A Imprensa e o Engodo do Estado Tutor

Prentende-se mostrar o caminho político perigoso pelo qual nos guia a imprensa do século XXI – com todas as suas características – no panorama português contemporâneo. Em tempo de eleições como as recentes presidenciais de 2021, é necessário um suporte credível que nos dê as ferramentas apropriadas para defendermos os interesses da democracia e não um dúbio quarto poder que nos embarace num engodo já iniciado por aquilo que chamo de estado tutor.

Texto de Débora Ferreira Duarte. Revisão de João N.S. Almeida. Imagem: fachada do Ministry of Mass Media, Sri Lanka, wikimedia.org.

A imprensa tem sido apontada como uma arma fortíssima para a formação do pensamento de várias gerações do período moderno. Desde o século XVIII que é vista como um dos poderes civis que mais contribuem para a defesa da democracia e, por consequência, uma das maiores oposições à ditadura. Assim sendo, este ensaio tem como principal objetivo mostrar o caminho político perigoso pelo qual nos guia a imprensa do século XXI – com todas as suas características – no panorama político português contemporâneo. Em tempo de eleições como as recentes presidenciais de 2021, é necessário um suporte credível que nos dê as ferramentas apropriadas para defendermos os interesses da democracia e não um dúbio quarto poder que nos embarace num engodo já iniciado por aquilo que chamo de estado tutor.

O objetivo principal será, portanto, responder à seguinte questão: em que medida a postura atual da imprensa afeta os valores culturais e o acto político – particularmente o acto político atual, que contempla as eleições presidenciais do presente ano. Para desenvolver uma resposta a esta questão irei explorar outros pontos, entre os quais: a) qual a relação entre a imprensa e a democracia, que remonta ao século XVIII; b) o porquê da imprensa ser vista como um garante da democracia e a maior ameaça para uma ditadura, utilizando, para este feito, os pensamentos de Tocqueville e analisando a contribuição da imprensa — via rádio — para a revolução de 25 de abril de 1974 em Portugal.
Partindo destes pontos introdutórios, que contemplam os avisos de Tocqueville acerca dos cuidados a ter com a imprensa e de como distribuir o seu poder, irei analisar aquilo que a caracteriza no presente século e quais as possíveis modificações a que foi sujeita. É importante, depois de comprovada esta mutação, entender quais os problemas a que levou a proposta de descentralização da imprensa, que partiu de Tocqueville. Após analisar este quadro do quarto poder, procurarei proporcionar um maior entendimento acerca da eficácia das suas respostas, através da investigação da prestação da imprensa – mais especificamente do planeamento e do comportamento dos jornalistas e mediadores dos debates televisivos para as presidenciais de 2021.
1.A relação necessária entre imprensa e democracia

Para entender de onde surgiu o quarto poder a que nos referimos anteriormente devemos, em primeiro lugar, entender o que possibilitou o seu surgimento — a democracia. Abraham Lincoln definiu-a como sendo “governo do povo, pelo povo e para o povo” , mas que significa isto? Ao contrário do que podemos pensar à partida, o conceito de Democracia tem várias formas muito diferentes entre si, sendo um conceito trabalhado em várias épocas de diferentes maneiras. 

