda do regime, integrada num programa de renascimento cultural, protagonizado por António Ferro, que liderava o Secretariado de Propaganda Nacional.
Inaugurada em 23 de julho e encerrada em 2 de dezembro de 1940, em plena guerra mundial, teve um enorme impacto num país pobre e analfabeto, que ficava boquiaberto com a imponência dos jardins, a arquitetura historicista e revivalista, os monumentos, como o Padrão dos Descobrimentos[2], construído para a ocasião, pelos elefantes a passear em Lisboa ou pelas mulheres africanas que faziam parte do cenário.
A exposição do Mundo Português, que só teve paralelo em Portugal com a Expo 98, foi uma celebração de homens do passado, para homens do presente, com participação mínima de mulheres. Clementina Carneiro de Moura, Estrela Faria, Sarah Afonso ou Mily Possoz (portuguesa de ascendência belga), pintoras e artistas plásticas, são raros nomes femininos entre centenas de artistas homens, que pontuaram na exposição.
A participação feminina era o reflexo da mulher em Portugal nos anos 40, onde ainda só as que tivessem um curso secundário ou universitário podiam votar, desde 1931[3], o que deixava a esmagadora maioria de fora. No documentário realizado por António Lopes Ribeiro[4], A Grande Exposição do Mundo Português, com monumental banda sonora do maestro Frederico de Freitas (aspeto ainda mais importante numa altura em os filmes eram maioritariamente mudos), a mulher está ausente.
À época, as salas de cinema enchiam para ver comédias portugueses como O Pai Tirano (1941), O Pátio das Cantigas (1942), O Costa do Castelo (1943), A Menina da Rádio (1944), A Vizinha do Lado (1945), O Leão da Estrela (1947) ou Fado, História de uma Cantadeira (1948). No meio das comédias para entreter um público que mal sabia ler e escrever, em 1946, surge Três Dias sem Deus, um drama gótico.
Esta longa metragem foi uma pedrada no charco a vários níveis: chamava a atenção para o contexto social do interior, onde a ruralidade era ainda mais dominada por preconceitos e pela religião, para o papel da mulher como o elemento fraco, mas pernicioso, da sociedade, e era realizado por uma mulher.
Bárbara Virgínia foi a primeira realizadora de uma longa metragem de ficção sonora em Portugal[5], numa altura de difícil reconhecimento das conquistas das mulheres, num regime difícil e num contexto, como se viu acima, de protagonismo masculino.
Sendo desconhecida da maioria das pessoas, este trabalho propõe dar-lhe visibilidade, tanto mais que encontrámos informação inédita sobre o seu percurso, não mencionada em qualquer lugar, bem como informação de caráter pessoal, também inédita.
Origens
Bárbara Virgínia é o nome artístico de Maria de Lourdes Dias Costa, nascida em Lisboa, a 15 de novembro de 1923.
Era filha do lisboeta Joaquim Costa e de Bárbara Virgínia Dias Costa, alentejana de Mértola. Seus pais casam em Lisboa, a 1 de julho de 1916[7], sendo ele primeiro tenente da Marinha e ela doméstica.
De acordo com o investigador de cinema Ricardo Vieira Lisboa[8], Maria de Lourdes cresceu na zona das Avenidas Novas, e iniciou os estudos nos liceus Maria Amália e Filipa de Lencastre, de onde sai para o Conservatório Nacional. Segundo este autor, o seu nome artístico é uma homenagem a sua avó Bárbara e sua mãe, Virgínia. Porém, a ser uma homenagem a ambas será ao contrário, pois a avó chamava-se Virgínia Maria e não Bárbara.
Luísa Sequeira e Paula Sequeiros informam que viaja para Angola e Moçambique, acompanhando seu pai, oficial de Marinha[9]. Porém, quando seu pai falece, em 1945, mãe e filha pedem uma pensão de sangue, em cujo processo se informa que Joaquim Costa se reformou em 1919, devido a uma doença que inviabiliza qualquer das viagens mencionadas[10]. O processo informa que à data da morte era Capitão de Mar e Guerra, que morre de doença adquirida em campanha – paludismo crónico – e que serviu no estrangeiro, como expedicionário, em Cabo Verde (São Vicente, de 4 de outubro de 1918 a 4 de fevereiro de 1919), tendo sido reformado a 18 de abril desse ano. As mesmas autoras, mas noutro texto, informam em nota de rodapé sobre seu pai: “Segundo dados na Biblioteca Central da Marinha – Arquivo Histórico, foi oficial da Marinha de Guerra, sofreu incidente em serviço pouco antes de 5-10-1910, falecendo como inválido de guerra em 1945; aderiu ao apelo para se juntar às forças revoltosas da República; viria a ser condecorado por serviços prestados em S. Vicente, Cabo Verde, em 1919, após o que é reformado”[11].
