Literatura e religião para o autoconhecimento segundo o Papa Francisco

A modernidade é muito influenciada pela Reforma e pelo Iluminismo que ambicionava criar um corte com a tradição. E, provavelmente, com a evolução dos anos podem ter contribuído para que hoje se sinta um distanciamento entre a arte e a religião. Esta separação que se tende a fazer da arte com outras inquietações da condição humana empobrece muito as novas produções, mas, especialmente, empobrece a compreensão e apreensão das artes que fizeram parte das narrativas identitárias de várias culturas. O modernismo que se pauta por um grande relativismo e orgulhosamente por um grande ateísmo, poderá não ver vantagem em sustentar esta relação entre a arte e o sentido espiritual. Assim, suscita-me algumas questões que gostaria de desenvolver nesta reflexão: Existe alguma relação entre a literatura e a religião? A literatura e a religião podem auxiliar o nosso autoconhecimento e contribuir para a sociedade?

Ainda que fale bastante da arte e do seu impacto na sociedade, apresento também a visão da Igreja Católica desenvolvendo um ponto de vista pouco trabalhado e estabelecendo novas pontes de diálogo. Antes de progredir, parece-me importante definir o que é a arte. Não é de todo fácil definir o que é arte, e desejo tão pouco questionar qualquer dos critérios da teoria de arte. Na atualidade, parece-me muito comum resumir-se a arte a uma tentativa de mensagem, modo de expressão e comunicação. Não me parece correto ver a arte apenas deste ponto de vista, mas o que impulsiona os artistas a comunicar, o que terão eles de tão importante a dizer, o que é que eles comunicam? A designação do termo Arte vem do latim Ars, que significa habilidade. É definida como uma atividade que manifesta a estética visual, desenvolvida por artistas que se baseiam nas suas emoções, inquietações, tanto existenciais, sociais, ou puramente estéticas. Geralmente a arte está associada a uma época ou cultura, permitindo sempre uma reflexão sobre os desafios da condição humana. Ao longo da história da arte, mais explícito numas épocas que outras, comunica-se sempre questões em torno da vida, da morte, do transcendente, do amor, do ódio, de medos e conquistas. Ou seja, todas as formas de expressões artísticas, em especial a literatura, confrontam-se com grandes interrogações e desafiam os temas fundamentais do nosso sentido do viver, pode assumir um valor religioso e transformar-se num percurso de profunda reflexão interior e de espiritualidade.

A 4 de agosto de 2024, o Papa Francisco publica um pequeno texto, intitulado “Carta sobre o papel da literatura na educação”. Neste texto muito belo e necessário nos dias que correm, o Pontífice pretende despertar o gosto pela literatura e convida todos os cristãos, em especial os sacerdotes e seminaristas, a dedicar mais momentos para a leitura. Dialogando com as palavras do Papa Francisco, que serão um ótimo contributo para a presente meditação, partilho, ainda, uma referência a textos escritos em papados anteriores que contribuíram para esta relação entre a arte, no caso, literatura e a Fé Católica, na Sociedade atual.

A carta do Papa Francisco é muito rica e diversificada nas reflexões que nos apresenta, não se cinge apenas aos sacerdotes, mas «todos, todos, todos» devem reconhecer o valor da literatura para o processo de amadurecimento pessoal. Aos sacerdotes e às equipas formadoras dos seminários, o Papa Francisco partilha o desejo de que se alterassem as rotinas, e se cultivasse hábitos de leitura, pois ler bons livros é um complemento à pastoral e permite um acesso privilegiado ao coração da cultura humana e, mais especificamente, ao coração do ser humano, educando o coração e a mente do pastor e também enriquecendo-o espiritualmente.