Segundo a enciclopédia Logos, o conceito de Democracia é retratado de três formas diferentes que se distinguem através do contexto histórico em que se inserem e dos valores defendidos pelos cidadãos: democracia da época clássica; democracia da época medieval; democracia da época moderna.
A democracia do presente século, influenciada pela época moderna, tem como prioridade a proteção da liberdade dos indivíduos, mas também, através de um modelo social-democrata, garantir igualdade entre os mesmos — igualdade económica, social e cultural. Esta democracia igualitária— que protege os cidadãos e o pluralismo tão característico do ser humano— é concretizada através do envolvimento crucial de todos os cidadãos que a constituem, no processo de encontrar soluções para os problemas emergentes. — (…) “A Democracia passa a ser concebida nas suas características de participação de todos os cidadãos para a realização, em liberdade e igualdade, dos interesses e direitos fundamentais de todos e de cada um.” (…) .
Este sistema político, que envolve, ao nível mais prático, os indivíduos, permite-lhes aquilo que outros sistemas de governo não permitiam: ter um lugar na discussão daquilo que é ou não necessário ser pensado, alterado, ou abolido— nomeadamente, na nossa vida contemporânea, coisas como proteção dos direitos dos animais, legislação que permite o adensamento da poluição, permissividade a discursos de ódio. Assim sendo, este governo democrático, baseado no envolvimento dos cidadãos, requer deles um compromisso perante o acto político e a vida política propriamente dita, sendo o sufrágio um dos mecanismos mais importantes que a caracterizam.
A importância do acto político de “todo e cada” cidadão torna necessária uma consciência bem definida dos problemas atuais da sociedade, de maneira a conseguir avaliar a melhor resposta para os mesmos. Apenas através desta consciência é que o indivíduo tem a capacidade de impedir o spectrum do estado tutor —um tutor que toma conta dos cidadãos, jovens e imprudentes, concedendo-lhes alguns prazeres com o intuito de os deixar satisfeitos enquanto os afasta das verdadeiras questões e decisões políticas.
Devido às capacidades do ser humano, limitadas no tempo e no espaço, este não consegue ter acesso a tal consciência acerca dos problemas da sua comunidade ou até de todo o mundo sem auxílio de uma entidade exterior mediadora. Esta fragilidade faz crescer a necessidade de criar um mecanismo de informação que garanta as ferramentas intelectuais necessárias para a preparação dos cidadãos para o mundo político, contribuindo, em grande medida, para o processo de formação do pensamento crítico — a imprensa.
A imprensa, fornecedora assumida destas ferramentas, através da exposição dos factos tal como são, tem, por conseguinte, um acesso privilegiado à modelação das crenças e dos valores dos cidadãos; ou seja, devido a deter praticamente um monopólio do fornecimento de informações, a imprensa assume o papel de principal incubadora de opiniões políticas mas, também, de valores e costumes. Segundo Tocqueville, em Da Democracia na América: (…) “A liberdade de imprensa não faz sentir o seu poder apenas sobre as opiniões políticas, mas ainda sobre todas as opiniões dos homens.” (…) .
Por conseguinte, não se pode negar que este acesso privilegiado pode encaminhar o indivíduo — impotente devido às suas limitações naturais — para um percurso indesejado; ao influenciar de forma tão forte aquilo que os cidadãos pensam e expressam diariamente, o seu poder político aumenta exponencialmente, deixando os cidadãos vulneráveis a intenções que não contemplam a verdadeira essência da imprensa — proteger os cidadãos e a sua liberdade. Aquilo que é visto como uma entidade de socorro aos cidadãos desprotegidos e um garante da Democracia pode tornar-se, facilmente, numa ameaça às suas liberdades.
Uma democracia, sustentada em ideias de igualdade e liberdade de direitos é, acima de tudo, criada e mantida pela voz dos cidadãos e pelo seu envolvimento político, uma vez que são os indivíduos quem escolhe o governo que materializa as suas necessidades. Ora, caso não exista uma fonte que providencie os meios necessários para a formação do pensamento político dos eleitores, estes são capazes dar o seu contributo. Sem esta informação, inicia-se um fenómeno em bola de neve: encerrados sob um nevoeiro de desconhecimento, longe de conseguir a informação necessária, os indivíduos tendem a cessar a sua ação política, desvinculando-se do processo de resolução de problemas, centralizando, involuntariamente, o poder no estado.
Sendo a imprensa, tendencialmente, uma voz independente do estado, uma voz a quem é dada a possibilidade da crítica do governo em funções, será de esperar que, quanto mais livre for, menor será a influência do estado sobre os cidadãos. Quando lhe são dadas as ferramentas de que necessita, para enfrentar a sua realidade e defender os seus direitos, estes conseguem afastar o poder tirano da democracia.