Bárbara Virgínia faz “o ensino superior no Conservatório Nacional de Lisboa como atriz, estudou também canto lírico, piano e ballet clássico, encenação, composição musical e italiano, entre outras disciplinas. Terminou a sua formação aos 20 anos, no dia 18 de julho de 1943”[12].
O nome artístico é o nome da mãe, que usa desde muito cedo, não só como homenagem, mas como “ato de revolta e de desejo de independência na confrontação com a família que, à exceção dos pais, se opunha à exposição pública de que vinha usufruindo pela subida aos palcos”[13].
A influência da mãe é muito grande. Segundo a cineasta, sua mãe “era uma pianista fantástica, e, além disso, pintava muito bem. Era uma artista e adorava arte!”[14].
Na entrevista que deu em 2009 afirma que foi a mãe que a incentivou a declamar, bem como o próprio João Villaret, de quem era amiga. O entrevistador mostra-se surpreendido afirmando que na “sociedade portuguesa nesse período de salazarismo; esse incentivo de sua mãe, não deveria ser comum mães incentivarem as filhas para a carreira artística” ao que Bárbara Virgínia respondeu: “A minha mãe dizia que nada se deveria fazer por acaso. «Gosta do que é poesia? Então estuda o que é poesia». «Gosta de declamação? Então estuda p’ra ver se gosta, se é capaz de fazer, se gosta mais de ouvir, qual o gênero que gosta mais». Isso me incentivou muito. Ela foi-me mostrando qual a diferença de uma poesia lírica para uma poesia dramática, por exemplo. Minha mãe foi uma pessoa importantíssima na minha vida artística. Eu acho que, se eu não tivesse nascido como filha dela, eu não tinha tido o grande prazer, a grande alegria de ter conseguido realmente essa carreira que foi a minha paixão. Eu teria feito outra coisa”[15].
Artista de sete ofícios
Bárbara Virgínia começa a carreira artística como declamadora e cantora lírica, na Emissora Nacional. Porém, os seus múltiplos dotes artísticos e talentos levam-na para diversas áreas, desde o bailado clássico, com espetáculos no Teatro São Carlos, logo em seguida a revista à portuguesa no Teatro Maria Vitória, como declamadora, a realizar e interpretar cinema, a protagonizar a opereta Flor da Murta (Sua Majestade o Amor), ou a peça de teatro O Ladrão, em exibição no Porto, ou ainda para a escrita de artigos em revistas e jornais.
Assim, divide-se entre a representação, o canto, o bailado, a escrita, a locução e a realização, sendo que era ainda muito jovem, pois realiza a longa metragem com apenas 23 anos. Escreve para jornais como A Voz, Diário de Lisboa, Modas e Bordados, entre outros. Entre crítica de teatro e crónicas de viagem, para além de outros géneros de escrita, é ainda uma voz conhecida dos microfones da rádio, principalmente no programa Comboio das Seis e Meia, realizado pelo ícone da rádio, Igrejas Caeiro.
É a sua faceta de declamadora – diseuse – que a leva em digressão, desde os Açores e Madeira até Espanha, França e Holanda[16], e é nesta qualidade que termina a vida em palco, antes de casar e já radicada no Brasil, para onde foi em 1952.
O cinema
A estreia de Bárbara Virgínia no cinema, como atriz, dá-se em Sonho de Amor, realizado em 1945 pelo cineasta Carlos Porfírio.
No mesmo ano, é a voz-off do documentário Neve em Lisboa de Raúl Faria da Fonseca. Sobre este documentário, por um lado, diz-se “que tanto a atribuição da realização como a narração dessa curta metragem documental não são totalmente certas, já que apenas se preserva no ANIM uma versão incompleta de montagem sem banda de som”[18]. Por outro lado, a própria Bárbara Virgínia afirma que a ideia era dela, embora tivesse acabado por só fazer a voz-off[19].
