A cinematografia, o aparato técnico que permite aquilo a que chamamos de cinema, começou num formato completamente diferente do que aquele a que somos expostos hoje em dia. Desde então a técnica tem evoluído, assim como o estudo preparatório que é necessário para a realização de um filme. O que chega aos olhos do público num filme de grande produção passa por meses ou anos de preparação e muita história por detrás. Irei ilustrar neste texto como se realizavam os primeiros filmes, que instrumentos eram utilizados e a evolução dos mesmos, desde o século XIV até os dias de hoje. Focando-me também numa parte mais psicológica, irei abordar o efeito que o cinema produz em nós, na nossa percepção e nas nossas mentes, desde o uso dos efeitos sonoros até mesmo às especificidades das cores. 

Ao assistirmos a uma obra cinematográfica observamos imagens que nos transmitem a sensação de movimento. Esta técnica requer um estudo bastante profundo e uma prática desenvolvida, e consequentemente a produção de instrumentos que permitiam projetar imagens que geravam ilusão de ótica, pois o cinema inicialmente baseava-se no domínio fotográfico. Esta ilusão de ótica é obtida através do Fenómeno Phi: tal fenómeno foi estudado e definido nesses termos por Hugo Münsterberg, por volta de 1916, que acreditava que tudo acontecia na fase neural do processo de percepção visual. 

Existe uma história anterior, que remonta aliás à antiguidade, das técnicas ilusórias que reproduzem imagem em movimento. Abordando as da modernidade mais recente, e mais ligadas à história do cinema como a conhecemos, temos John Ayrton Paris, que inventou entre 1820 e 1825 o Traumatrópio: um utensílio constituído por duas imagens opostas que formam uma combinação. Contém um disco de papelão com uma imagem em cada lado unidas por um pedaço de fio. Quando as cordas são rapidamente torcidas entre os dedos, as imagens dos dois lados parecem completar-se, como se formassem uma só, uma imagem com movimento. Persistindo no objectivo da ilusão de ótica, Joseph Plateau criou mais tarde o Fenancitoscópio: um instrumento que cria uma ilusão de movimento baseada na persistência da imagem na retina. Avançando no tempo, para 1877, fabricou-se na França o Praxinoscópio, de Émile Reynaud. Esta máquina era um aparelho circular constituído por centenas de imagens que proporcionavam ao público poucos mínutos de filme. Os espelhos deste instrumento permitiam a sensação de relevo. Em 1888 Reynaud desenvolveu o aparelho, aumentando o tamanho da máquina. Esta evolução conseguiu atingir plateias maiores, tendo estes espetáculos o nome de ‘’teatro ótico’’. Depois da criação das máquinas já apresentadas, começou a ser mais fácil chegar ao público através desta arte. 

Traumatrópio

Fenancitoscópio

Praxinoscópio

O dia 28 de dezembro de 1895 foi um dia histórico para a cinematografia. Começou a ‘’vender-se’’ cinema. Na sala do Grand Café, os irmãos Lumieré exibiram ,por primeira vez, um filme ao público. Segundo o artigo da Dw News, foram exibidos dez filmes de aproximadamente quatro minutos, e o público não era muito numeroso. George Méliès, uma das primeiras caras da sétima arte, considerou a primeira exibição de cinema maravilhosa. Descreveu: ”Tinha algo de novo! (…) Ele deixara as imagens paradas durante um tempo, de propósito. Subitamente, notei que as pessoas mexiam-se na tela em nossa direção. Ficámos todos completamente perplexos!”

Projector dos Lumiére

Quadro do primeiro filme projectado

Todas as técnicas estudadas pelos grandes cineastas não existiriam sem o desenvolvimento científico. Foram necessárias diversas experiências e informações para obter todos os efeitos necessários, e estudou-se o corpo humano e as suas reações aos efeitos já referidos. Existe neste aspeto uma grande ligação entre o cinema e a ciência; é talvez a arte mais ligada a um aparato técnico específico, sem o qual não pode existir de todo.

De modo análogo, nada seria do cinema conforme o conhecemos hoje se não existisse a ciência da mente humana, a psicologia. Em 1879, Wilhem Wundt criou o primeiro laboratório de psicologia experimental, poucos anos depois da primeira sessão cinematográfica para o público. Desde então, a psicologia e o cinema completam-se. O final do século XX ficou marcado por esta ligação próxima entre o cinema e a ciência da mente. Dado que o cinema retrata a sociedade em que estamos inseridos, tornou-se cada vez mais não só um espelho da situação social corrente como também, de modo inverso, foi beber aos estudos psicológicos de modo a estes tomarem parte do processo de feitura de um filme.

