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E se os Centros Comerciais não Imitassem a Cidade, mas a Construíssem?

E se, em vez de os centros comerciais continuarem a imitar a cidade, a começassem a construir?: sobre o futuro do consumo, dos centros comerciais e das cidades em Portugal e na Europa. Miguel Silva Graça, Investigador Integrado, Centro de Investigação do Território, Transportes e Ambiente – Universidade de Coimbra (CITTA-UC). Palavras chave: centros comerciais; entretenimento; serviços básicos; hiperproximidade; Portugal; Europa. Revisão de Sílvia Pereira Diogo.

Introdução

Se podemos definir um centro comercial como um local onde encontramos tudo o que procuramos, de entre uma ampla gama de marcas, produtos e serviços, tal definição também se poderia facilmente adequar a qualquer uma das grandes plataformas de vendas ou de distribuição online de hoje.

Esta mudança nos hábitos de consumo da última década — materializada num crescimento das vendas online a nível mundial de 15% ao ano entre 2010 e 2019, por oposição a apenas 4% ao ano em contexto de loja física, e no crescimento da quota de mercado das vendas online atualmente nos 16% e que se prevê aumentar para cerca de 25% até 2025 — em conjunto com o encerramento ou a diminuição de construção de novos centros comerciais, é um fenómeno global do qual a Europa, e Portugal, não são exceção.

Esta conjuntura agravou-se com a pandemia da Covid-19, que provocou não só o encerramento temporário como também o cancelamento de projetos em pipeline para 2020 e 2021, estimando-se — antes do início da crise pandémica — uma redução de 18% em novos projetos em toda a Europa e um adiamento de 8% das inaugurações programadas, ainda que tenham sido construídos em 2019, na Europa, mais de 168 milhões de metros quadrados de área bruta locável.

E será que num mundo onde agora podemos comprar o que quisermos a partir de um smartphone ainda há necessidade de ir ao shopping center?

Perante a eventualidade da sua própria obsolescência, a resposta do sector retalhista foi oferecer algo que não pudesse simplesmente ser mediado por um ecrã. Parques de diversões, parques aquáticos, pistas de ski cobertas, salas de concerto, galerias de arte, eventos ao ar livre, experiências de realidade virtual ou lojas pop-up são cada vez mais comuns e têm como objetivo, mais do que atrair as pessoas, permitir que estas descubram algo novo em cada visita.

Em paralelo, a tendência é também uma crescente presença de serviços de cariz utilitário como bancos, clínicas médicas, lavandarias, cabeleireiros, dentistas, centros de saúde e beleza ou ginásios. Ao mesmo tempo, começam a surgir cada vez mais exemplos de usos mistos que acumulam a vertente retalhista com residências, hotéis, escritórios e espaços de co-working.

O que falta então ao centro comercial para ser cidade, quando já é possível morar, trabalhar, fazer compras, comer e passear neste?

Talvez muito pouco, porque em muitos centros comerciais, tal como na maior parte das cidades europeias, e portuguesas também, se enterram parques de estacionamento para substituir por lagos e jardins, se colocam estacionamentos para bicicletas e se constroem ciclovias de acesso, se coloca a ênfase na sustentabilidade e no combate às alterações climáticas, ou se constroem parques infantis, bibliotecas públicas e museus. Em que difere, na realidade, o alcance deste conceito da “cidade de 15 minutos” que defende a hiperproximidade e o acesso a serviços básicos, comércio, trabalho e lazer a uma distância de 15 minutos a pé do lugar onde se mora?

O objectivo desta comunicação será assim não só demonstrar a evidência de uma tendência crescente de associação de experiências baseadas em entretenimento, de oferta crescente de serviços e de preocupações de sustentabilidade ambiental — que apesar de suspensa, ressurgirá em força num mundo pós-covid — mas, acima de tudo, um alinhamento entre as actuais tendências de desenho dos espaços “públicos” dos shoppings e dos ambientes urbanos europeus, em que os centros comerciais, mais do que continuarem a imitar a cidade, a começam já a construir.

  1. Sobre os centros comerciais

Os centros comerciais são hoje, indiscutivelmente, um elemento marcante da paisagem urbana, assim como uma das mais visíveis manifestações da actual sociedade de consumo. Presentes nos centros e nas periferias, das maiores às mais pequenas cidades europeias, estas fórmulas comerciais representam tendencialmente um lugar incontornável da actividade do consumo para a maior parte dos seus utilizadores urbanos, e por conseguinte cada vez mais um dos lugares-chave do seu quotidiano.