O Papa apresenta-nos a literatura e o hábito de ler como algo bastante proveitoso não só a nível físico, psicológico, cognitivo; mas também humano. Ao longo deste texto e em diversos capítulos vai apresentado e aprimorando a importância da leitura como uma escola humana e espiritual. Quando lemos, percebemos logo que os livros dão uma postura muito mais ativa ao leitor do que os media e por isso o leitor quando lê um texto percebe que ele é sempre novo e “reescreve-o, amplia-o com a sua imaginação, cria um mundo, usa as suas capacidades, a sua memória, os seus sonhos, a sua própria história cheia de dramatismo e simbolismo”, assim nos escreveu o Papa Francisco na sua Carta. Isto é belo, ajuda-nos a compreender a finitude da nossa vida e da vida do nosso irmão, a assimilar e a discernir as inquietações da vida. Certamente, nós, leitores, já fomos experienciado as vantagens da literatura e as inquietações que nos podem consolar ou desolar e fazem parte do nosso autoconhecimento e experiência de vida, como bem devemos saber. A pergunta que pode surgir desta reflexão é sobre o sentido católico/religioso que se dará à literatura. Neste caso, o Papa Francisco, com muita humildade e franqueza, é claro quando nos diz que ler é ver com os olhos dos outros; melhor ainda, Jorge Luís Borges define a literatura como o ato de ouvir a voz de alguém. Ou seja, é conseguirmos colocarmo-nos no lugar do outro, de perceber como o outro se sente. Muitas vezes até somos capazes de nos identificar e “descobrimos que o que sentimos não é só nosso, é universal, e, por isso, até a pessoa mais abandonada não se sente só”. Aqui, também se desenvolve “o poder empático da imaginação.”

O Papa Francisco ao longo do seu papado tem alertado para a importância de escutar todos com atenção, mas de modo especial pede-o ao clero. Não obstante, todos os cristãos devem ter um coração atento às pessoas e consciente que, nos dias de hoje, vivemos um grande problema humano que é a solidão. A leitura de algum modo deve educar o olhar para ser mais compreensivo, mais manso e reconhecendo os desafios da humanidade torne o nosso coração menos promissor a julgamentos. Ainda gostaria de citar uma passagem da Carta de modo a reforçar este sentido cristão que se pode dar à literatura e que é bastante elucidativa do descentramento que a literatura nos convida.

“Jean Cocteau escreveu a Jacques Maritain: «A literatura é impossível, temos de sair dela, e é inútil tentar sair dela com a própria literatura, porque só o amor e a fé nos permitem sair de nós mesmos». Será que saímos realmente de nós próprios se os sofrimentos e as alegrias dos outros não arderem no nosso coração? Prefiro lembrar-me que, como cristão, nada do que é humano me é indiferente.”

No avançar da Carta, o Papa Francisco frisa a importância de ver a literatura com um sentido espiritual e que isso terá impacto na relação dos sacerdotes com a poesia. Assim, pretendo conduzir esta reflexão de modo a perceber que na literatura não há apenas uma preocupação estética, benefícios cognitivos e um encorajamento humanístico; mas sim, um sentido espiritual. Pelo que consigo entender do que o Santo Padre nos escreve, a literatura torna-se hospitaleira à Palavra de Deus e transmite-a numa linguagem humana que abre mundos e deseja escutar a voz divina. Apresenta-nos ainda que a força espiritual da literatura permite ao sacerdote ser instrumento de comunhão entre a criação e a Palavra feita carne e o seu poder de iluminar todos os aspectos da condição humana. O que de facto me parece muito interessante, e que conduzirá a nossa reflexão para a relação que os sacerdotes têm com a poesia que é de grande afinidade e manifesta-se em “misteriosa e indissolúvel união sacramental entre a Palavra divina e a palavra humana, dando vida a um ministério que se torna serviço cheio de escuta e compaixão, a um carisma que se traduz em responsabilidade, e a uma visão do verdadeiro e do bem que se abre como beleza.”