Em 1946 realiza Três Dias sem Deus, um filme-mito no universo da realização feminina em Portugal e também na Europa. Bárbara é também a protagonista, interpretando a professora Lídia, num enredo que explora “a tensão entre um mundo noturno, rural e supersticioso, personificado pela bruxa Bernarda, e um outro mundo, este solar, representado por Lídia, que acredita no diálogo, no saber escolar e que tem do campo uma visão bucolicamente normalizada”[20].
O filme é produzido pela Invicta Produtora Independente, as filmagens decorrem no estúdio Cinelândia e os exteriores nos arredores de Lisboa, embora a ação se passe numa aldeia em Trás os Montes. O orçamento foi de “700 e poucos contos, o que é uma miséria”, como a própria diz em entrevista[21]
A revista Filmagem publica um artigo sobre o filme e a realizadora e protagonista, com o título “O filme da «simpatia»”, dizendo: “A «Simpatia», evidentemente, é Bárbara Virgínia, realizadora e intérprete de «Três Dias Sem Deus», um novo filme português que caba de entrar nos Laboratórios da Lisboa-Filme, para os últimos trabalhos. Acima de tudo, esta nova produção nacional terá o interesse de nos mostrar a obra duma mulher, em quem acreditamos porque lhe conhecemos raras qualidades de cultura e alto sentido artístico”[22].
Já o Diário de Lisboa noticiou a situação com o título “Um acontecimento: pela primeira vez em Portugal e na história do cinema uma senhora dirigiu um filme”, e a notícia, misturada com uma entrevista diz: “Tem necessariamente de nos dizer alguma coisa diferente esta arrojada cineasta, vivo espírito da moderna geração, onde se adivinha a insatisfação, a ansiedade da perfeição”[23].
Mais adiante o entrevistador pergunta “E não receia que lhe não perdoem a invasão dum campo onde só homens têm atuado?”, ao que Bárbara responde: “Não. Posso recear o não ter atingido o mínimo das exigências inerentes a uma obra desta envergadura. O resto seriam pensamentos doentios que quero afastar do meu modesto cantinho”[24].
O filme estreou a 30 de agosto de 1946, no cinema Ginásio em Lisboa e foi muito bem acolhido pelo público, pois o dono da produtora, “Felisberto Felismino, um «conhecido comerciante de Lisboa» importador de canetas de tinta permanente da marca Conklin (…) recuperou nas 4 semanas de exibição do filme, até dia 26 de Setembro, o seu investimento não se dando por insatisfeito”[26].
O Festival de cinema de Cannes, que inaugura nesse ano, recebe o filme, sendo a única longa metragem realizada por uma mulher[27]. A comunicação social francesa dizia: “C’est une des grandes révélations du festival, le nom de Barbara Virgínia”[28].
Porém, o júri do festival não concordou e o prémio a entregar a cada país não chegou ao Egipto nem a Portugal “dado o valor das suas produções ter sido considerado insuficiente pelo júri”[29].
A crítica em Portugal é igualmente mais negativa que positiva e “O que parece ser o consenso da crítica é que Bárbara Virgínia terá sido, como realizadora, uma figura pouco proeminente que só a espaços terá conseguido impor a sua visão para o filme”[30], mas ainda assim aparecia “como uma jovem e forte promessa para o cinema português. Os mais críticos do filme afirmaram que se o resultado não os havia convencido, havia nele indícios de uma ideia diferente de cinema para o meio português, e que apesar de ser impossível avaliar totalmente o talento de uma realizadora com apenas um filme realizado e sem experiência anterior, os seus projetos seguintes resolveriam o mistério e esclareceriam se Três Dias sem Deus fora um caso isolado e sem consequências futuras, ou o primeiro passo de uma nova voz no cinema português”[31].
Restam apenas 26 dos originais 102 minutos da película, sem banda sonora, que se guardam na Cinemateca Portuguesa[32].
Bárbara é convidada a realizar o filme na sequência do afastamento do realizador: “por imposição da suas funções na MGM, no novo departamento de 16mm, Faria da Fonseca viu-se obrigado a viajar para os EUA a fim de uma formação especializada, o que o impediu de estar presente durante a rodagem do filme (…) a passagem de Bárbara Virgínia para a cadeira de realizadora traduziu-se numa série de alterações ao argumento (não tanto na ação, mas no tom) ao ponto de Raúl Faria da Fonseca ter feito publicar, no Diário de Notícias, um esclarecimento em que se afastava do projeto”[34].