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Figura 1. Vivaci Guarda (2008), Guarda, Portugal (Fonte: https://www.promdesign.studio/projects/vivaci-guarda/)

E, se o centro comercial se pode definir, tecnicamente, como um conjunto de estabelecimentos comerciais, planeado, promovido e gerido de forma unificada; e, ainda, se na génese do centro comercial, enquanto fórmula retalhista, se encontra indubitavelmente subjacente uma intenção de concentração comercial, com vista à maximização do lucro, porém, hoje, estes não são apenas espaços destinados ao consumo.

Condensando elevados fluxos de visitantes e fortes níveis de intensidade de uso, os centros comerciais são também tendencialmente lugares de passeio, de ócio e de lazer. Até porque visitar um centro comercial não é apenas comprar, mas aceder a algo mais. Cumulativamente a uma oferta concentrada de lojas e serviços, marcam, cada vez mais, presença nestes formatos um conjunto de novas valências lúdicas, recreativas e culturais, com um objectivo bastante claro: criar espaços amigáveis e convidativos à permanência e ao consumo. Nos ambientes cenográficos e oníricos das “ruas” e “praças” do shopping — como nas da cidade histórica, densa e compacta — vagueia-se, come-se, bebe-se, descansa-se e consome-se símbolos e mercadorias. E, por conseguinte, visitá-lo é também ir ao center.

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Figura 2. Via Catarina (1996), Porto, Portugal (Fonte: https://www.viacatarina.pt/lifestyle/articles/viacatarina-o-tesouro-escondido-da-cidade-do-porto/)

E se a muitos destes “centros” pouco mais falta do que a componente residencial para que sejam totalmente habitáveis, a procura, por parte dos seus utilizadores, de experiências simuladas em substituição de outras vivências urbanas, será também, em si, reflexo de um progressivo esbater dos domínios públicos e privados da própria cidade; assim como espelho de uma crise de identidade da própria condição urbana que se reproduz, ela mesma, num modelo de espaço público em que se afirma uma procura de uma certa assepsia física e social, mimetizando a própria condição dos espaços controlados e limpos dos centros comerciais.

Tomando os mais distintos formatos — das grandes às pequenas dimensões, dos espaços encerrados aos projectos a céu aberto ou associados a usos mistos ou ofertas de ócio e lazer —, os centros comerciais, tanto na sua variedade formal, como na sua diversidade tipológica e programática, reflectirão assim hoje a globalidade de todas estas problemáticas.

E por consistirem, precisamente, em corpos híbridos onde se reúne um palimpsesto de ofertas, funções e actividades, apresentar-se-ão, na sua essência, como objectos heterodoxos e contraditórios. Lugares de negócio, mas também de ócio. Abertos ao uso, mas fechados sobre si mesmo. Públicos nos seus hábitos, mas privados na sua dominialidade. Focalizados nas experiências individuais de consumo dos seus utilizadores, mas dirigidos a públicos e volumes de distribuição massivos. Amplos na sua abrangência geográfica, mas pormenorizados no detalhe da sua escala. Generalistas nas suas temáticas, mas representativos para o imaginário de cada utilizador. Em suma, cumulativamente, sofisticados objectos edificados e afinados simulacros miniaturizados de cidade, que progressivamente ocupam um lugar cada vez mais destacado dos quotidianos e das paisagens.

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Figura 3. Centro Colombo (1997), Lisboa, Portugal (Fonte: https://res.se/reseguide/lissabon/shopping/centro-colombo)

Desta forma, este ensaio não é apenas sobre centros comerciais. É também uma discussão sobre os novos conceitos de urbanidade que se constroem na cidade contemporânea, onde o consumo vai progressivamente ganhando uma importância crescente na sua reorganização territorial, e os centros comerciais se assumem como um ponto-chave neste processo, por representarem uma possibilidade de centralidade numa cidade que, mais do que compacta, é hoje extensiva e difusa territorialmente.

  1. Sobre o futuro do consumo e das cidades

A Europa tem nas tipologias do centros comerciais um dos seus mais bem sucedidos exemplos de dinâmicas polarizadoras e potenciadoras de usos colectivos. Basta observar como se encontram repletas as suas ruas e praças cobertas, existam ou não pandemias, crises ou guerras. E se esta é, sem dúvida, uma prova de que hoje o centro comercial desempenha uma função fundamental na dinâmica urbana dos seus actores, a razão deste êxito não se encontra apenas na eficácia da forma como este serve para expor grandes quantidades de bens, mediando a relação entre o consumidor e a comodidade específica a que este quer aceder, reduzindo aparentemente o tempo que este necessitaria para o fazer.