Certamente, podemos questionarmo-nos qual seria a vantagem dos sacerdotes em ter este contacto com a literatura. O Papa Francisco tenta esclarecer-nos que este diálogo é enriquecedor para ambos e ao longo da carta aprofunda os seus argumentos e justificações, apresentado-nos uma imagem que é bastante clarificadora do papel da literatura no conhecimento dos limites da condição humana. A expressão “ginásio do discernimento” é bastante ousada, mas resume bem o que falamos anteriormente. Ou seja, o jovem em formação com a literatura experimentará fortes emoções de consolação e desolação que muito vão contribuir no seu crescimento de fé, discernimento e desenvolvimento pessoal. Ainda que possa não apresentar muita novidade, tendo em conta o que já foi escrito; a expressão é ousada e muito bem desenvolvida ao longo da carta. Respondendo concretamente ao crescimento espiritual que a literatura pode causar nos sacerdotes, partilho a referência de um poeta alemão que o Santo Padre nos escreveu na Carta e que é deveras interessante. O poeta Rahner afirma que a poesia tende para o Perfeito, mas não nos pode dar essa Perfeição; o que na visão Cristã o Infinito/perfeição/Beleza é Deus. Assim, segundo Rahner «a palavra poética invoca, portanto, a Palavra de Deus».

Reforço o apelo que o Papa Francisco nos deixou para “tocar” o coração do homem contemporâneo com o anúncio de Jesus e que aqui a poesia e a literatura podem ter um papel determinante. Assim, a Igreja contemporânea, após o Concílio do Vaticano II, tem desejado que se trabalhe com os artistas. O Papa Paulo VI, em 1964, reúne-se com vários artistas com o propósito de reafirmar a amizade entre a Igreja e as artes; reconhecendo que para o Ministério pregar o Evangelho era importante o contributo dos artistas para o tornar mais acessível a todos. Estou ciente que nem toda a arte é cristã e que nem toda ela se enquadra nos valores ocidentais; mas de forma geral todas as obras comunicam diversidade cultural e pulsam humanidade. Logo, o recurso assíduo à literatura permite este acesso à humanidade criada por Deus e redimida por Jesus. E, como nos ensina o Concílio “Na realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente”. Por isso é inevitável que a arte não seja meio de transmitir a Mensagem e o anúncio de Cristo; porque nos mostra as condições, realidades, diversidade cultural que Cristo redimiu na Cruz e porque a arte também dialoga com a nossa intenção de comunicar com o transcendente. Reforço que a religião deve ser o meio primordial para o nosso autoconhecimento, enquanto a literatura pode ser um vasto contributo nesta descoberta.

Viagem apostólica a Portugal no 10º aniversário da beatificação de Jacinta e
francisco, pastorinhos de Fátima. Encontro com o mundo da cultura, no Centro
Cultural de Belém – Lisboa. Quarta-feira, 12 de maio de 2010
Foto Agência ECCLESIA

É possível que nos ocorram à memória um extenso conjunto de exemplos de interculturalidade presente na Bíblia, desde uma variedade de géneros literários ora mais simbólicos, ora mais historiográficos que relatam uma adaptação da cultura dos povos antigos de determinadas de regiões em que os apóstolos foram pregar o Evangelho o que a meu ver (e do Papa Francisco) enriquece a Palavra de Deus. Sabemos que muitas vezes o modo de evangelização de vários povos e culturas aconteceu com recurso às artes o que consolida o desejo de estar em harmonia e em permanente diálogo com os meios culturais. Reconhecendo o diálogo intercultural entre vários povos e “constatada a diversidade cultural, é preciso fazer com que as pessoas não só aceitem a existência da cultura do outro, mas aspirem também a receber um enriquecimento da mesma e a dar-lhe aquilo que se possui de bem, de verdade e de beleza.”. Assim nos inspira o Papa Bento XVI no Encontro com o mundo da cultura, no Centro cultural de Belém, no dia 12 de maio de 2010, na Viagem Apostólica a Portugal no 10º Aniversário da beatificação dos Pastorinhos de Fátima. Um texto belíssimo e que recomendo deveras a leitura. Mas a que verdade se refere o Papa Bento XVI? Ele próprio o diz: “é dramático tentar encontrar a verdade sem ser em Jesus Cristo. Para nós, cristãos, a Verdade é divina; é o «Logos» eterno, que ganhou expressão humana em Jesus Cristo, que pôde afirmar com objectividade: «Eu sou a verdade» (Jo 14, 6).” Ou seja, a busca da verdade é uma consequente busca de Deus.