Existe quase sempre o grande objetivo, mais ou menos explícito, por parte de quem faz obras para o público de transmitir ideais e valores. Para os atores conseguirem, através das suas personagens, entrar no subconsciente de cada um, é necessária uma preparação científica. Quem faz um filme sabe como atingir psicológica e emocionalmente o público-alvo. O psicólogo em si pode ter também um papel importante na realização de um projeto de cinema: pode ajudar na preparação do guião, pois sabe como certos modelos sociais (representados pelos atores) devem agir, o que melhora as técnicas de actuação dos mesmos. Pode ser também crítico dos filmes, pois consegue melhor do que ninguém avaliar a representação dos comportamentos humanos por parte dos realizadores e atores. 

As técnicas que compõem o cinema não se resumem à óptica: a arte, inicialmente, não continha som, pelo que dava ênfase às expressões corporais e faciais. No entanto, ao longo dos anos o som foi introduzido no cinema, pelo que hoje a grande maioria das obras de cineastas que assistimos são audiovisuais, sendo indestrinçável aquela que é a essência sonora e a essência visual numa obra de cinema: o audiovisual combina a comunicação que o som e a imagem fornecem, como um todo. O som num filme pode estar em diálogos, musica, efeitos sonoros, etc.: todos estes têm um efeito psicológico, ajudando ao exposto na imagem. Quanto mais realista o som é, mais facilmente produz uma emoção forte no público; e acordes maiores produzem emoções mais felizes, acordes menores produzem emoções melancólicas e nostálgicas. As emoções dependem do ritmo e da melodia, tudo isto é tido em conta quando se realiza um filme e a combinação do som com a imagem, principalmente na indústria altamente desenvolvida que é hoje o cinema. Esta combinação também ajuda ao filme a ser visto de uma forma mais realista: por exemplo se vemos uma personagem a gritar, a abrir boca dessa forma, o som tem de ser alto e não meramente um susurro. É a reprodução de frequency effects (LFE) que torna o som mais realista, devido aos seus impactos físicos. Apesar de já existirem numerosas obras que ficaram para sempre ligadas à sétima arte, foi em 1927 que estreou o primeiro filme falado, ‘’The Jazz Singer’’ , realizado por Alan Crosland, que é, apesar de qualitativamente não muito importante, um importante marco histórico no cinema.

Estreia de The Jazz Singer

Hal Roach looks on as technicians install Vitaphone equipment in his studio screening room, ca. 1928.

English Professor Low, demonstrating his Audiometer, which synchronises moving film with sound, an ingenious invention during early Talkies years.

Voltando concretamente à arte da fotografia em que se baseia o cinema, não é só através da ténica das câmaras e das luzes que se faz cinema. Existe ciência na escolha das cores dos filmes para expressar emoções, ou situações, variando de contexto a contexto. Por exemplo, no filme “O Sexto Sentido”, M. Night Shyamalan usa o vermelho para representar, medo. Já no filme ‘’Pleasantville’’ o vermelho é usado para transmitir sensualidade e amor. 

Fotograma de The Sixth Sense

Fotograma de The Sixth Sense

Fotograma de Pleasantville

Tentei mostrar com este breve resumo a técnica que existe para além das câmaras na arte do cinema. Como já referi, quase tudo o que se faz nesta arte tem como base estudos científicos, não apenas sobre a percepção da imagem e do som, mas também estudos psicológicos sobre os impactos dessas percepções na mente. Sem a ciência não iria existir cinema, e consequentemente o cinema e o registo das reações dos seus visionamentos também contribuiu para estudos científicos/psicológicos. A arte de criar um filme, a sensação de movimento e de vida no grande ecrã, um projeto audiovisual que mantenha a suspension of disbelief requerem um trabalho e dedicação persistentes e contínuos para o público usufruir de aproximadamente duas horas de conteúdo artístico. A evolução da ciência ajudará sempre à evolução do cinema. 

Referências

1895: Primeira sessão pública de cinema | DW | 28.12.2018

O som e o audiovisual: https://www.ipv.pt/forumedia/3/3_fi6.htm

Psicologia e cinema: o que têm em comum? – A mente é maravilhosa: https://amenteemaravilhosa.com.br/psicologia-e-cinema-tem-em-comum/


The Psychology of Color in Film (with examples)

https://nofilmschool.com/2016/06/watch-psychology-color-film

https://www.prints-online.com/talking-movie-equipment-590792.html

A Resounding 25 Years of Reviving Early Film

https://web.archive.org/web/20230130174331if_/http://www.movingimagearchivenews.org/a-resounding-25-years-of-reviving-early-film/embed/#?secret=fdua9WB8dH

https://www.altfg.com/film/history-sound-film/

http://theantiquesalmanac.com/lightscameralumiere.htm