Para além de ser o lugar privilegiado da satisfação do desejo do consumo, o que caracteriza então um centro comercial? Se distintamente, a compra de produtos ou a prestação de serviços são as suas actividades-chave, contudo essa não será uma característica diferenciadora do restante tecido comercial urbano tradicional. O que distinguirá o centro comercial será a sua oferta concentrada de uma vasta gama de comodidades e facilidades associadas ao próprio acto do consumo.

No centro comercial, de uma forma geral, ligado à sua rede de lojas existe sempre um primeiro nível de serviços e equipamentos infra-estruturais que pode ir dos sanitários adaptados a pessoas de mobilidade reduzida, fraldários, multibancos, áreas de fumadores, telefones, primeiros-socorros e estacionamento, até ofertas mais especializadas como cacifos, farmácias, correios, lavagem de carros, internet sem fios, empréstimo de cadeiras de rodas, carrinhos de bebé ou mesmo de pulseiras electrónicas de segurança para crianças.

Na maior parte dos casos, encontramos ainda, associado aos seus espaços comuns e de circulação, um segundo nível de ofertas acessórias de ócio e lazer, como áreas de restauração, zonas de convívio e de descanso, arranjos paisagísticos naturais ou artificiais, parques de diversão para crianças, solários, ginásios, health-clubs ou mesmo instalações desportivas.

Por vezes, encontramos ainda, a um terceiro nível, um conjunto de ofertas ligadas à esfera cultural, onde, para além dos cinemas, surgem hoje novas funcionalidades e fenómenos, outrora alheias aos locais de consumo, como filiais de museus, livrarias, galerias de arte, ou mesmo exposições de carácter diverso, feiras de alfarrabismo e antiguidades, workshops de expressão plástica, aulas de cozinha e provas de vinho, desfiles de moda ou espectáculos de música e dança.

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Figura 4. Westfield Les 4 Temps (1981), Paris, France (Fonte: https://www.urw.com/en/press/press-news/2019/westfield-goes-global-taking-retail-to-a-new-level)

Mais recentemente, sentimos inclusivamente a afirmação de um quarto e último nível de oferta na área dos serviços ao cidadão. Começamos a encontrar pontos de informação e divulgação municipais e governamentais — onde é já possível, para além de obter esclarecimentos, efectuar pedidos de documentos ou celebração e alteração de contratos —; reparamos como nas suas praças e ruas se desenvolvem campanhas de divulgação e sensibilização — das questões ambientais às de saúde pública, dos hábitos de leitura à protecção civil —; assistimos, inclusivamente, abertura de postos de atendimento temporários para preenchimento e entrega de declarações de contribuições e impostos. Estas novas introduções, são, incontestavelmente, a prova de uma clara mudança de perspectiva. Será que no futuro encontraremos na Europa as mesas de voto para as eleições dos seus representantes locais, regionais e nacionais nas praças dos seus centros comerciais?

Ao comparar a densidade de equipamentos e serviços existentes nestes espaços comerciais com aqueles oferecidos pela rede de espaços públicos tradicional, compreendemos, talvez, uma das razões pelas quais estes espaços obtém um tão grande nível de aceitação por parte do público. A razão principal não se prende com o facto de a oferta de produtos ou serviços ser superior nestas tipologias comerciais às das malhas urbanas consolidadas da cidade compacta. A questão é a intensidade.

Como se de uma cidade depurada e destilada se tratasse, o centro comercial concentra, num espaço delimitado, apenas e nada mais do que o necessário e suficiente à realização da arte ilusória da escolha.

Intensidade e variedade comercial acompanhadas de uma ampla gama de comodidades serão, no fundo, os denominadores comuns destes espaços onde a busca da evasão e da diversão se faz através da via redentora do consumo.

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Figura 5. UBBO (2009), Amadora, Portugal (Fonte: https://ubbo.pt/noticias/)

