Este trabalho abordou a crescente popularidade dos desportos eletrónicos profissionais, denominados por “e-sports”. Discutiram-se os fatores que levaram ao seu desenvolvimento, desde um pequeno nicho de fãs até ao actual fenómeno à escala global. Independentemente de não haver consenso sobre se os e-sports podem ser considerados como um desporto, é inegável que tal como em qualquer outra atividade desportiva profissional, os jogadores têm uma grande exposição mediática, estando sujeitos a stress, com consequências na vida social e familiar, que foram também estudadas. Refletiu-se ainda, sobre os benefícios da prática deste tipo de atividade, enfatizando o acompanhamento em diferentes áreas disponibilizado pelas organizações aos seus jogadores, desde nutricionistas a psicólogos.
Palavras-chave: videojogos, e-sports, jogadores profissionais, qualidades mentais, stress
Abstract
This work focused the growth of the professional electronic sports’ popularity, also known as “e-sports”. We discussed the fators that caused that development from a small fan-based niche to the current global phenomenon. Regardless of the lack of consensus about the e-sports’ status as a sport, its undeniable that as any other professional sports activity, the players have a great media exposure, being subject to stress, with consequences on their social and family life, that were also studied. We reflected on the benefits of practicing this kind of activity, emphasizing the monotoring in different areas provided by the organizations to their players, from nutritionists to psychologists.
Keywords: videogames, e-sports, professional players, mental skills, stress
A evolução do desporto tem acompanhado a evolução da Humanidade, desde os confrontos nas arenas romanas onde os gladiadores lutavam corpo a corpo pela sua vida até aos grandes eventos olímpicos e mundiais da atualidade, que visam celebrar o desporto, mesmo em altíssima competição, como uma forma de entretenimento sociocultural. Naturalmente, é difícil prever como esta evolução vai continuar, mas com o aumento e globalização da tecnologia surgiram novas atividades que, neste momento estão a começar a ser consideradas como práticas desportivas. O maior exemplo deste tipo de atividades são os jogos eletrónicos (em computador, consola ou telemóvel), que quando são praticados num ambiente de alta competição denominam-se por “Electronic Sports”, vulgo “E-Sports” (Miah, 2016).
Por “jogo eletrónico” ou “videojogo” entende-se qualquer jogo em hardware baseado em circuitos lógicos electrónicos, que permitam algum grau de interactividade com o jogador, e que mostrem num écran o resultado dessa interactividade. Esta definição foi evoluindo ao longo da história dos videojogos à medida que novas tecnologias iam sendo usadas. As primeiras definições eram muito mais técnicas, requerendo a existência de um sinal (de vídeo) transmitido para um tubo de raios catódicos (CRT), excluindo assim, algumas aplicações actualmente aceites como sendo jogos (Donovan & Garriott, 2010).
Tendo em conta a definição actual, os primeiros videojogos surgiram na década de 1950, normalmente associados a projectos universitários, com pouca visibilidade no público geral e com pouca influência entre si. Um dos primeiros jogos electrónicos deste tipo foi criado em 1950 por Josef Kates (1921). Recebeu o nome de “Bertie the Brain” e permitiu ao utilizador jogar o “jogo do galo” (tic-tac-toe) contra uma inteligência artificial (Simmons, 1975). Em 1961, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) adquiriu vários minicomputadores com capacidade para poderem ser programados, possibilitando aos alunos e empregados criar os seus próprios jogos. Stephen Russell (1937) criou no ano seguinte o famoso jogo “Spacewar!”, no qual dois jogadores, cada um controlando uma nave espacial, tentavam destruir a nave adversária. Russell copiou o jogo para vários computadores dentro e fora do MIT, fazendo do Spacewar! o primeiro jogo competitivo não apenas disponível num único local (Russell, Graetz & Witaenem, 1962). Embora se possa especular que os jogadores de Spacewar! terão disputado entre si alguns prémios nos anos seguintes à criação do jogo, o primeiro torneio reconhecido apenas teve lugar em 1972 na universidade de Stanford, quando os estudantes jogadores (de Spacewar!) competiram por uma subscrição anual da revista “Rolling Stone”.