Desde este reconhecimento da importância da imprensa para a existência e manutenção da Democracia, no século XVIII, por Tocqueville, esta foi aclamada de “quarto poder”, um poder que procura defender os cidadãos e a sua liberdade, um poder que “controla o governo”, que o “mantém em xeque”. A influência do seu poder tem sido particularmente visível na dinâmica do jornalismo de investigação, em que a imprensa assume o papel de um justiceiro social que procura desmascarar as falhas e os erros cometidos pelas pessoas incumbidas de trabalhar, unicamente, segundo os interesses dos cidadãos. Aquilo que era antes o modus operandi do jornalismo alterou-se, deixando de relatar factos para passar a assumir uma pele protetora de causas . Por conseguinte, um jornalismo que deixa de lado o relato imaculado para assumir a defesa ou não defesa de uma causa, deixa também de lado a sua essência, uma vez que assumir uma causa é submeter os factos a ela subjacentes a um pensamento crítico individual e subjetivo.
Ao analisar o processo Watergate podemos ver o papel do jornalismo de investigação como grande contributo para a destituição do presidente em funções; todo o processo foi levado a cabo, inicialmente, por dois jornalistas do The Washington Post — Bob Woodward e Carl Bernstein — que iniciaram a sua investigação sobre o presidente Richard Nixon, em 1972; após a investigação levada a cabo, o trigésimo sétimo presidente dos Estados Unidos apresentou a sua resignação ao cargo. Um caso judicial bem mais próximo de nós é o “Caso Magalhães”, uma peça produzida no semanário Expresso, a 7 de Março de 2009, que levantou muitas perguntas no ministério da justiça acerca dos erros que foram encontrados em jogos educativos do computador Magalhães. Esta peça culminou numa remoção, no dia seguinte, do software. A partir destes dois casos, a influência deste “quarto poder” no mundo político torna-se evidente ao assumir, publicamente, a defesa dos interesses dos cidadãos; esta tomada de posição culminou na destituição do presidente americano que, por si, é uma grande conquista.
Como foi dito referido, a imprensa tem um acesso privilegiado aos cidadãos e ao seu processo de formação de opinião; numa democracia, a voz da maioria do povo é imperial e, ao conseguir modelá-la através do pensamento dos indivíduos— por estar envolvida no processo de formação de opiniões — consegue destituir um presidente— como no primeiro exemplo— ou fazer agir o governo momentos depois de uma notícia ter sido publicada— como no segundo exemplo. É ainda sabido que o governo, que jurou defender a democracia tem consciência do poder do povo e quer mantê-lo satisfeito ao seu lado; essa dependência leva o governo a agir segundo a opinião pública- que, note-se, está influenciada pelo poder da imprensa. Ora, no primeiro exemplo, não existiu misericórdia da opinião pública perante o presidente alvo de investigação, levando à sua demissão; se a imprensa tem este tipo de poder, não podemos tirar da nossa atenção o facto de poder ser usada exatamente para o oposto, causando a desordem através do controlo dos cidadãos.
Desde os primórdios da sua existência, a imprensa foi vista como um grande utensílio para os cidadãos mas também como um dispositivo pronto a derrubar a ordem e a democracia o que deveria defender — e da qual, aliás, depende — como alertou Tocqueville em Da Democracia da América. Segundo o pensamento de Tocqueville, é necessário um medida que consiga controlar este poder, mas não algo que interfira diretamente com a sua liberdade— poderia levar a uma tirania. Para Tocqueville, que previu a emergência deste problema, a resposta contemplava, no seu núcleo, a descentralização da imprensa e do seu poder— (…) “aumentar o seu número para que se disperse em opiniões.”(…).
Ironicamente, esta resposta foi posta em prática desde então — como podemos observar, à escala da realidade nacional portuguesa, no aumento de jornais pós 25 de Abril — mas tem levado por vezes a consequências opostas aquelas que Tocqueville previu, já que a descentralização não favoreceu o bem de uma democracia sã, mas antes o seu apodrecimento. Com um aumento do número de meios de informação e a descentralização do seu poder, a imprensa foi inserida no mercado económico, tornando-a vulnerável às necessidades económicas, impostas pela manutenção do jornal.
Este envolvimento na máquina económica refletiu-se num aumento da corrida pela atenção dos leitores e ouvintes: os jornais começaram a fornecer as notícias que iam de encontro às necessidades emocionais dos indivíduos, em vez de fornecer aquelas que podem, de facto, fornecer informação importante para a formação de uma opinião enquanto cidadão— passando a ser primordial a (des)informação de entretenimento, subalternizando a informação de importância prática.

