A utilização interna do Castelo, com provas históricas no Reino de Portugal

“[…] Lembremos o Castelo de Lamego, em cujo pátio de armas se realizava uma feira anual, documentada a partir de finais da centúria de Duzentos e onde acorria gente proveniente de diversas zonas do Reino, carregada com os mais variados bens e produtos. Mas quando falamos  desta componente civil, lembramo-nos, sobretudo, das estruturas que não tinham uma função ou um propósito puramente militar, tais como os edifícios que encontramos frequentemente adossados à face interna das muralhas dos Castelos e distribuídos em redor dos seus pátios de  armas. Ainda que alguns não passassem de simples “cabanas” – como a que em 1258 existia no Castelo de Pena da Rainha – trata-se maioritariamente de edifícios, ou conjuntos de edifícios, com dimensões consideráveis, dotados de várias divisões e que as fontes documentais  designam habitualmente, de forma vaga, como “casas”. Veja-se, por exemplo, a referência às “casas” que, em meados do séc. XIII, existiam no interior do Castelo de Guimarães e que as populações das localidades próximas eram obrigadas a limpar; ou as que se encontram no  Castelo de Neiva, em 1258, e que eram periodicamente cobertas com feixes de giesta fornecidos pelos moradores da povoação vizinha de S. Paio de Antas. [Segundo Duarte d’Armas]: em Olivença, por exemplo, registam-se 12 compartimentos térreis e sete nos sobrados – isto é, no  segundo piso -, totalizando 19 divisões; em Serpa são assinalados 13 aposentos ao nível do solo, mas apenas dois sobrados; em Moura, o número de divisões térreas ascendia a uma vintena, a que se somavam outras 17 nos pisos superiores, num total de 37; ao passo que em Castro  Marim a fonte regista 13 compartimentos no piso inferior, acrescidos de, pelo menos, outros dois, no piso superior, num total de 15, uma informação que, em boa medida, vem ao encontro de um documento datado de 1347 onde são referidas diversas casas no interior desse Castelo  Algarvio. Porém, há uma dúvida para a qual nem o escudeiro de D. Manuel I nem as restantes fontes fornecem qualquer resposta: para que serviam afinal todos estes edifícios e aposentos? Apesar do silêncio da documentação, é fácil imaginar que, pelo menos alguns deles,  alojariam estruturas de apoio à atividade militar, nomeadamente arsenais, mas também oficinas de armeiros e de ferreiros e ainda armazéns de géneros, essenciais não só para o dia-a-dia da Fortaleza, mas acima de tudo para as alturas de maior tensão militar, em particular  para os períodos de cerco. Podem também tratar-se de fornos de pão, como o que existia no Castelo de Guimarães, em 1289, de adegas, celeiros e palheiros como os que se encontravam atestados, entre muitos outros, nos Castelos de Lamego, Sesimbra e Mértola. Noutros locais,  essas divisões podem ter sido usadas como estrebarias e cavalariças, por vezes com capacidade para um número razoável de animais mas às quais nem sempre era dada a utilização devida, como bem o demonstra uma queixa apresentada ao Rei contra o Alcaide-mor de Castelo de Vide,  que em 1350 as usava para guardar o gado perdido e apreendido na região circundante. Aqueles “aposentamentos” podiam ainda ser utilizados como prisão, outro elemento comum a um grande número de Castelos e, por isso, várias vezes mencionado nas fontes. Encontramo-las  documentadas, por exemplo, nos Castelos de Coimbra – onde em 1247 se encontrava preso o pintor Vicente Martins -; Guimarães; Lamego; e também em Évora, onde estiveram detidos Gonçalo Vasques de Azevedo e o Mestre de Avis, D. João, em finais de 1381 ou já nos inícios do ano  seguinte. Duarte d’Armas assinala-as também em Terena e em Miranda do Douro, ocupando precisamente alguns dos tais “aposentamentos” a que nos temos vindo a referir. Contudo, o mais comum era as prisões encontrarem-se instaladas em torres, de onde supostamente seria mais  difícil escapar. Assim acontecia, por exemplo, em Mourão, Monsaraz, Castelo Branco e Montalegre, novamento segundo o “Livro das Fortalezas”, mas também nos Castelos de Olivença e de Leiria, Fortaleza cuja cadeia ocupava – desde o séc. XIV – um dos pisos da sua imponente  torre de menagem. […] Por vezes, uma ou outra das muitas dependências e compartimentos dispostos em redor dos pátios de armas dos Castelos podia também servir para a instalação de um pequeno local de culto, como se observa pelos desenhos e plantas meticulosamente  elaboradas por Duarte d’Armas, que registam a existência de Capelas em Mourão, Monsaraz, Monforte e, talvez, – a fonte não é clara a esse respeito – em Castro Marim. Casos há em que foram mesmo erguidas Igrejas no interior desses espaços fortificados, algumas até bastante  imponentes e de dimensões generosas, como as de Juromenha, de Ouguela ou de Castelo Branco. E certamente não seriam as únicas, como se percebe por uma referência das Inquirições de 1258, onde se faz menção ao facto de, em caso de guerra, designadamente em situações de cerco, o pároco da Freguesia de S. Salvador, na Terra de Aguiar da Pena, ter a obrigação de se refugiar no Castelo de Aguiar, onde era esperado que continuasse a oficiar os serviços Religiosos. Em alguns Castelos, mormente naqueles que apresentavam estruturas mais resistentes e em  bom estado de conservação – oferecendo, por isso, melhores garantias de segurança -, existiam também locais próprios para guardar riquezas. O segundo testamento de D. Sancho I, datado de Outubro de 1210, refere a distribuição do tesouro régio pelas torres dos Castelos de  Coimbra, Leiria, Alcobaça, Tomar, Évora e Belver. Também o de Santarém terá sido usado – pelo menos durante o Reinado de D. Pedro I – para esse efeito, tal como o de Almodôvar, onde se encontraria bastante ouro e prata guardada, precisamente numa das suas torres. A Torre  Albarrã do Castelo de Lisboa, servia o mesmo propósito, pelo menos desde 1300, tendo mesmo sido edificada, segundo Fernão Lopes, com esse objetivo, motivo pelo qual era conhecida como “Torre do Haver”. Terá sido precisamente a segurança conferida por esta Torre do Castelo  Lisboeta – cuja porta era cerrada com três fechaduras -, que levou a que fosse considerada a mais adequada para instalar o Arquivo da Coroa, o que veio a acontecer, entre 1352 e 1378. Em virtude dessa nova funcionalidade, passou então a ser conhecida como “Torre do Tombo”,  ou seja, o local onde se guardavam os vários volumes de documentos considerados de maior importância, nomeadamente os Livros de Registos de Chancelaria e os Tombos de Propriedades Régias”.

 – “Guerreiros de Pedra”, de Miguel Gomes Martins.