Inúmeros artifícios serão usados com o intuito de prolongar a visita dos seus utilizadores em termos temporais e espaciais: colocação de número limitado de portas de entrada, sempre bastante visíveis quando penetramos no espaço a partir do exterior, mas o mais discretas possíveis quando percepcionadas a partir do seu interior; disposição cuidada de escadas rolantes e elevadores, em pontos que obriguem à maior extensão possível do percurso; desenho de um espaço em que a amplitude de visibilidade seja a máxima possível, eliminando montras em ângulos rectos e privilegiando ângulos obtusos que permitem visionar uma maior superfície de montra de um único ponto de observação, potenciando assim o contacto com um maior número de lojas, induzindo os utilizadores a ver, tocar, manejar, experimentar e desejar os produtos; localização de fontes, bancos, sofás ou outros espaços de estar, com vista a criar espaços de descanso, de descompressão, e de contemplação de átrios dramáticos de múltiplos níveis e cenários escultóricos e proto-arranjos paisagísticos; completa ausência de relógios; iluminação abundante, zenital e de intensidade constante, sugestionando um ambiente contínuo de luz solar, ou seja, um local onde é sempre meio-dia da abertura ao fecho do centro comercial; uso privilegiado de iluminação natural, complementada ou em alternativa substituída por artificial que a mimetize o mais fielmente possível; manutenção de ambientes climatizados e protegidos dos imprevistos meteorológicos, onde a temperatura é sempre de 23º, em todas as alturas do ano, aliás desde 1956, em que foi inaugurada a primeira praça coberta do Southdale Shopping Center, que parodoxalmente se chamava “Garden Court of Perpetual Spring”; produção de espaços insonorizados do exterior e frequentemente enriquecidos por melodias suaves e ininterruptas de musak ambiente .

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Figura 6. Santa Fe Mall (2010), Medellín, Colômbia (Fonte: https://www.mjsailing.com/santa-fe-mall/

O objectivo de todas estas estratégias será por demais evidente: proporcionar um “admirável mundo novo”, o mais favorável possível à experiência do consumo, e que envolva os seus utilizadores numa atmosfera simultaneamente suave, alienante e embriagante.

Pontuando a “cidade genérica” que se estende de forma difusa pelo território, vemos como os centros comerciais traçam novas centralidades e lugares-chave. As vivências citadinas podem agora ser reinventadas em muito mais confortáveis simulações controladas e protegidas de urbanidade. A imprevisível dinâmica da praça urbana pode ser substituída pelo metódico arranjo da praça coberta; a identidade do café do bairro pelo sempre familiar Starbucks; a tortuosa rua sujeita à intempérie pelo asséptico e bem iluminado corredor; o ruído urbano pela suave e compassada melodia; e o ritmo frenético da cidade por um espaço-tempo onde os relógios não existem.

Novas tendências: comércio online, hiperproximidade e urbanomimetismo

Em geral, um pouco por toda a Europa, desde o seu surgimento nos anos 1970 e até finais da década de 2000, a tendência geral seria de crescimento em número e somatório de área bruta locável de centros comerciais, começando porém a sentir-se um ritmo de aberturas mais moderado à medida que se aproximava o final desta década. Concretamente, é a partir de 2009 que assistiríamos a um desaceleramento significativo desta taxa de crescimento em todo o continente europeu, ainda que se possa observar, após esta data, um aumento do total de área bruta locável europeia — consequência não só de novos investimentos neste sector de retalho, mas também decorrente da abertura de projetos em pipeline, iniciados antes do início da década e inaugurados nos últimos anos — atingindo, no final de 2010, um somatório de mais de 128 milhões de metros quadrados, e em 2019 um total de área bruta locável de mais de 168 milhões de metros quadrados.

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Figura 7. Shopping Center Development Report: Europe, Cushman & Wakefield, 2020

(Fonte: https://www.cushmanwakefield.com.ua/en/european-shopping-centres-development-2019)

Mas se podemos definir um centro comercial como um local onde podemos encontrar tudo o que procuramos, de entre uma ampla gama de marcas, produtos e serviços, tal definição também se poderia facilmente adequar a qualquer uma das grandes plataformas de vendas ou de distribuição online de hoje.

Esta mudança nos hábitos de consumo da última década — materializada num crescimento das vendas online a nível mundial de 15% ao ano entre 2010 e 2019, por oposição a apenas 4% ao ano em contexto de loja física, e no crescimento da quota de mercado das vendas online atualmente nos 16 % e que se prevê aumentar para cerca de 25% até 2025 —, em conjunto com o encerramento ou a diminuição de construção de novos centros comerciais, é um fenómeno global do qual a Europa, e Portugal, não são exceção.

Conjuntura que se agravaria com a pandemia da Covid-19, que provocou não só o encerramento temporário como o cancelamento de projetos em pipeline para 2020 e 2021, estimando-se — antes do início da crise pandémica — uma redução de 18% em novos projetos em toda a Europa e um adiamento de 8% das inaugurações programadas, ainda que tenham sido construídos em 2019, na Europa, cerca de 80 milhões de metros quadrados de área bruta locável.

