Crítica: Limites da Ciência, Jorge Calado, FFMS, 2021

«Limites da Ciência» de Jorge Calado, FFMS, 2021 [2ª edição], 220 p., ISBN 978-989-9064-27-0. Por José Braga.

A Fundação Francisco Manuel dos Santos procura estudar a sociedade portuguesa, contribuindo para debater questões que a afetam. Tem-se distinguido nas áreas da Ciência e educação apoiando a publicação de ensaios e estudos sobre os temas. Foi este o contexto da publicação deste trabalho, cuja segunda edição vem confirmar o espaço existente para a temática no mercado editorial nacional. Este livro foi revisto e acrescido de um posfácio sobre a pandemia COVID-19 que nos afetou a todos.

Além do posfácio e prefácio, onde são expostos a origem e pontos de partida para esta reflexão, a obra está organizada em quatro capítulos (30 secções), «Carácter da Ciência», «Crises na Ciência», «Ciência e Capital» e «Catástrofe», possuindo um útil índice onomástico e bibliografia com obras de referência sobre os temas tratados. O aparelho iconográfico ilustra questões abordadas, demonstrando o ponto de vista exposto da proximidade entre arte e Ciência.

A Ciência nasceu da curiosidade humana e da observação da natureza. Iniciou-se com a finalidade de compreender o funcionamento desta. Surge quando o conhecimento é validado através da experiência, usando um processo de exclusão e rejeição para atingir uma conclusão. Deve-se conseguir prever o que vai acontecer, quando e como, tendo por base a Matemática.

Destas caraterísticas surgem limites internos da Ciência, os seus dogmas: axiomas, leis, regras e teoremas. Existem ainda limites provisórios, impostos pelas técnicas disponíveis. São assim alargados com o desenvolvimento da própria Ciência e tecnologia. A marcha destas é imprevisível existindo um espaço para o acaso, a serendipidade, como a mais célebre descoberta de Alexander Fleming (1881-1955), a penicilina, mas também o nylon, teflon ou velcro. Outra fronteira científica é a língua e linguagem, que permite a reprodução das experiências. Se o cientista não comunica, o seu trabalho não existe. As ideias devem ser claras e serem transmitidas de forma correta e apelativa não apenas entre pares, mas igualmente com os leigos, permitindo a discussão, divulgação e apropriação das ideias.

A fragmentação e recombinação das disciplinas cria especialização, mas também leva a um acerto de afinidades e convergência disciplinar. A tradição científica sempre apontou no sentido da junção de saberes, sendo fundamental na investigação de problemas complexos o trabalho em equipa com contribuições de várias disciplinas. A cultura abrangente permite pontes e vocabulário comum no trabalho interdisciplinar, mas também facilita a atualização na própria área de conhecimentos e as relações humanas, daí que Abel Salazar (1889-1946) defendesse que «O médico que só sabe medicina nem medicina sabe».

Os limites éticos do empreendimento científico são exemplificados através da história de alguns cientistas notáveis, caso de Fritz Haber (1868-1934) que num contexto de nacionalismos exacerbados assinou o manifesto «Pela Civilização» (1914), em que o militarismo alemão era encarado como salvador da cultura do país, e esposa, Clara Immerwahr (1870-1915) e do seu trágico final. Sublinha-se como a Guerra forjou a aliança entre Ciência, indústria e militares, mas o dever do cientista é refletir sobre as consequências da sua investigação e tornar públicos os perigos inerentes, como nas Conferências Pugwash.

Início e fim da vida humana, modificações genéticas e clonagem são também questões científicas que põem em questão os limites éticos da Ciência. Por vezes, o progresso científico é tão rápido que a consciência ética não reage atempadamente, sendo fundamental o debate continuado, supranacional, promovido pela Comissão Mundial para a Ética do Conhecimento Científico e Técnico da UNESCO.

A Ciência também pode chocar com convicções ideológicas ou religiosas, caso da oposição Criacionismo/Evolucionismo, muito acesa nos Estados Unidos da América. A censura pode atrasar os perigos, mas também prejudicar as benesses da Ciência, colocando a questão da relação da Ciência com a liberdade, florescendo aquela quando esta é cultivada.

O mau comportamento científico, fabricação de dados, falsificação ou plágio pela pressão para publicar, ambição de fama e fortuna ou necessidade de captação de financiamento são outros limites da Ciência abordados no livro. O facto de a causa para a retração de artigos ser em 43% devida a fraude e só 21 % devida a erros ou omissões coloca as questões éticas noutra perspetiva.

A ciência por projeto trouxe mais dinheiro e competição ao meio científico, passando a ser gerida por objetivos: surge uma marginalização da investigação realizada por mera curiosidade, que inclui boa parte da investigação fundamental, afetando a criatividade. Há uma urgência em produzir resultados e surge burocracia ligada à gestão do projeto, mas ganha-se em eficiência o que é indispensável nos tempos coevos e nos sectores militar e da saúde.

O uso da Ciência cria abusos dos que usam e sofrem dos seus resultados. Dá também visibilidade aos seus limites. As grandes catástrofes de origem antrópica de Bhopal, na Índia (1984), o maior desastre industrial de sempre; Chernobyl, no território da atual Ucrânia (1989), mas também as zoonoses, o tratamento ou armazenagem de lixos radioativos, o bioterrorismo, o impacto dos nanomateriais ou a inteligência artificial colocam à Ciência desafios novos na medida em que se esta está na sua origem, também tem um papel na resolução dos problemas que se levantam.

Com efeito, a Ciência não é boa nem má, dependendo de circunstâncias várias e da responsabilidade dos decisores as suas aplicações. Os perigos ligados à Ciência só podem ser moderados por uma sociedade com cultura científica e valores éticos. Valores que levem as pessoas comuns a pensar e a agir de modo sensato. Para isso é fundamental uma educação assente na transmissão daquilo que é o melhor da Humanidade a nível cultural, artístico, científico e literário, valorizando a ética e fomentando o espírito crítico.

Livro que apresenta e debate temas prementes e atuais, casa bem Ciência e Arte, surgindo como uma introdução a temas complexos de autoria portuguesa, resultando da experiência letiva e reflexões do químico e crítico cultural Jorge Calado, que regeu no Instituto Superior Técnico uma cadeira sobre estas questões. Não deve passar despercebido a quem se interessa pela Ciência.