  1. Os problemas da metamorfização da imprensa
    A opção pela (des)informação tem as suas consequências materializadas no crescente abismo entre os cidadãos e o mundo político; sem saber quais as notícias realmente importantes, ou quais são sequer verdadeiras, o indivíduo vê-se enredado na obscuridade da mentira e da ignorância sem saber realmente o que acontece à sua volta. Este tipo de comportamento pode ter resultados muito negativos na formação de opiniões, tornando-as em opiniões ingénuas e até mesmo ignorantes.
    A resposta da descentralização, como anteriormente referido, foi concebida com o intuito de dissipar o poder da imprensa segundo o aumento exponencial no número de jornais em funções e uma expansão dos mesmos por todo o território, aumentando as opiniões e pensamentos críticos da sociedade. Assim, o segundo problema da resposta dada por Tocqueville abrange a entrada da imprensa no mercado económico, tornando-a prisioneira da máquina capitalista que define aquilo sobre o qual deve trabalhar, escrever e fazer pensar. Com o aumento do número de jornais e a entrada no mercado económico, a competição por lucros tornou-se cada vez mais feroz, obrigando os jornais a adaptarem-se não apenas aos cidadãos mais letrados, mas também a todo o resto do povo, que começou a ser o principal consumidor, o que representa uma curiosa consequência negativa da democratização do acesso à informação:
    (….) “A análise dos números providenciados pela Associação Portuguesa para o Controlo de Circulação e Tiragens não deixa margem para dúvidas no que diz respeito à quebra acentuada que a imprensa enfrentou na década de 2007 a 2016: a circulação de jornais diários generalistas nacionais caiu 24,5% (e já entre 2000 e 2007 a circulação tinha diminuído 19,5%). Mas mais do que por uma queda geral, o período caracterizou-se por uma alteração do perfil do leitor de jornais em Portugal, com um crescimento relativo da imprensa dita popular.” (…)
    Uma vez inserida dentro do mercado, a imprensa deve lutar contra este tipo de meios de informação populista, de maneira a tornar-se novamente apelativa aos seus leitores mais letrados, através de uma abordagem semelhante e muitas vezes idêntica à deste tipo de jornalismo popular. Essa corrida pela atenção dos leitores faz a imprensa incorrer no erro de fornecer notícias que os indivíduos anseiam saber — normalmente notícias superficiais com pouca importância para a resolução dos problemas emergentes na sociedade— em vez das notícias que os cidadãos necessitam para a sua vida cívica. A escolha do caminho sensacionalista, através de escândalos e boas manchetes, revela-se ser a melhor maneira de alimentar as necessidades económicas uma vez que a tendência dos consumidores— tendência do mercado— centrou-se em notícias desta índole, permitindo o início da proliferação de falsa informação ou informação incorreta. — (…) “Circulam gratuitamente por todo o mundo cópias piratas da ignorância, que propiciam um exemplo flagrante para a tese de que, hoje em dia, tudo o que é facultado à clientela ou é vendido em todos os mercados ou em nenhum.” (….)
    Existe, ainda, um terceiro problema relacionado com o fenómeno da globalização— caracterizado pelo início do mercado livre, auto-regulado e impulsionado pelo avanço da tecnologia. Este avanço tecnológico transformou o tempo e o espaço em algo instantâneo e simultâneo, em que já nem as distâncias têm importância, afetando a imprensa na forma de transmissão de informação: o acesso tornou-se cada vez mais imediato e abrangente, recebendo notícias ao segundo de um acontecimento que se pode passar no outro lado do mundo. Com esta facilidade de obter informação acerca de toda a vida à escala global, os indivíduos não conseguem processar tudo o que lhes é apresentado.
    Os cidadãos tornam-se, eles mesmos, num “saco-a-encher” com (des)informação, satisfazendo as vontades políticas de quem financia os orgãos de informação e as suas necessidades e caprichos económicos— uma máquina de interesses que aplica forças na dispersão do seu pensamento , mas também ajuda à sua alienação.
    Quais as consequências destes três problemas? Uma vez que no panorama atual, que poderemos classificar de calamitoso, não existe um meio de comunicação que esteja livre desta metamorfização tendenciosa, o indivíduo vê-se obrigado a agir “às cegas”, seguindo instintos primários como o medo, afastando-se do verdadeiro conhecimento político e tornando-se mais vulnerável à influência de discursos populistas, sem ter consciência da verdade acerca dos acontecimentos no mundo que o envolve.
    Desde 1975-76, anos das primeiras eleições legislativas, presidenciais e autárquicas em Portugal pós-revolução, a abstenção tem desenhado uma rota crescente. Este crescendo da abstenção coincidiu com o da multiplicação de orgãos de comunicação social— uma vez estabelecida a liberdade de imprensa — e a com a sua metamorfização nesta empresa com preocupações políticas e, acima de tudo, económicas. Segundo Pedro Marques Gomes, nestes dois anos de tensão política: (…) “As páginas dos jornais anunciavam golpes e contragolpes em preparação e boatos diversos, não raras vezes sem fontes que os sustentassem efetivamente. Era, como alguns referem, um jornalismo “revolucionário” e “militante”, no sentido em que pretendia agitar, mobilizar e, em muitos casos, fazer política.” (…) Esta necessidade de “fazer política” pelos meios errados engoliu os indivíduos dentro do início do engodo das meias verdades e das jogadas políticas, elaboradas pelos vários jornais e manipuladas por entidades exteriores que as controlam.
  2. Prestação da imprensa nas presidenciais portuguesas de 2021

