Incompatibilismo, Responsabilidade Moral e Livre-Arbítrio

Algumas excursões sobre teses filosóficas a propósito do conceito de livre-arbítrio. Texto de Charles Y. da Silva Rodrigues e Paula Carvalho de Figueiredo. Imagens retiradas da obra Chess in Art.

A ideia de que vivemos num mundo de continuidade, com possíveis relações entre o sentido de vida de umas pessoas com outras implica uma serie de interrogações sobre a liberdade: somos livres? O ser humano tem a liberdade para decidir sobre os seus atos? E será que a responsabilidade dos seus atos pode ser atribuída às suas decisões? Mas, não menos importante é a pergunta sobre o que é a liberdade? O propósito destas indagações restringe-se ao tópico de saber se um indivíduo tem a possibilidade de decidir entre uma coisa e outra, e que a escolha no esteja determinada pelas leis naturais ou pelos eventos do passado. Uma ideia que tem desencadeado fortes posições argumentativas entre o compatibilismo, que acredita na liberdade do homem ainda quando tudo está determinado e o incompatibilismo, que rejeita esta proposta, de uma liberdade determinada.

Em termos conceptuais, a proposta da incompatibilidade permite pensar que uma pessoa pode realizar ações de maneira livre, sendo que, quando esta postura procura sustentar uma liberdade sem determinismo, estará propondo uma tese libertaria ou de libertismo. Esta proposta pretende evitar que a ideia de responsabilidade moral seja rejeitada por um determinismo extremo, que levanta a questão: se uma pessoa tem duas possibilidades de ação, por que razão faz uma e não a outra? Independentemente, de tudo o que isto implica, tal possibilidade tem como consequência a existência de duas opções, logo isto permite aceitar a ideia do livre-arbítrio.

No obstante, a teoria libertaria considera-se como uma posição implausível, baseada em eventos que não aconteceram, o pensamento incorre em situações como por exemplo: se A ameaça a B para que realize uma determinada ação e B realiza, então, para o libertário existia a possibilidade de B não ter realizado a ação, promulgando assim a possibilidade de um certo poder de escolha. Em outra ordem de ideias, as restrições fisicalistas casuais são questionadas a partir de alternativas casuais e não físicas ou, pelo menos, não sendo de todo físicas, no sentido em que não se concreta como ação; e o enfase da explicação casual de uma ação livre invalida a postura libertaria extremista: Liberdade da Indiferença, constructo teórico que sustenta que os atos são livres e indiferentes aos motivos de quem os realize.

Enquanto, para os compatibilistas a liberdade existe sem qualquer restrição para o determinado, isto é, que dentro do determinado agimos em liberdade, considerando essencialmente o pensamento de que as ações podem ser feitas, porque realmente se querem fazer; e ainda, que existissem outras possibilidades, continuariam sendo feitas como se pensou inicialmente. Neste sentido, o Princípio das Possibilidades Alternativas de van Inwagen parece incoerente, tendo Harry Frankfurt fundamentado a sua posição e as suas críticas, quase exclusivamente, na responsabilidade moral das ações, necessitando de compatibilizar: liberdade com determinismo.

Neste ensaio defende-se o problema da liberdade, argumentando a favor de seguinte tese:

  1. O Princípio das Possibilidades Alternativas fundamenta-se na existência das crenças e desejos por parte das pessoas, atribuindo-lhes assim a responsabilidade moral dos seus atos.

Nas seguintes secções será possível verificar, que à exceção das verdades intocáveis, isto é, as verdades que não necessitam da ação das pessoas, existem as verdades que dependem das crenças e dos desejos; por essa razão, temos a possibilidade de agir de uma maneria ou de outra, precisamente porque as ações dependem das crenças e dos desejos de quem as realiza.

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O incompatibilismo é defendido neste trabalho por Peter van Inwagen através do argumento modal da consequência, ou seja, que os seres humanos são parte de um mundo onde qualquer ação ou acontecimento é consequência necessária de uma ação anterior, das leis da natureza e de alguns atos que dependem de nós. Esta corrente opõe-se à ideia de que o livre-arbítrio é compatível com o determinismo, por outras palavras, opõe-se ao compatibilismo, posição que considera que qualquer pessoa é livre, apesar de tudo estar determinado por ações anteriores e pelas leis da natureza.