Assim, apesar de ser celebrada como a primeira realizadora de uma longa metragem de ficção sonora, não deixa de se colocar a dúvida se exerceu esta função por vontade própria ou por mera coordenação dos acontecimentos. A entrevista que deu poucos anos antes de falecer não é esclarecedora, antes pelo contrário, como se verá adiante.
Ainda em 1946 é-lhe atribuída a realização do documentário sonoro, a preto e branco, com 15 minutos, Aldeia dos Rapazes-Orfanato Sta. Isabel de Albarraque, filmado com uma câmara à altura dos olhos das crianças, o que lhe confere uma dimensão muito próxima dos protagonistas, apenas crianças, sem intervenção de adultos.
No ano seguinte entra como atriz no filme de Armando Miranda Aqui, Portugal, “um desfile de costumes, tradições e melodias populares de um país moldado à «imagem» do Estado Novo. As várias províncias portuguesas, de Trás-os-Montes ao Algarve, são evocadas através das suas danças, cantares e outras atividades regionais protagonizadas por conhecidos atores e atrizes”[35].
Projetos no papel
Logo em 1947 os jornais em França noticiavam que “Bárbara Virgínia “réalisatrice du film portugais «Trois Jours San Dieu» présenté au Festival de Cannes, prepare pour l’anné 1947 la production d’un nouveau film”[37].
Todavia, só em 1950 há notícia da cineasta pretender fazer um filme, cujo tema seria sobre António Nobre, intitulado Anto.
O poeta António Nobre morreu muito novo, com apenas 32 anos. Viveu muito tempo no estrangeiro, principalmente em Paris, mas também noutros lugares, onde procurava ajuda médica para os seus problemas pulmonares. O seu livro Só influenciou o modernismo português.
O processo no Arquivo Nacional da Torre do Tombo indica-a como realizadora e produtora, mas que não vê a luz do dia pois a censura não o permite, embora a versão oficial fosse que não tinha havido financiamento, para o que também terá contribuído o facto de António Nobre ser homossexual[38].
Porém, o que não é indicado em parte alguma é o seu pedido de concessão de subsídio para realizar outro filme: Vidas que Renascem, em 1951[39]. Na entrevista que Bárbara concede a William Pianco e Ana Pereira, menciona o projeto de António Nobre, mas não diz uma palavra sobre Vidas que Renascem.
O pedido foi feito diretamente ao Conselho de Ministros e o ofício que daqui é enviado ao Presidente do Fundo do Cinema Nacional, assinado pelo chefe de gabinete José Manuel da Costa, contém o despacho de Oliveira Salazar: “Para o Conselho do Fundo do Cinema estudar que possibilidades existem de auxiliar com subsídio o doc. Vidas que Renascem, que sendo bem delineado e executado pode ser bom instrumento de propaganda de uma das maiores realizações nacionais. 2-2-951. a) Oliveira Salazar”[40]. Este documento informa que é acompanhado pelo requerimento de Bárbara Virgínia que pede um subsídio para a realização de filme sobre a organização que em Portugal luta contra a lepra, que não consta do processo.
Porém, só esta indicação é suficiente para se perceber que Salazar pretendia apoiar o projeto. Contudo, nos pedidos de subsídio para a realização de filmes do arquivo do Fundo do Cinema Nacional, que contém por exemplo o pedido para Anto, nada consta sobre este projeto. O que lhe terá acontecido e porque não terá visto a luz do dia, já que parece estar tão bem encaminhado?
Até que ponto é que a realidade destes dois filmes contribuiu para a cineasta abandonar Portugal? A sua profissão declarada na ficha consular de entrada no Brasil – realizadora cinematográfica – queria dizer que tencionava seguir essa carreira?
Vida no Brasil
Depois de assistir a um dos seus espetáculos em Lisboa, no S. Luís, o empresário brasileiro Assis Chateaubriand convida Bárbara Virgínia a trabalhar no Brasil.
Também jornalista e escritor, Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello é um magnata na área das comunicações, proprietário de jornais e revistas, emissoras de rádio e televisão. É considerado como o responsável pela introdução da televisão no Brasil, e era dono da primeira emissora, a TV TUPI, onde Bárbara Virgínia começa a trabalhar.
Bárbara Virgínia, cujo pai morrera em 1945, vai para o Brasil com sua mãe, figura que nunca a abandona e que considera ser sua conselheira. As fotografias que apresenta nas fichas consulares em 1952 e 1959 são muito diferentes, exibindo a primeira o recato da mãe de família portuguesa e a segunda a influência de vários anos já vividos no Brasil.