Para dar início a este último ponto, ilustrativo de tudo o que temos vindo a discutir, é necessário explicar a abordagem tida pela imprensa e, em geral, pela comunicação social, para estas presidenciais de 2021. Assim sendo, a pré-campanha foi constituída em grande parte por uma enorme série de entrevistas individuais aos candidatos e de rondas de debates entre candidatos e um debate geral. Este formato, organizado pelas três principais estações televisivas, não excedia os trinta minutos de antena— com a exceção do debate geral entre todos os candidatos, que durou, aproximadamente duas horas— constituindo este o primeiro problema a salientar: a curta duração das entrevistas e debates, que nada tem de favorável para o esclarecimento aprofundado das ideias de cada candidato. Para agravar esta situação, é evidente o contraste entre estes primeiros momentos e os programas de análise, que existem em maior número e com um muito maior tempo de antena— os eleitores adquirem acesso a opiniões de terceiros acerca das ideias dos candidatos, em vez de terem acesso às suas verdadeiras palavras e explicações das suas ideias.
Não ficamos por aqui nas falhas desta ação conjunta, uma vez que, nos três momentos referidos, são poucos os elogios que se lhes possa fazer. Os debates e entrevistas dão-nos os exemplos necessários para materializar aquilo que foi o comportamento irresponsável da imprensa: desrespeito pelas regras de um bom debate; em muitos casos, abdicação da imparcialidade por parte do mediador; o sensacionalismo como dogma principal; campanha de defesa ao partido Chega.
Este primeiro comportamento pode ser demonstrado através do debate entre João Ferreira e André Ventura, um debate no pólo oposto àquele que deveria ser. Para chegar ao “bom debate” no sentido clássico, surgem regras básicas a cumprir: respeito entre participantes; formulação de argumentos não falaciosos; mediador como autoridade máxima, responsável por fazer cumprir as regras. O que sucedeu foi totalmente o oposto: nem os candidatos respeitaram as regras, nem a mediadora exerceu o seu papel, demonstrando, até, uma permissividade perante os confrontos entre ambos; este debate foi ainda caracterizado pelo uso absurdo da falácia do ad hominem, deixando-se confundir com um argumento válido.
Por sua vez, o comportamento tendencioso foi a característica primária de todos os momentos, conduzidos por um mediadores parciais, que proliferavam a sua opinião e crenças. O debate entre Marisa Matias e Marcelo Rebelo de Sousa é a materialização deste comportamento com um o mediador que atribuía, deliberadamente, uma vitória antecipada ao atual presidente e formulava as suas questões segundo essa opinião.
Por último, o comportamento sensacionalista, adotado pelas estações, é evidente nas entrevistas: Ana Gomes, na sua entrevista, foi alvo de insinuações acerca de quem apoiava (ou não) a sua candidatura; as questões feitas pelo jornalista referiam-se, unicamente a acontecimentos passados, com o intuito de questionar a sua integridade, não existindo qualquer pergunta pertinente sobre as ideias políticas para o contexto da entrevista.
O problema mais flagrante de todos foi a campanha de proteção feita em favor de André Ventura, através de questões armadilhadas que abordavam sempre tópicos da agenda política do candidato, de maneira a procurar um deslise nos outros candidatos prejudicando a sua imagem para o publico.

Conclusão

Resta-me concluir que os pontos referidos neste ensaio, ao trabalharem em conjunto, resultaram, não só, na confusão e desinformação dos eleitores, como no aumento do abismo entre eles, a democracia e o mundo— a abstenção atingiu um dos maiores valores desde 1975 mas, acima de tudo, o aumento do eleitorado que defende as políticas do partido do deputado André Ventura. Os cidadãos portugueses estão, na sua maioria, a abandonar o acto político do sufrágio- como vimos, o grande pilar da democracia- e outra grande parte do que resta, a aceitar, reconhecer e apoiar discursos de extrema direita populista, repleta de incongruências e mentiras. Enquanto detentora de uma responsabilidade acrescida para com os cidadãos, a imprensa demonstrou ser cúmplice de um sistema decidido a dar início ao fim da Democracia como a conhecemos, sendo portanto necessário um retrocesso ao pensamento sobre a imprensa na sua essência, de maneira a desenvolvê-la segundo as necessidades do contexto atual e com defesas para os problemas referidos.

Débora Ferreira Duarte

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