Na década de 1980 começam a surgir os torneios em larga escala. O primeiro, organizado pela produtora de jogos “Atari”, chamou-se “Space Invaders Championship” e teve a presença de mais de dez mil participantes. Este torneio ajudou a massificar o fenómeno comercial que foi o jogo “Space Invaders” desenvolvido pela “Taito”, que vendeu 300 mil máquinas no Japão e 60 mil nos Estados Unidos nos anos seguintes (Kohler, 2016). Nessa década formaram-se várias equipas semiprofissionais, como a “US National Video Game Team”, que percorria o país num autocarro, desafiando os jogadores locais e tentando estabelecer recordes para a revista “Guinness World Records”. É nessa altura também, que começam a aparecer as primeiras revistas especializadas em vários países do mundo. Desde a britânica “Computers and Videogames”, até à americana “GamePro”, passando pela japonesa “Famitsu”, a espanhola “MicroMania” e até a jugoslava “Pilot Video”, todas contribuíram para tornar os videojogos como uma das formas de entretenimento mais popular (Borowy, 2012).
A década de 1990 trouxe o uso global da Internet, e com ele os primeiros jogos online. Os fabricantes de jogos tradicionais, onde um jogador competia contra o computador (single player) começaram a incluir modos de multijogador, nos quais o jogador compete e/ou colabora com outros jogadores em qualquer parte do mundo. Esta mudança foi particularmente fácil e eficaz em jogos de luta, como as sagas Street Fighter e Tekken, pois neste tipo de jogos basta substituir a mente artificial do adversário (bot) por uma personagem (avatar) que reage aos comandos do utilizador rival. Outros jogos que se tornaram muito populares durante esta década foram os jogos de tiros, como o Quake3 e o Unreal Tournament, graças à facilidade com que os fabricantes criaram mapas (arenas) com avatares que competiam entre si (deathmatch, last man standing) ou em equipas (team deathmatch, capture the flag) (van Waveren, 2001).
Com a mudança de século, os E-Sports tornaram-se um verdadeiro fenómeno de popularidade, especialmente nos países asiáticos. A massificação do uso da banda larga e o surgimento de plataformas de vídeo online (streaming) como o “Twich” tornaram os jogos e os torneios facilmente acessíveis aos fãs (Burk, 2013 & Popper, 2013). De apenas 10 torneios em 2000, passou-se para 260 torneios com prémios a dinheiro. Alguns dos mais bem-sucedidos foram o “World Cyber Games”, o “The Intel Extreme Masters” e o “Major League Gaming” que ainda hoje reúnem milhares de espectadores em pavilhões e estádios, são vistos por milhões via Internet e distribuem centenas de milhar ou mesmo milhões de euros em prémios (Warr, 2014).
Atualmente existem várias equipas que estabeleceram e aperfeiçoam uma estrutura cada vez mais complexa e profissionalizada de apoio a jogadores cada vez mais bem pagos. Esta estrutura inclui, entre outros serviços, a venda de produtos com a marca da empresa (merchandising), o apoio logístico e burocrático aos jogadores, publicidade e interacção com os fãs e parceiros. Algumas destas estruturas são mesmo transversais a vários jogos; da mesma forma que alguns clubes de futebol possuem equipas de basquetebol, andebol e outros desportos, também algumas organizações têm equipas de dota2, counter-strike e outros (Jacobs, 2014).
Mesmo com toda a popularidade e profissionalismo que os e-sports vão tendo, ainda há uma grande controvérsia sobre se deverão ser considerados de facto desportos. Os dois principais argumentos dos que defendem que os videojogos nunca alcançarão esse status são a falta de actividade física necessária noutros desportos, como o futebol, e o facto de não haver a necessidade de serem praticados ao ar livre ou em qualquer recinto desportivo (Elsa, 2011). Os defensores dos e-sports enquanto desporto contra-argumentam referindo que essas duas razões não são requisitos, caso contrário, desportos amplamente aceites, como o xadrez, deixariam de o ser. Argumentam ainda que ao exigirem “planeamento cuidadoso, tempo preciso e execução hábil” (Jonasson & Thiborg, 2010), os e-sports não podem ser distinguidos dos outros, especialmente tendo em conta a sua natureza competitiva e a sua imensa popularidade.