A colaborar com a Rádio e TV TUPI, a atriz estreia-se em S. Paulo no Teatro Cultura Artística, logo em 1952.
Em outubro desse ano a Ilustração Brasileira publica uma foto autografada com a seguinte legenda: “Barbara Virgínia em São Paulo: a aplaudida cantora e declamadora portuguesa, atualmente em São Paulo de onde nos enviou a amável saudação aqui reproduzida”[45].
Dá espetáculos de declamação por todo o Brasil, recebendo o prémio de Teatro Declamado e o prémio Carlos Alves de Poesia Declamada, ambos em 1957, entregues pela Rádio e TV TUPI.
Pelo caminho abriu um restaurante com a mãe, em S. Paulo, chamado Aqui é Portugal.
Casa em 1963 com Leopoldo Moreira de Freitas[46] (e não com alguém com os apelidos Fernandes Vilela Alves, como tem sido divulgado[47]), casamento do qual nasceu uma filha, chamada Bárbara Virgínia.
Depois do casamento passa a trabalhar só em rádio, sem exposição pública da imagem, a pedido do marido, que passado algum tempo também a convenceu a deixar a rádio, como a própria conta na já mencionada entrevista. Verifica-se, pois, que é uma mulher já longe da jovem que desafiou a família para ser atriz e estar em palco.
Porém, em resultado da sua participação em inúmeros programas de rádio surgem vários livros sobre etiqueta e estar social:
A Mulher na Sociedade: Manual Prático e Ilustrado de Charme e Distinção, Edições Paulinas, 1972.
Poder Pode… Mas Não Deve, Edições Loyola, 1986.
Comportamento: Dicas Para o Executivo Ter Sucesso, Edições Loyola, 1992.
Etiquetas Sem Etiqueta: Só Para Teenagers Dicas de Relacionamento Pessoal, Edições Loyola, 1993
Seu Comportamento, Seu Sucesso, Edições Loyola, 1996.
Bárbara Virgínia fica viúva em 2008, quando Leopoldo morre aos 73 anos[48]. Está enterrado no cemitério de Morumbi, ao lado da mãe da declamadora, que faleceu a 14 de novembro de 1979[49].
Bárbara morreu a 7 de março de 2015, com 91 anos de idade, em S. Paulo e os seus biógrafos dizem que está enterrada no cemitério do Morumbi. Porém, na quadra 14 (Q.XIV), sector 8, sepultura nº 1406, à data de outubro de 2022 apenas estavam os restos mortais de sua mãe e marido[50].
Prémio Bárbara Virgínia
No ano em que Bárbara Virgínia morreu, a Academia Portuguesa de Cinema decidiu criar um prémio com o seu nome “para homenagear mulheres que tenham contribuído de forma notável para o cinema português. Ao atribuir-lhe o nome de Bárbara Virgínia, relembramos e homenageamos a primeira mulher a realizar um filme de ficção em Portugal em 1946, com apenas 22 anos, tendo sido também declamadora de poesia, atriz de teatro e de cinema, apresentadora de programas de rádio, escritora e assistente de produção”[51].
Apontamento final
Podíamos pensar que a jovem que se destaca ao realizar um filme em plena ditadura em Portugal, com apenas 22 anos, não conseguindo os apoios que pretendia para os dois projetos que apresentou, levaria a sua garra para o Brasil, onde obteria sucesso. Porém, o sucesso da sua vida só em parte foi concretizado e não foi no cinema.
Continuou a fazer o mesmo que fazia em Portugal, declamar, numa vida certamente cansativa que a obrigava a percorrer um imenso país. Quando surge a oportunidade adota uma vida de família, casando, deixando os palcos e a vida de exposição pública, já que o marido lhe pede que deixe também os microfones da rádio: “meu marido adorava ver-me trabalhar nos espetáculos, mas como mulher casada, ele era contra”[53].
A entrevista que William Pianco conduz mostra uma Bárbara Virgínia com as marcas do tempo, um pouco confusa, sem responder às perguntas que são colocadas e dando respostas diferentes em momentos diferentes. Bárbara afirma ter realizado o filme porque Raul Faria da Fonseca morreu, o que não aconteceu, pois o realizador morreu num acidente de aviação em 1950, em Angola, durante as filmagens de Epopeia da Selva[54].