Anteriormente, a este encontro com o mundo da Cultura o Papa Bento XVI tinha feito um discurso pertinente dirigido aos artistas e deixou-lhes um apelo que repetiu em Portugal: «tendes, graças ao vosso talento, a possibilidade de falar ao coração da humanidade, de tocar a sensibilidade individual e colectiva, de suscitar sonhos e esperanças, de ampliar os horizontes do conhecimento e do empenho humano. […] E não tenhais medo de vos confrontar com a fonte primeira e última da beleza, de dialogar com os crentes, com quem, como vós, se sente peregrino no mundo e na história rumo à Beleza infinita» (Discurso no encontro com os Artistas, 21/11/2009). Bento XVI pede aos artistas para que procurem a Beleza, a Verdade e o Bem, valores que na filosofia Cristã são essenciais para uma produção artística mais autêntica. Porém, no mundo moderno, várias forças e correntes de pensamento desvirtuam-nos destes valores da procura do Bem e da Verdade. Um dos traços que vivemos atualmente é o relativismo e um desinteresse em defender a verdade. Este corte de diálogo entre os valores que a tradição ou experiência que o passado nos oferece e o mundo atual e as gerações futuras será bastante prejudicial à compreensão de muitas obras literárias. Nos dias de hoje o conceito de “bom” é subjectivo, então, como é que se determina um bom romance para um católico ler?

Na Carta, o Papa Francisco recomenda-nos a leitura de bons livros e que “devemos selecionar as nossas leituras com abertura, surpresa, flexibilidade, orientação, mas também com sinceridade, tentando encontrar o que precisamos em cada momento da vida.”

Uma pergunta que certamente nos pode interpelar: haverá algum livro que um católico não deva ler? Sim e não. Utilizo um versículo bíblico, para mostrar que atualmente temos acesso ao que é bom e ao que é mau e que é importante o discernimento nas nossas escolhas literárias, assim, “Tudo me é permitido, mas nem tudo convém.” 1 Coríntios 6,12. Para um católico importa, obviamente, saber discernir o que nos agrada ler. Definir este agrado pode ser interpretado tanto a nível do estado de espírito da pessoa, mas também se respeita o seu conjunto de características culturais e crenças. Abertamente, o católico poderá ler todos os géneros literários, mas certamente não se identificará nem se sentirá confortável em ler um romance érotico ou de terror e isto nem deveria ser motivo de surpresa. Contudo, também não me parece correto dizer que o facto de um leitor católico não se identificar com estes géneros literários seja uma proibição. Mas, sim, uma escolha por procurarem ler géneros literários que seguem outras linhas de pensamentos. Do mesmo modo, nem todos nós gostamos de igual forma de todos os géneros literários ora pelas nossas experiências culturais, ora pelas próprias afinidades.