Aos poucos, este debate vai tendendo para o lado de quem considera os e-sports como desporto, à medida que organizações desportivas os colocam ao mesmo nível em eventos, disputando medalhas, como nos “Asian Indoor Games”. Essa opinião tem vindo a ser reforçada por organizações governamentais, que começam a atribuir vistos desportivos e licenças a jogadores de modo a facilitar a presença destes nos torneios locais (Paresh, 2013). O próprio comité olímpico internacional (COI) considerou em 2017 que “os e-sports podem ser considerados uma actividade desportiva, e os jogadores envolvidos preparam-se e treinam com uma intensidade comparável à dos atletas de desportos tradicionais” (Grohman, 2017). Conclusões semelhantes levaram à possibilidade de se incluir os e-sports nos jogos olímpicos de Paris em 2024, ajudando-os a manterem-se relevantes e interessantes para as gerações mais jovens (Pham, 2018).
Se estas tendências se mantiverem no futuro, é espectável que mais cedo ou mais tarde os e-sports sejam perfeitamente equiparados aos desportos tradicionais, com representação olímpica, campeonatos do mundo, e com ligas e associações próprias (Miah, 2016). Naturalmente, nem todos os jogos têm uma popularidade que justifique essa transição, e portanto, importa distinguir quais os jogos ou tipos de jogos que têm reais possibilidades de o conseguir.
Os muitos milhares de jogos criados ao longo dos anos podem ser categorizados em apenas alguns géneros diferentes. Na década de 1990, os mais populares eram os jogos de luta, no qual o jogador tem como objectivo golpear um adversário até ele ficar sem “health”, e os jogos de tiros. Nestes, o jogador controla um avatar, normalmente vendo o mundo dos seus “olhos”, na primeira pessoa, (daí serem chamados de First Person Shooters ou FPS). Existem vários modos de jogar FPS, mas tipicamente envolvem atingir os adversários com projécteis até esvaziarem sua a “health”. Atualmente, este tipo de jogos tem vindo a perder popularidade a nível profissional, mas existem alguns títulos que ainda sobrevivem, como o famoso “counter strike”, lançado em 2000.
Muitos dos videojogos simulam actividades desportivas tradicionais, como o futebol ou o basquetebol. Nestes, o utilizador controla um jogador ou a equipa completa e tenta marcar mais golos ou fazer mais pontos que o adversário. Estes jogos são normalmente patrocinados por marcas ou associações desportivas envolvidas no jogo tradicional, tendo por vezes o nome da própria associação seguido do ano de lançamento (FIFA2018, NHL2016, NBA 2017, entre outros). Do mesmo modo, existem jogos que simulam corridas de automóveis ou motas que, embora não tão populares, têm alguma representatividade.
Um dos tipos de jogos com mais popularidade são os role-playing games (RPG). Nestes, o utilizador controla um avatar que vai evoluindo, ganhando novas habilidades e equipamentos, à medida que progride numa história. Um dos exemplos mais notáveis deste tipo de jogos é a saga “Diablo”, cujo título mais recente foi lançado em 2012, mas cujos títulos mais antigos, um deles lançado em 2000, continuam a ser jogados diariamente por muitos milhares. No entanto, a própria natureza do jogo limita o seu uso a nível profissional.
Para um jogo ser suficientemente popular e adequado para ser jogado a nível profissional tem de cumprir uma série de requisitos que são mais naturais em alguns géneros do que noutros. Antes de mais, é necessário que seja competitivo entre jogadores, isto é, deve permitir que os jogadores se defrontem, estabelecendo rankings e encorajando o treino. Depois, é fundamental que o jogo se processe em tempo real, de modo a poder ser transmitido e acompanhado pelas massas. Deve ser suficientemente complexo para permitir diversas estratégias, sem que nenhuma delas seja dominante, e deve estar em constante mudança e actualização para encorajar a procura de novas estratégias. Tendo estas características em conta, o género de jogo que mais se adequa à profissionalização é o de estratégia em tempo real (RTS), como o warcraft ou o starcraft. Nestes jogos, o utilizador controla uma base, recolhe recursos, desenvolve e treina unidades, usando-as para conquistar as bases inimigas.
Um subtipo de RTS que é particularmente adequado enquanto e-sport (e daí ser o mais popular) é o Multiplayer Online Battle Arena (MOBA). A juntar às vantagens anteriores, os MOBA são jogados em equipa, e como tal, são mais imprevisíveis. São também facilmente expandidos, criando novos avatares, habilidades e itens, gerando portanto uma complexidade superior, e tipicamente, têm uma duração adequada (cerca de uma hora) para uma transmissão televisiva ou pela internet. Os MOBA foram inicialmente criados pela comunidade de alguns jogos que permitiam mudanças (mods) aos mesmos. Estas mudanças começaram por ser tão simples como mudar a cor de uma armadura ou a textura de um edifício, mas rapidamente se acumularam, alterando a mecânica e o objectivo desse jogo, criando um novo.