Este problema da compatibilidade aparece frequentemente associado ao problema tradicional do livre-arbítrio, que procura saber se as pessoas têm ou não liberdade nos seus atos. Neste sentido, van Inwagen considera que para discutir e analisar a questão do compatibilismo é benéfico dividir a resposta em duas possibilidades: ter liberdade e não ter liberdade, essencialmente, porque a suspeita recai na ideia de que não temos livre-arbítrio, e no caso de se verificar que o determinismo é compatível com o livre-arbítrio, o problema tradicional também estaria solucionado.

Com efeito, existe uma relação importante entre a maneira como respondemos ao compatibilismo e às opções do problema tradicional. Desta forma, se defendemos o incompatibilismo estamos comprometidos com a proposição condicional, de que se o determinismo é verdadeiro, então não temos livre-arbítrio. Ora, isto quer dizer que no âmbito do problema tradicional temos outras posições: temos livre-arbítrio, pelo que o determinismo é falso (libertismo); tudo está determinado e, consequentemente, não temos livre-arbítrio (determinismo e determinismo radical); e que o livre-arbítrio é impossível, pois não é compatível nem com o determinismo, nem com o indeterminismo (impossibilitismo). Mas se defendemos o compatibilismo estamos comprometidos com a possibilidade do livre-arbítrio, apesar de tudo estar determinado; esta afirmação implica a negação que se o determinismo é verdadeiro, então não temos livre-arbítrio (determinismo moderado).

No texto The Consequence Argument van Inwagen propõe que existem certas verdades que não necessitam de ser verificadas referindo-se às preposições verdadeiras intocáveis, por exemplo, a existência dos seres humanos. Não obstante, o filósofo também propõe que algumas verdades (ainda que seja em parte) dependem de alguém, por exemplo: nascer num determinado ano, que não dependendo da pessoa que nasce, poderia depender dos progenitores (isto partindo da existência do livre-arbítrio, porque os pais podiam não ter casado ou não ter tido filhos). Outro exemplo importante na obra, o do lançamento do dado, que conforme refere van Inwagen, não depende do indivíduo a forma como cai o dado, se no número 4 ou no 6, mas depende da forma como foi lançado (mais adiante retomaremos este mesmo exemplo).

Assim, van Inwagen formula o argumento da consequência:

Se o determinismo é verdadeiro, então as nossas ações são consequências das leis da natureza e de acontecimentos que ocorreram num passado remoto. Mas tanto as leis da natureza como aquilo que aconteceu antes de termos nascido não dependem de nós. Logo, as consequências destas coisas (incluindo os atos que realizamos agora) não dependem de nós.

Este argumento implica que o determinismo é verdadeiro e não temos livre-arbítrio; o autor, desde a lógica modal proposicional e da condição que o determinismo é verdadeiro refere, que então, ninguém tem ou teve alguma vez a possibilidade de escolha acerca de qualquer proposição verdadeira, inclusive as proposições sobre as ações dos seres humanos aparentemente livres. Neste sentido, o argumento é uma prova condicional, que considera o determinismo verdadeiro, e onde ninguém tem, ou alguma vez teve, qualquer escolha acerca de qualquer proposição verdadeira, inclusive proposições sobre ações aparentemente livres dos seres humanos.

Nesta linha de pensamento, van Inwagen menciona um outro exemplo, importante, para o entendimento do seu argumento: a explosão do sol no ano de 2027, e se assim for, então teremos de assumir também que a vida na terra termina no ano 2027, porque o sol vai explodir e ninguém tem, ou teve alguma vez qualquer opção de escolha sobre a explosão do sol no ano de 2027. Agora, para invalidar este exemplo, apenas é necessário que seja possível encontrar um contraexemplo.

Porém, o contraexemplo surge do argumento da consequência, através da análise condicional, isto é, a partir de uma interpretação condicional do Princípio das Possibilidades Alternativas (PPA); só podemos ter livre-arbítrio (considerando o sentido da responsabilidade moral) se: pudermos escolher agir de modo diferente daquele que agimos (possibilidades alternativas); e se pudermos agir de maneira diferente daquela que agimos, caso tivéssemos crenças e desejos diferentes daqueles que efetivamente temos.

Vejamos, van Inwagen propõe que nenhum ser humano é invisível, mas se alguém tivesse em seu poder um único frasco com uma poção mágica que o tornasse invisível, então poderia escolher entre tomar a poção e ficar invisível, ou não tomá-la e permanecer visível. Neste caso, a proposição de que nenhum ser humano é invisível seria falsa, logo, não poderia ser uma verdade intocável.