Na entrevista Bárbara diz que quando foi convidada para realizar o filme a mãe lhe deu toda a força (p. 4) e a seguir afirma que a mãe a tentou dissuadir (p. 7). Menciona também que o pai foi embaixador em alguns locais, o que não corresponde à verdade.
Ricardo Vieira Lisboa faz uma exaustiva recolha de artigos e entrevistas a Bárbara Virgínia, quando ainda vivia em Portugal, onde se lhe pergunta o que prefere, o teatro ou o cinema, e as respostas vão variando, entre o primeiro, o segundo, ou igual preferência[55], sem haver uma resposta firme. Se a realização fosse uma vocação, e tendo em conta o que significa o festival de Cannes para qualquer cineasta, teria faltado à sua estreia naquele local?
Nas entrevistas que deu afirma sempre que não queria nada com a política, e que até sua mãe lhe chamou a atenção para não ir por aí. Contudo, para além do ato da realização de Três Dias Sem Deus por uma mulher ser um ato político no contexto da altura, o filme sobre os órfãos também o ser e o agora descoberto projeto sobre a lepra em Portugal ser visto como um veículo de propaganda, enquadra Bárbara Virgínia numa dimensão política que até agora não lhe foi atribuída.
Ainda assim, e em conclusão, o que a família não conseguiu fazer em Portugal, quando era uma mulher jovem com vida pública artística, conseguiu o marido, no Brasil, ao afastá-la dos palcos e dos microfones dos programas de rádio.
Mas o mérito de ter sido a primeira mulher a realizar uma longa metragem sonora em Portugal, ninguém lho retira.
Bibliografia
Fontes
Arquivo Nacional Torre do Tombo – ANTT
ANTT/ 4ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa, 01.07.1916, Livro 028-C, Folio 253.
ANTT/ “Anto”. Secretariado Nacional de Informação, IGAC, cx. 692, proc. 4, 124 folhas.
ANTT/ Ofício a remeter um requerimento de Barbara Virgínia, a solicitar a concessão de um subsídio, para a realização de um filme, denominado “Vidas que Renascem”. Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, Gabinete do Presidente, cx. 182, proc. 1340/106, n.º 1.
Arquivo da Secretaria Geral do Ministério das Finanças – ASGMF
ASGMF/ Joaquim Costa, Processo DGCP/16/001/6872, Código de referência PT/ACMF/DGCP/16/001/6872.
Arquivo do Museu Nacional do Teatro
Fotografia autografada de Bárbara Virgínia, nº de inventário MNT 21137. Disponível em http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=1083011
Estudos, periódicos e vídeos
A insinuante Barbara Virgínia na cena “Aqui Portugal” (1947). [S.l.: s.n.], [postal] 16×10 cm. Biblioteca Nacional de Portugal, https://purl.pt/28210.
Ancestry, Rio de Janeiro, Immigration cards (1900-1965).
“Bárbara Virgínia” (s/d1). In CINEPT, Cinema Português, disponível em http://www.cinept.ubi.pt/pt/pessoa/2143690457/B%C3%A1rbara+Virg%C3%ADnia
Barbara Virgínia” (s/d2), in Festival de Cannes, disponível em https://www.festival-cannes.com/en/artist/barbara-virginia
“Bárbara Virgínia em São Paulo”. Ilustração Brasileira, ano 18, nº 210 (outubro), p. 28, disponível em http://memoria.bn.br/pdf/107468/per107468_1952_00210.pdf
“Cine Cartaz” (s/d). Público, disponível em https://cinecartaz.publico.pt/filme/aqui-portugal-320318
CRUZ, José de Matos (2002). Cinema em Angola. Luanda: Edições Chá de Caxinde
Diário Oficial do Estado de São Paulo, 9 de outubro de 1963, p. 58.
“Echos et Nouvelles” (1947). La Gazette provençale, (7 janvier), p. 2.
Exposição do Mundo Português” (s/d). In Infopédia. Porto: Porto Editora. Disponível em https://www.infopedia.pt/$exposicao-do-mundo-portugues
Folha de S. Paulo, 18 de fevereiro de 2008.
