“We enjoy mixing up cocktails and an hors d’oeuvre or two, putting a little mood music on the phonograph and inviting in a female acquaintance for a quiet discussion on Picasso, Nietzsche, jazz, sex.”
Hugh Hefner, numa descrição editorial da publicação Playboy, aquando da sua inauguração, em 1953.
Pouco conhecida em Portugal sob esta vertente, a revista Playboy — parte da tradição de “revistas para adultos” em que, parcialmente, também temos a honra e o gosto de pensar que nos integramos — representou uma revolução cultural não só pela exposição do erotismo mas pelo espírito libertário e progressista de expressão e de pensamento que orientou a sua linha editorial, tanto nos conteúdos e tópicos apresentados como, em particular, nas entrevistas que realizava, para a época bastante inovadoras em termos de tópicos e de estilo.
Muitos orgãos de comunicação (como, por exemplo, a mais tardia Rolling Stone), igualmente inclinados para o vanguardismo social e para gerações mais culturalmente progressistas que as anteriores, confessaram a sua inspiração na revolução de conteúdos e de tom operada pelo registo das entrevistas da famosa publicação do coelhinho. É a esse tom desempoeirado, intelectualmente ousado e curioso, rejeitando tabus vigentes mas mantendo elegância e densidade intelectual, que queremos deixar hoje aqui homenagem, através de um pouco de história e de exemplos anedóticos.
Hugh Hefner, o fundador da famosa revista, projectou, no início dos anos sessenta, uma pequena secção de entrevistas, de uma modernidade inédita para a época, inspirando-se inicialmente na conversa entre um jornalista freelance, Alex Haley, e o lendário músico de jazz Miles Davis. Notando que a entrevista não versava só, de modo ortodoxo, sobre a profissão e a actividade do músico, mas também sobre temas da sociedade e as mudanças culturais em curso nessa década agitada, Hefner apoderou-se dessa área de negócio inexplorada, inaugurando um novo estilo de entrevista aberta, sem previsão de tópicos, grandemente variada no rumo da conversa, em total contraste com a tradição do jornalismo na altura. O que poderia ser visto pela ética conservadora da profissão como infringindo as normas e os cânones acabou, porém, por se revelar um enorme serviço ao jornalismo em si, que Hefner respeitava, e que ajudou a transformar toda a indústria. Apesar do rumo livre e aberto das conversas, estas eram precedidas por volumosa e imprescindível pesquisa sobre os entrevistados. Não era nenhuma brincadeira.
Líderes civis como Martin Luther King, Malcom X e Jimmy Hoffa, assim como titãs políticos como Fidel Castro e Jimmy Carter acederem a ser entrevistados, assim como desportistas prolixos como Muhammad Ali — naturalmente — John Lennon e Yoko Ono, o romancista Vladimir Nabokov, o pioneiro dos psicadelicos Timothy Leary, a princesa Grace Kelly, o escritor Jean Genet, os cineastas Ingmar Bergman e Stanley Kubrick, o artista Salvador Dali, os Beatles, a cantora Dolly Parton e o radical político Saul Alinsky.
Podemos encontrar também, nesse ambiente de candura e frontalidade, igualmente expressões de progressismo como de conservadorismo extremo, como em Sean Connery, afirmando candidamente que era justo ocasionalmente bater numa mulher quando isso se justificasse, e John Wayne explicando sem rodeios que o direito ao voto da raça negra era algo muito questionável, pelo menos até os mesmos serem devidamente civilizados, e Marlon Brando explicando que as coisas que mais achava repugnantes no mundo seriam “o interrior da boca de um camelo” e “uma mulher a comer lulas”. Curiosamente estas declarações pertencem a um tempo prévio à “cultura do cancelamento”, pois tais profissionais continuaram a trabalhar livremente, sem escândalo de maior. Mais tardiamente, o cantor John Mayer descreveu o seu orgão sexual como “supremacista branco” e Gary Oldman partiu a loiça toda na denúncia da cultura do politicamente correcto. Outros exemplos podem ser encontrados aqui.
Em baixo, como prometido, algumas das páginas originais dessas entrevistas.