Retomando o exemplo da explosão do Sol no ano de 2027, podemos referir que a intocabilidade das verdades, que não dependem de ninguém, parecem aceitáveis. Por um lado, porque essas verdades têm que ser necessárias, independentemente do como ou porquê; por outro lado, porque esta regra assenta na aceitação de declarações condicionais (supondo que a regra condicional é valida). Assim, se o sol explodir no ano de 2027, então a vida na Terra terminará no ano 2027, esta segunda premissa depende da primeira, pelo que nada podemos fazer em relação à explosão do sol no ano 2027. A consequência seria que a vida na Terra terminaria no ano 2027, e esta segunda premissa passaria a ser uma verdade intocável.

Para concluir, pensemos que o determinismo oferece a seguinte proposta condicional: van Inwagen escreve um ensaio chamado “O argumento da consequência”, sob a aceitação da declaração condicional de que van Inwagen escreveu esse ensaio com base em tudo o que é determinado pelo passado e pelas leis naturais. Assim sendo, seguindo a mesma ideia, a proposição também supõe que van Inwagen nunca teve qualquer liberdade para decidir se deveria ou não escrever o ensaio. O que implica que o filósofo nunca teria tido a capacidade de não escrevê-lo; e se assim fosse, escrever um ensaio chamado “O argumento da consequência”, não teria sido uma verdade intocável. Isto ocorre porque o determinismo sustenta que, para um determinado momento, existe apenas uma situação possível, considerando que cada instante é uma consequência necessária do que ocorreu anteriormente e parte das leis da natureza.

Se a conclusão do argumento é verdadeira e cada proposição é uma verdade intocável, isto implica que o determinismo é verdadeiro e que o livre-arbítrio não existe, uma vez que ninguém é capaz de fazer algo diferente do que faz. No argumento que acabamos de apresentar, a regra condicional é o seu ponto débil, porque o argumento da consequência nesta questão da compatibilidade entre o livre-arbítrio e o determinismo depende da validação da regra condicional.

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O Princípio das Possibilidades Alternativas refere que uma pessoa só é moralmente responsável de um ato caso tivesse tido outra possibilidade de ação além daquela que realmente realizou; se pensamos que uma pessoa é responsável por uma ação quando, na realidade, não tinha outra opção de ação, então seria falso afirmar que essa pessoa é moralmente responsável pelo que fez. Aceitar esta condição implica acreditar que a responsabilidade moral e o determinismo são incompatíveis. Neste contexto, Harry Frankfurt acredita que o Princípio das Possibilidades Alternativas é falso, porque uma pessoa é moralmente responsável pelas suas ações, ainda que não tivesse a possibilidade de agir de maneira diferente.

Refletir sobre o Princípio das Possibilidades Alternativas, como menciona o filósofo, envolve um exercício de indagação sobre situações em que a ação realizada fosse a única possibilidade — não porque não existam outras possibilidades — mas devido ao facto de que a pessoa não consegue evitar de realizar o que fez. Isto pode ocorrer, por exemplo, em circunstâncias de coação, onde a pessoa é forçada a agir contra a sua vontade; uma situação de sugestão hipnótica, poderia impedir a pessoa de realizar uma certa ação, que originalmente pretendia realizar; ou em qualquer cenário em que um impulso interno conduz uma pessoa a atuar da forma como atua. Neste sentido, as situações que se mencionou anteriormente podem não apenas limitar a realização de uma ação de outra maneira, mas também, ser aquelas que desencadeiam o motivo ou o impulso que levam à ação que finalmente se realizou.

Importa destacar que em algumas situações, as circunstâncias podem, por si só, ser uma condição suficiente para que alguém leve a cabo uma ação e, ao mesmo tempo, impossibilitem que a pessoa execute a ação de uma outra maneira; não obstante, essas circunstâncias por si, não impõem a ação ou a produção de qualquer ato. O anterior quer dizer, que uma pessoa pode realizar uma ação onde as circunstâncias não permitam outra alternativa, mas sem que essas mesmas circunstâncias sejam a motivação para ter executado tal ação. Em outras palavras, as circunstâncias em si podem ter desempenhado um papel na influência ou na motivação da pessoa no momento em que agiu da forma como agiu.