HENRIQUES, Carlos A. (2018). “Bárbara Virgínia (1923-2015): Realização no Feminino”. In Colorize media, disponível em http://www.colorizemedia.com/detalhe_biografia.php?pag=34
“Homenagem a Bárbara Virgínia” (2015). In Olhares do Mediterrâneo 2015 [vídeo]. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=pskD9sJxpgI
“Le Festival de Cannes se termine aujoud’hui” (1946). L’Aurore, (6 octobre), p. 3
LISBOA, Ricardo Vieira (2016). “Bárbara Virgínia, um caso insólito no cinema português” [post em blogue]. In À pala de Walsh, disponível em https://apaladewalsh.com/2016/11/barbara-virginia-um-caso-insolito-no-cinema-portugues/
LISBOA, Ricardo Vieira (2016a). O restauro cinematográfico como recoreografia: o caso de “Três Dias sem Deus” de Barbara Virgínia. Lisboa: Instituto Politécnico de Lisboa, Escola Superior de Teatro e Cinema
LISBOA, Ricardo Vieira (2018). TEXTOS & IMAGENS 23. Cinemateca, disponível em https://www.cinemateca.pt/Cinemateca/Destaques/Textos-Imagens-23.aspx
LISBOA, Ricardo Vieira (2021). Três Dias sem Deus, 1946, Bárbara Virgínia. Lisboa: Cinemateca, Disponível em http://www.cinemateca.pt/CinematecaSite/media/Documentos/Tres-Dias-sem-Deus-Press-Kit.pdf
“O filme da «simpatia»” (1946). Filmagem, 3ª s., nº 64, (abril), p. 5.
PIANCO, William & PEREIRA, Ana Catarina (2016). Bárbara Virgínia: A primeira realizadora de uma longa-metragem em Portugal. International Journal of Cinema, nº 2, disponível em //journal-cinema.org/index.php/IJC/article/view/28
“Prémio Bárbara Virgínia” (s/d). In Academia Portuguesa de Cinema, disponível em https://www.academiadecinema.pt/premios-barbara-virginia/
QUINTAS, António (2016). “Morreu a primeira realizadora portuguesa”. In RTP, disponível em https://www.rtp.pt/cinemax/?t=Morreu-a-primeira-realizadora-portuguesa.rtp&article=12033&visual=2&layout=8&tm=78
RIBEIRO, António Lopes (realiz.) (1940). A Grande Exposição do Mundo Português [vídeo], disponível em https://www.youtube.com/watch?v=2QdO6sXEoTI
SEQUEIRA, Luísa (2017). Quem é Bárbara Virgínia? [vídeo], disponível em http://www.doclisboa.org/2017/filmes/quem-e-barbara-virginia/
SEQUEIRA, Luísa & SEQUEIROS, Paula (2017). “Bárbara Virgínia: cineasta precursora em Portugal”. IX Congresso Português de Sociologia: Portugal, território de territórios, disponível em https://associacaoportuguesasociologia.pt/ix_congresso/docs/final/COM0445.pdf
SEQUEIROS, Paula & SEQUEIRA, Luísa (2017). “Esquecer Bárbara Virgínia? Uma cineasta precursora entre Portugal e o Brasil”. Comunicação e Sociedade, vol. 32, pp. 331 – 352 doi: 10.17231/comsoc.32(2017).2765.
Túmulo da atriz Bárbara Virgínia | Cemitério do Morumbi, [vídeo]. Youtube, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=B2gScOkV3tE
“Um acontecimento: pela primeira vez em Portugal e na história do cinema uma senhora dirigiu um filme” (1946). Diário de Lisboa (16, agosto), p. 4.