Já em Portugal, desde o aparecimento dos primeiros exemplos, no início da década de 1970, até ao final da primeira década de afirmação deste fenómeno, surgiriam, primeiramente, 48 destas tipologias comerciais. Já numa segunda fase, entre 1980 e 1990, este número aumentaria para 417 unidades e, em 2000 — ano do último levantamento estatístico, a nível nacional, efectuado neste sector —, os exemplos acumulados ao longo de uma terceira fase de expansão desta fórmula retalhista somariam já 789 centros comerciais em Portugal Continental. Sendo que, hoje em dia, perante a inexistência de levantamentos estatísticos nacionais desde há mais de duas décadas, dir-se-ia que é um fenómeno do qual já não temos a verdadeira dimensão.

E será que num mundo onde agora podemos comprar o que quisermos a partir de um smartphone ainda há necessidade de ir ao shopping center?

Perante a eventualidade da sua própria obsolescência, a resposta do sector retalhista foi oferecer algo que não pudesse simplesmente ser mediado por um ecrã. Parques de diversões, parques aquáticos, pistas de ski cobertas, salas de concerto, galerias de arte, eventos ao ar livre, experiências de realidade virtual ou lojas pop-up são cada vez mais comuns e têm como objetivo, mais do atrair as pessoas, permitir que estas descubram algo novo em cada visita.

Em paralelo, a tendência é também uma crescente presença de serviços de cariz utilitário como bancos, clínicas médicas, lavandarias, dentistas, centros de saúde e beleza ou ginásios; assim como começam igualmente a surgir cada vez mais exemplos de usos mistos que acumulam a vertente retalhista com residências, hotéis, escritórios e espaços de co-working.

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Figura 8. Mar Shopping (2017), Loulé, Portugal (Fonte: https://www.designeroutletalgarve.com/noticias/ultimas-noticias)

O que falta então ao centro comercial para ser cidade, quando já é possível morar, trabalhar, fazer compras, comer e passear neste?

Talvez muito pouco, porque em muitos centros comerciais, tal como na maior parte das cidades europeias, e portuguesas também, se enterram parques de estacionamento para substituir por lagos e jardins, se colocam estacionamentos para bicicletas e se constroem ciclovias de acesso, se coloca a ênfase na sustentabilidade e no combate às alterações climáticas, ou se constroem parques infantis, bibliotecas públicas e museus. Em que difere, na realidade, o alcance deste conceito da “cidade de 15 minutos” que defende a hiperproximidade e o acesso a serviços básicos, comércio, trabalho e lazer a uma distância de 15 minutos a pé do lugar onde se mora?

Provavelmente — e se a tendência for a de consolidação da hiperproximidade e do urbanomimetismo — daqui a uns anos já teremos dificuldade em distinguir entre o que chamamos cidade e centro comercial. O que sabemos para já é que existe, sem sombra de dúvida, uma evidência crescente de associação de experiências baseadas em entretenimento, de oferta crescente de serviços e de preocupações de sustentabilidade ambiental — que, apesar de suspensa, ressurgirá em força num mundo pós-covid. Mas, acima de tudo, identificamos um alinhamento entre as actuais tendências internacionais de desenho de espaços “públicos” dos shoppings e dos ambientes urbanos das próprias cidades. Ou seja, uma realidade em que os centros comerciais, mais do que continuarem a imitar a cidade, a começam já a construir.

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Figura 9. North American Proprieties (2014), Avalon, Alpharetta, Georgia, EUA (Fonte: https://www.nelsonworldwide.com/project/atlantic-station/)

Referências bibliográficas

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CAUTELA, Cabirio; OSTIDICH, Daniela (eds) (2009). Hell Paradise Shopping: L’inferno e il paradiso degli acquisti e del consumo. FrancoAngeli: Milano.

CRAWFORD, Margaret (1992). “The World in a Shopping Mall”. In Sorkin, Michael (ed) Variations on a Theme Park: The New American City and the End of Public Space. Noonday Press: New York, pp. 3-30.

C&W – Cushman & Wakefield (2020). “Shopping Centre Development Report: Europe 2019”. In C&W: Global Research Reports.

LEONG, Sze Tsung (2001). “And Then There Was Shopping”. In Chung, Chuihua Judy; Inaba, Jeffrey; Koolhaas, Rem; et al (coord). Project on the City 2: Harvard Design School Guide to Shopping. Taschen: Köln-London-Madrid-New York-Paris-Tokyo, pp. 128-155.

OC – Observatório do Comércio (2000). Centros Comerciais em Portugal: conceito, tipologias e dinâmicas de evolução (coord. Herculano Cachinho). Lisboa: Observatório do Comércio.

PARIS, Mario (2009). L’urbanistica dei superluoghi. Rimini: Maggioli Editore.

SORKIN, Michael (1992). “Introduction: Variations on a Theme Park”. In Sorkin, Michael (ed). Variations on a Theme Park: The New American City and the End of Public Space. Noonday Press: New York , pp. xi-xv.