De maneira geral, estamos de acordo em que se uma pessoa foi coagida a realizar uma ação, então não a fez de maneira livre e, portanto, assume-se que não é moralmente responsável por tal ação. Tendo em consideração esta concordância, se uma determinada pessoa é ameaçada e realiza a ação solicitada por quem a ameaçou, e não poderia ter feito mais nada a não ser aquilo que fez sob coação, então essa pessoa não é responsável pelo que fez. No entanto, a pregunta que se coloca é: que característica tem este tipo de situação que nos permite afirmar, neste juízo, que a pessoa ameaçada não é moralmente responsável pelos seus atos?

Harry Frankfurt propõe no seu trabalho uma serie de exemplo sobre Jones (J) que nos levam a refletir sobre o Princípio das Possibilidades Alternativas:

J (1) tem razões para realizar uma determinada ação, mas, entretanto, foi ameaçado por alguém, com consequências muito severas, caso não cumpra o que lhe é exigido por meio de coação. Responsabilização moral: se J realiza a ação que originalmente tinha planeado antes da ameaça, podemos afirmar que a ameaça não teve qualquer efeito, e assim não existiu coação, mantendo J a responsabilidade moral sobre o seu ato;

J (2) outra situação, J age de forma precipitada devido ao medo da ameaça e faz o que lhe pediram sob coação. Responsabilização moral: neste caso, existe coação e não há responsabilidade moral para J;

J (3) ou, uma vez que a ação que J está sendo forçado a realizar por meio de coação, coincide com a mesma ação que ele teria feito antes de receber a ameaça; torna-se bastante complicado entender as motivações de J, porque não se sabe o que realmente levou J a agir da forma como agiu: por vontade própria, medo da ameaça ou indiferença? Responsabilização moral, neste caso poderíamos pensar que J tem responsabilidade moral pelo que fez.

O caso J (3) poderia ser um perfeito contraexemplo de que a coação libera o indivíduo da responsabilidade moral, devido à falta de certeza sobre qual foi a verdadeira motivação para que J realizasse tal ação, e que coincidia com a ação que lhe foi solicitada sob ameaça. O facto, é que independentemente da posição que tomemos em J (3), temos de reconhecer que a doutrina de que a coação exclui a responsabilidade moral não é uma particularidade do Princípio das Possibilidades Alternativas. Assim que este contraexemplo ao Princípio das Possibilidades Alternativas demonstra que o princípio é falso.

Ainda assim, Harry Frankfurt propõe uma quarta situação para J:

A nova suposição é que alguém, Black (B), deseja que J (4) realize uma determinada ação. Tendo em conta que B está disposto a fazer qualquer coisa para que essa ação ocorra, mas prefere não ameaçar imediatamente, esperando até que J (4) esteja prestes a tomar a decisão sobre o que deseja fazer. Se J (4) decide fazer o que B quer, este não intervém; mas se J decide fazer algo que não seja o que B quer, então B intervém, seja por coação, hipnose, manipulação mental ou por qualquer outro meio, para garantir que J (4) faça o que B quer. Ora, fica entendido que mesmo que B não tivesse a necessidade de intervir, a responsabilidade moral seria a mesma, porque finalmente, a ação depende de J (4).

Isto porque o facto de uma pessoa não ter tido a possibilidade de evitar uma ação; é por si só, uma condição suficiente para que a tenha realizado. Que uma pessoa não tenha realizado uma determinada ação, seja por não poder ou por não querer, resulta na mesma consequência. Neste caso, emitir um juízo de valor sobre a pessoa que realiza a ação não ajuda a entender a razão do seu comportamento ou aquilo que poderia ter feito em diferentes circunstâncias.

Este é o argumento pelo qual, Harry Frankfurt, considera que o Princípio das Possibilidades Alternativas é errôneo, afirmando que, quando se diz que uma pessoa não tem responsabilidade moral sobre uma determinada ação é o mesmo que desculpá-la por ter realizado tal ação, mesmo que existam circunstâncias que tornem impossível a realização da ação; ou quando essas mesmas circunstâncias não permitem a realização dessa ação.

Esta questão do Princípio das Possibilidades Alternativas não afeta de maneira significativa os argumentos dos que confiam no princípio original de que a responsabilidade moral e o determinismo são incompatíveis: se existe uma determinação casual para que se realize uma ação, é verdade que a pessoa executou essa ação em virtude desses mesmos determinantes; e se atuou por determinação casual, significa que a pessoa não podia ter feito outra coisa (esta segunda, é o argumento dos que defendem a incompatibilidade). Porém, quando uma pessoa se desculpa pelo que fez, quando nos diz que poderia ter agido de outra maneira, supomos que está a falar com sinceridade; isto é, aceitamos estes enunciados porque presumimos que as pessoas dizem a verdade.