Atualmente o jogo mais popular e com maiores prémios na comunidade de e-sports é o “Defense of the Ancients 2” (Dota2), cujo antecessor foi criado como um mod do jogo warcraft3. Não só por ser o mais popular, mas também por representar bem o que são as vantagens, desvantagens e desafios dos e-sports, o Dota2 é um bom exemplo de como um jogo foi pensado para os jogadores amadores e profissionais simultaneamente, e portanto, importa analisar com maior detalhe.
Um jogo de Dota2 é jogado por duas equipas adversárias (radiant e dire), cada uma com a sua base. Estas encontram-se em lados opostos num mapa, que inclui outros elementos como lojas, onde os jogadores compram e vendem itens; shrines, onde os jogadores recuperam após as batalhas; e outras personagens controladas pelo computador (NPCs) que ao serem mortas dão recursos (Gold) e experiência. O objectivo último do jogo é simplesmente invadir a base adversária e destruir um edifício (the ancient), no entanto, as estratégias para o conseguir são muito variadas e dependem da habilidade e coesão da equipa.
Pode-se dividir um jogo de Dota2 em duas fases bem distintas, cada uma com os seus desafios próprios. A primeira fase (draft) consiste na escolha dos avatares (heróis). Cada equipa escolhe 5 avatares dos mais de 100 disponíveis e bane 6, que deixam de poder ser escolhidos (por ambas as equipas). Este processo decorre alternadamente, de modo a ser o mais equitativo possível, embora tipicamente as equipas prefiram ter a última escolha. O draft é um processo complexo que muitas vezes dita o resultado do jogo. Equipas cujos jogadores sejam mais flexíveis (joguem bem com muitos heróis) podem adaptar as suas escolhas aos heróis adversários de modo a suprimir as vantagens e explorar as desvantagens destes. Esta flexibilidade é um dos factores que normalmente separa os jogadores profissionais dos jogadores amadores, pois estes últimos, apesar de por vezes serem melhores com alguns heróis, vêem esses heróis constantemente banidos pela equipa adversária.
A segunda fase é o jogo propriamente dito. Nos primeiros 12 minutos (“early game”), três dos jogadores (carries) tentam ganhar o máximo de experiência e recursos possível, enquanto os dois restantes jogadores (supports) proporcionam apoio e tentam matar ou pelo menos limitar as acções dos heróis adversários. Estes minutos requerem uma enorme eficiência e atenção ao detalhe, visto que pequenas diferenças de recursos têm tendência a aumentar rapidamente e a decidir o jogo. Nos 20 minutos seguintes (“mid game”) a maioria dos heróis já adquiriu alguns itens e habilidades necessários para combaterem eficazmente. Esta fase é marcada por constantes ataques (ganks) de 2 ou 3 heróis contra um dos carries adversários, de modo a limitar-lhes o progresso. Durante estes minutos, os jogadores necessitam de comunicar e reagir rapidamente para executarem esses ganks e sobreviverem aos do adversário.
A maioria dos jogos de Dota2 é decidida nesta altura, quando uma das equipas começa a obter itens cada vez melhores permitindo-lhes ganhar as batalhas maiores. No entanto, muitas vezes as diferenças entre as equipas não são suficientemente grandes para atacar directamente a base inimiga. A partir dos 30-35 minutos (“late game”) a maioria dos heróis tem todos os itens que necessita. Alguns destes heróis são particularmente bons nesta fase (daí terem sido escolhidos como carries) enquanto outros deixam de ser tão úteis. Equipas mais fracas têm a tendência de escolher heróis mais eficientes no early e mid game de modo a tentar ganhar o jogo o mais depressa possível. Por seu lado, as equipas mais fortes escolhem um herói que seja muito bom no late game (hard carry) tentando protege-lo a todo o custo nas fases iniciais.
Um jogo típico de Dota2 ilustra bem as quais as qualidades necessárias a um jogador para se tornar profissional nesse ou noutros jogos. Primeiramente, é necessário que os jogadores tenham espírito de equipa (Birrer & Morgan, 2010), estando dispostos a sacrificar o seu progresso para o bem comum. Uma das funções dos supports é a de comprar itens que não os beneficiam directamente, como poções para restaurar a health dos carries. No entanto, em caso de ataque, muitas vezes eles são deixados para trás para permitir a fuga dos carries. Naturalmente, os jogadores (especialmente os carries) têm de saber lidar com a pressão. Se a equipa investe todos os seus recursos para tentar manter um herói vivo, esperam que ele consiga levá-los (“carry them”) à vitória (Araújo et. al., 2009).