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“Exposição do Mundo Português” (s/d). ↑
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O monumento atual foi construído só em 1960, o que esteve patente na exposição foi outro. ↑
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O sufrágio universal em Portugal só foi alcançado com o 25 de Abril de 1974. ↑
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RIBEIRO, 1940. ↑
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A açoriana Amélia Borges Rodrigues está creditada como realizadora de três filmes entre 1934 e 1937. Cf. LISBOA, 2016a, p. 92. ↑
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QUINTAS 2016. ↑
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ANTT / 4ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa, 01.07.1916, Livro 028-C, Folio 253. ↑
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LISBOA, 2016. ↑
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SEQUEIRA & SEQUEIROS, 2017. ↑
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ASGMF – Processo DGCP/16/001/6872 Joaquim Costa, Código de referência PT/ACMF/DGCP/16/001/6872. ↑
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SEQUEIROS & SEQUEIRA, 2017, p 333. ↑
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LISBOA, 2016. ↑
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SEQUEIRA & SEQUEIROS, 2017, p.6. ↑
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PIANCO & PEREIRA, 2016, p. 3. ↑
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PIANCO & PEREIRA, 2016. ↑
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Não se sabe quando aconteceu esta digressão. Os biógrafos em Portugal apontam o ano de 1949, mas a própria afirma ter sido já quando estava no Brasil. ↑
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Museu Nacional do Teatro, nº de inventário MNT 21137. ↑
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LISBOA, 2016; HENRIQUES, 2018. ↑
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PIANCO & PEREIRA, 2016. ↑
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“Bárbara Virgínia” (s/d1). ↑
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Entrevista a Bárbara Virgínia realizada por William Pianco e Ana Catarina Pereira, em 2009, “Homenagem a Bárbara Virgínia” (2015). In Olhares do Mediterrâneo 2015 [vídeo]. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=pskD9sJxpgI ↑
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“O filme da «simpatia»” (1946). Filmagem, 3ª s., nº 64, (abril), p. 5. ↑
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“Um acontecimento: pela primeira vez em Portugal e na história do cinema uma senhora dirigiu um filme” (1946). Diário de Lisboa (16, agosto), p. 4. ↑
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Idem. ↑
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Imagem captada do vídeo Quem é Bárbara Virgínia?, de Luísa Sequeira, exibido no DocLisboa em 2017, e disponível em http://www.doclisboa.org/2017/filmes/quem-e-barbara-virginia/ ↑
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LISBOA, 2018. ↑
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Portugal faz-se representar também com o filme Camões, de Leitão de Barros. ↑
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“Le Festival de Cannes se termine aujoud’hui” (1946). L’Aurore, (6 octobre), p. 3. ↑
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Citado em LISBOA, 2016a), p. 94. ↑
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Idem, p. 133.Os textos que saíram na crítica portuguesa podem ser encontrados neste livro, a partir da página 118. ↑
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Idem, pp. 136-137. ↑
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LISBOA, 2021. ↑
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“Barbara Virgínia” (s/d2). ↑
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LISBOA, 2021, p. 4-5. ↑
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“Cine Cartaz” (s/d). ↑
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A insinuante Barbara Virgínia na cena “Aqui Portugal“, 1947. ↑
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“Echos et Nouvelles” (1947). La Gazette provençale, (7 janvier), p. 2. ↑
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ANTT / “Anto”. Secretariado Nacional de Informação, IGAC, cx. 692, proc. 4, 124 folhas. ↑
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ANTT / Ofício a remeter um requerimento de Barbara Virgínia, a solicitar a concessão de um subsídio, para a realização de um filme, denominado “Vidas que Renascem”, datado de 2 de fevereiro de 1951. ANTT, Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, Gabinete do Presidente, cx. 182, proc. 1340/106, n.º 1. ↑
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Idem. ↑
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Ancestry, Rio de Janeiro, Immigration cards (1900-1965). A data apontada por Marisa Vieira, de 2 de agosto de 1951, como de chegada ao Brasil não pode ser correta, pois apenas a 8 de agosto desse ano foi expedido o passaporte. A informação de Marisa Vieira foi consultada em PIANCO & PEREIRA, (2016). ↑
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Ancestry, Rio de Janeiro, Immigration cards (1900-1965). ↑
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Ancestry, Rio de Janeiro, Immigration cards (1900-1965). No verso indica a mesma data de chegada da filha, 13 de agosto de 1952. ↑
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Idem. ↑
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“Bárbara Virgínia em São Paulo”. Ilustração Brasileira, ano 18, nº 210 (outubro), p. 28. ↑
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Leopoldo nasceu em Pocos de Caldas, Estado de Minas Gerais, em 18 de julho de 1934, filho de Murilo Moreha de Freitas e de Alla Rosa Montemurro Freitas, assim diz o edital de casamento com Maria de Lourdes Dias Costa, datado de 4 de outubro de 1963 e publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo, 9 de outubro de 1963, p. 58. ↑
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LISBOA, 2016; HENRIQUES, 2018. ↑
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O seu falecimento é anunciado na Folha de S. Paulo, 18 de fevereiro de 2008, na seção de necrologia. ↑
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Ver vídeo sobre Bárbara Virgínia e o local do seu enterramento “Túmulo da atriz Bárbara Virgínia | Cemitério do Morumbi”. ↑
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Idem. ↑
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“Prémio Bárbara Virgínia” (s/d). ↑
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HENRIQUES (2018). ↑
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PIANCO & PEREIRA, 2016, p. 6. ↑
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CRUZ, 2002, p. 11 ↑
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LISBOA, 2016a, pp. 145-146. ↑