Na opinião do filósofo, Harry Frankfurt, o Princípio das Possibilidades Alternativas deve ser substituído por: uma pessoa não é moralmente responsável pelo que fez simplesmente porque não opção; e, portanto, esta versão parece não entrar em conflito com a visão de que a responsabilidade moral é compatível com o determinismo. Isto pode ser verdadeiro quando existem circunstâncias que tornaram impossível que uma pessoa evitasse fazer uma ação, sendo que estas mesmas circunstâncias motivaram a pessoa a realizar o que fez; porque a pessoa realmente fez aquilo que queria fazer; e agiu porque era o que realmente queria fazer, por isso é incorreto dizer: que fez o que fez, porque não tinha outra opção.

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Existem fatores importantes para defender o Princípio das Possibilidades Alternativas de Peter van Inwagen. Desde a perspetiva psicológica quando se introduz o conceito de desejo, que por um lado, justifica a possibilidade que alguém que realiza uma ação pudesse ter tido a capacidade de escolher outra opção; por outro lado, essa ideia de possibilidade não é metafisicamente irrelevante. Não obstante, se pensamos em um mundo determinista, talvez seja difícil sentir desejos diferentes àqueles que temos, porque, estes têm de ser coerentes com um certo estado das coisas, bem como com os estados do mundo que antecederam esse desejo e em conformidade com as leis naturais. Por outras palavras, o determinismo sustentaria que até os estados psicológicos, como é o caso dos desejos, são uma determinação imutável do mundo, então são verdades intocáveis.

Neste caso, seria incongruente afirmar que podemos realizar ações de modo diferente daquela em que agimos, porque os nossos desejos estariam alinhados com a ação. Mas se assim for, então não seria possível argumentar que um desejo determinado é compatível com as leis da natureza. De acordo com as teorias deterministas, um desejo determinado não pode ser compatível com algo que teve um estado prévio; uma vez que esse estado prévio é o que determina, mas não pode estar determinado em si. Isto parece especialmente verdade se associamos a determinação do desejo às leis da natureza, porque então não seriam leis naturais, mas sim, mais determinação, sem antecedentes ou sentido.

Entende-se que uma ação que ocorre em um determinado momento, teve um começo e parece que, nesse início, poderiam existir crenças e desejos que motivaram ou impediram o início de tal ação. Assim sendo, a ação dependia de algo mais que do sucedido antes ou das leis da natureza, dependia da vontade de realizar (ou não) uma ação que poderia ou não estar determinada. Retomando o exemplo do lançamento de um dado, podemos pensar que lançar o dado não depende das crenças ou desejos de o fazer, assim como da ação em si, que resultou no dado caindo no número 4; mas seria importante pensar neste resultado, será que estava determinado sair o número 4? De facto, a aceleração do objeto depende das leis físicas ou naturais, mas também depende da motivação do jogador, onde a motivação é a força com que este lança o dado.

Ainda assim, o determinismo pode considerar que a motivação do jogador está relacionada com eventos anteriores; isto é, se o jogador tem estado a ganhar ou a perder; mas o certo, é que sempre existem crenças e desejos (se o jogador está a perder, quere ganhar). É por isso, que os jogadores frequentemente manifestam pensamentos e rituais mágicos, que são crenças e desejos para que o dado caia no número que eles necessitam (para ganhar). Nesta linha de pensamento do incompatibilismo, onde se podem realizar pelo menos algumas ações livremente, não há espaço para reconciliar liberdade e determinismo, assim, as pessoas são responsáveis pelos seus atos, sempre e quando possam realizar um ato com diversas possibilidades de escolha.

Bibliografia

Faria, D. (2019). (β) não dá Base ao Incompatibilismo entre Determinismo e Livre-Arbítrio. Revista Portuguesa de Filosofia , T. 75, Fasc. 3, Teorias Políticas Medievais, pp. 1951-1976.

Frankfurt, H.G. (1969). Alternate Possibilities and Moral Responsibility. The Journal of Philosophy, Vol. 66, No. 23, pp. 829- 839. Journal of Philosophy, Inc.

van Inwagen, P. (2008). The Consequence Argument. in Peter van Inwagen & Dean W. Zimmerman (eds.) Methaphysics: The Big Questions. Blackwell (2008).