Como se viu anteriormente, os jogadores têm de ser flexíveis (Fletcher & Wagstaff, 2009), conseguindo jogar com dezenas de heróis diferentes para se adaptarem às bans e à equipa adversária; mas ainda mais importante, têm de ser adaptáveis, visto que o jogo sofre alterações constantes. Em cada actualização do jogo, um herói pode ser melhorado (buffed) ou prejudicado (nerfed). É portanto natural que em dois torneios separados por algumas semanas, os heróis escolhidos pelas equipas, e como tal, a própria dinâmica do jogo, seja completamente diferente.
Vealey (2007) propôs um modelo para ajudar atletas de alta competição a melhorar as suas características mentais para obterem um maior rendimento. Hilvoorde (2016) adapta o modelo de Vealey para definir as qualidades mentais necessárias a um bom jogador de e-sports. Ele propõe que quatro conjuntos de qualidades mentais: (a) base, (b) performance, (c) desenvolvimento pessoal e (d) de equipa. As qualidades base são transversais a qualquer actividade, como por exemplo a autoconfiança e o pensamento produtivo. As qualidades de performance ajudam os desportistas a executar bem uma determinada tarefa, como a atenção ao detalhe ou a gestão de energia. As qualidades de desenvolvimento pessoal, como a motivação, estão relacionadas com a constante procura do aperfeiçoamento pessoal. Por fim, as qualidades de equipa estão naturalmente relacionadas com a interacção com terceiros. Entre elas, Hilvoorde destaca a liderança, comunicação, coesão e confiança (na equipa).
Da mesma forma que uma boa forma física é requisito, mas também um benefício, da prática de desportos tradicionais como o futebol, estas qualidades mentais devem ser treinadas e aperfeiçoadas para se ter sucesso enquanto jogador profissional. Mesmo para os muitos jogadores que não conseguem alcançar tal estatuto, os e-sports proporcionam uma forma de melhorar essas qualidades. Os benefícios dos e-sports não se limitam pela melhoria de algumas qualidades mentais. O jogador tem a possibilidade de ganhar muito dinheiro fazendo uma actividade de que gosta, tem a oportunidade de visitar países diferentes, conhecer outras culturas e de fazer amizades com outros jogadores e fãs. Aprende a lidar com o stress, com os erros, com as vitórias e com as derrotas, podendo extrapolar essa experiência para outros aspectos da sua vida (Hallmann & Giel, 2017).
Por fim, para aqueles que conseguem lidar bem com a fama, os e-sports permitem-lhes sentirem-se importantes e conhecidos por literalmente milhões de fãs. A maioria dos videojogos proporciona uma vantagem notável nesse aspeto quando comparados com os desportos tradicionais. Enquanto uma equipa de futebol é um grupo fechado que treina entre si e joga contra outras equipas também profissionais, os jogadores profissionais de e-sports na maioria das vezes treinam em casa contra jogadores amadores. Além de ser cómodo e conveniente, muitos desses jogadores amadores são muito bons em certos aspectos do jogo (como serem especializados num único herói), o que permite aos profissionais testarem-se contra desafios diferentes daqueles que outro jogador profissional lhes criaria. Para os jogadores amadores, esta possibilidade é uma enorme forma de motivação para continuar a jogar e melhorar. Poder jogar na mesma equipa ou poder vencer um jogador profissional está ao alcance de muitos, que não sendo profissionais, já desenvolveram as qualidades mentais acima referidas, e como tal, usufruem dos seus benefícios (Freeman & Wohn, 2017).
Nem tudo são vantagens. Os jogadores são o centro das atenções e tudo depende deles para equipa ganhar. Eles sofrem um grande stress, devido a muitas horas de treino, poucas horas de sono e, por vezes, má alimentação. As poucas horas de sono são causadas pelas longas viagens, jet-lag, pressão mediática e treinos intensos para melhorar a técnica, habilidade e aprenderem todas as consequências das actualizações que por vezes surgem apenas uns dias antes de torneios importantes (Burk,2013). Essas viagens constantes provocam também saudades de casa, da família e dos amigos, especialmente porque, a grande maioria dos jogadores são especialmente jovens.
Outra fonte de stress, esta partilhada com outros desportos, são as exigências dos treinadores, patrocinadores e fãs em geral, para obterem bons resultados. As equipas tornaram-se muito profissionais, com uma estrutura apoiada em pessoas com diversas competências, financiada por vários patrocinadores, que naturalmente querem ver retorno do seu investimento sob a forma de vitórias e a consequente exposição da marca (Ruiz, 2013).
A necessidade de estar constantemente a treinar impede períodos de ausência superiores a uma ou duas semanas, impactando a vida familiar e social dos jogadores (Taylor, 2012). As muitas horas passadas em frente ao computador na mesma posição e a repetir os mesmos movimentos provocam também desgaste físico, e por vezes problemas anatómicos. Lesões nas costas e nos tendões dos dedos e pulsos são muito comuns. Por vezes estas lesões são tão graves que colocam em causa a carreira do jogador, chegando mesmo em casos especialmente graves, a provocar o seu fim (Verardi et. al., 2012).
Muitos dos jogadores aspirantes a profissionais, e mesmo em alguns profissionais, estão sujeitos a incompreensão familiar e social por terem escolhido uma profissão nova e completamente diferente das profissões escolhidas pela maioria das pessoas. Estas profissões mais alternativas ainda são relativamente incompreendidas ou mesmo mal vistas pela sociedade, que precipitadamente não as considera como um trabalho a sério. Mesmo alguns dos jogadores mais bem pagos, e portanto menos sujeitos a tais críticas, já tiveram essa experiência no passado. Outra fonte de stress relacionada pode ser a ansiedade provocada pela hipótese do jogo em que se especializaram passar de moda. De facto, é impossível prever quanto tempo durará o entusiasmo, mesmo pelos jogos mais populares actualmente, como o Dota2 ou o League of Legends. No passado, jogos como o Quake eram os mais populares e acabaram por ser abandonados excepto por uma pequena comunidade de aficionados.
Por fim, uma das grandes fontes de stress da maioria dos jogadores profissionais está relacionada com a precariedade laboral. Embora as equipas de topo tenham uma estrutura de apoio bem estabelecida, e os jogadores sejam suficientemente bons para serem contratados por outras equipas, a maioria dos jogadores não é assim tão valorizada. Algumas equipas forçam os jogadores a treinar até 16 horas por dia (Fields, 2014), outras estão envolvidas em combinações de resultados para favorecer apostas desportivas (Good, 2014), e outras não pagam os valores contratualizados ou atrasam-se nesses pagamentos. Recentemente, as organizações dos maiores torneios internacionais tomaram medidas para que as equipas inscritas tenham necessariamente de providenciar seguros médicos aos seus jogadores, disponibilizem apoio psicológico e tenham os pagamentos em dia (Gafford, 2014). Por outro lado, várias universidades nos Estados Unidos têm vindo a atribuir bolsas a estudantes para participarem em torneios (Comerford, 2012).
Espera-se que nos próximos anos alguns destes problemas possam ser mais mitigados à medida que os e-sports sejam universalmente reconhecidos como um desporto, e tenham mais aceitação e cobertura mediática. Esta cobertura pode vir a ser impulsionada pelo constante aumento dos prémios, pela entrada de novos patrocinadores e pela aposta de clubes desportivos. Atualmente alguns dos clubes de futebol mais conhecidos do mundo, como o Paris Saint Germain (PSG), já se associaram a equipas profissionais (neste caso, à equipa de Dota2 LGD, renomeada para PSG.LGD) e espera-se que esta tendência venha a continuar (Johnson, 2016).
Se é verdade que os jogos foram acompanhando a evolução da humanidade, hoje estamos seguramente a dar mais um passo nessa evolução. Os desportos eletrónicos são indiscutivelmente uma tendência para o futuro, embora ainda não equiparados a outros como o futebol ou basquete. Mas o futuro promete ser promissor para esta modalidade que se quer afirmar como desporto, desvinculando-se do estigma do sedentarismo. Ao longo deste trabalho abordamos as várias etapas que levaram ao desenvolvimento deste desporto e dos seus jogos mais famosos. Expusemos questões que achamos pertinentes, focando principalmente as características mentais necessárias para se ser um jogador profissional neste tipo de desporto, quais as vantagens de o praticar e quais as consequências negativas que daí podem advir.
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