Não me parece novidade que as nossas convicções e reflexões condicionam as nossas escolhas e, acima de tudo, a nossa interpretação. Não será diferente na literatura. Já percebemos que há géneros literários que não serão sequer lembrados por leitores católicos; mas, podem existir autores controversos que vão depender do bom senso da nossa interpretação. Vamos a um grande exemplo, Eça de Queirós. Podemos associar grandes capacidades discursivas e descritivas à escrita queirosiana, também fruto da inspiração do Realismo, mas não podemos associar ao Eça zelo pela Santa Igreja e muito menos narrativas com bastante pudor. No entanto, não me escandaliza que um católico leia Eça de Queirós – eu leio- mas reconheço a importância de duas ressalvas. Primeiramente, e ainda que ele seja um dos meus autores prediletos, não sinto a necessidade e nem me apraz ler todos os livros da sua vasta obra, e quando os leio tenho pensamento crítico que me permite apreciar a sua obra aparte das suas opiniões. E, a outra ressalva é que quando leio estou consciente da época e da história de vida do autor. Com muita franqueza, reconheço que na época, as “farpas” queirosianas sobre o catolicismo e a sua revolta em torno da Igreja transmitiam o que se deveria pensar nos ambientes em que o Eça convivia. Não obstante, por mais erradas que estivessem, parece-me existir uma tentativa, um desejo, uma procura pela verdade. E, isso não pode ser censurado, porque, infelizmente, procuram a verdade por caminhos distantes, mas, eram assim os pensamentos e as inquietações do pensamento do grupo de intelectuais da época. Contudo, e para quem gostar de compreender como as sociedades viviam e como a Igreja tambeḿ fazia parte do imaginário das pessoas o Eça é um excelente recurso.

Na sociedade atual, presenciamos um crescente défice de atenção, uma inegável falta de hábitos de leitura e um afastamento da Igreja na consciência e imaginário coletivo contribuem para más interpretações. Este afastamento da Igreja na sociedade deve-se essencialmente ao desejo de romper com as tradições, fazendo-nos esquecer que deixa os sujeitos e os povos desamparados e sem conhecerem os passos que as gerações passadas deram, para que hoje estivéssemos aqui. A ausência e o esquecimento da Igreja nos dias de hoje pode justificar alguma estranheza quando encontramos um cruzamento entre a arte e a religião. Hoje, num mundo bastante ateu/laico, parece não fazer sentido este cruzamento; mas durante longos séculos foi importante. A Igreja poderia ser um grande alvo de crítica, mas deixava claro que a religião estava mais presente nas sociedades do que agora.

Partilho mais um exemplo, a fim de esclarecer como a história e, essencialmente, o contexto do autor determinam tanto a obra como a interpretação que fazemos dela. O poeta Daniel Faria foi monge Beneditino. Como é que será lido por um ateu/agnśotico, sabendo que foi religioso? Certamente, diria inevitavelmente, vai dar-lhe um sentido mais espiritual na interpretação da sua poesia. Nos dias de hoje poderíamos “correr o risco” de ver o Deus de Daniel Faria como um Deus panteista, mas o leitor verá sempre que há um sentido espiritual no que o poeta escreve. O mesmo acontece quando lemos os poemas de Santa Teresinha do Menino Jesus, refletimos sobre as obras de D. José Tolentino Mendonça ou de muitos Santos que foram dotados para a expressão literária. Na leitura das suas obras é impossível desassociar a dimensão do transcendente e da religião mesmo que lidos por um ateu.

Ao longo desta reflexão, posso ter transparecido a ideia que a Igreja precisa mais da literatura do que o oposto. Poder-se-á pensar que se a literatura for virtuosa procurando a Verdade e a Beleza seria benéfica em si própria, podendo ver-se separada da espiritualidade. Mas não pode ser assim, a literatura/arte deve estar em cooperação, harmonia com a Igreja. Melhor dizendo, os artistas também precisam da Igreja. Como poderão eles corresponder ao apelo do Papa Bento XVI de conhecer a verdadeira fonte de Beleza que é Deus? O Papa João Paulo II, no seu papado, dirigiu uma extensa Carta aos Artistas reafirmando o desejo da Igreja de renovar o diálogo e a colaboração com os artistas, mas deixa bem claro esta pergunta: “A arte precisa da Igreja?”, solicitando assim os artistas a reencontrar na experiência religiosa, na revelação cristã e no “grande códice” que é a Bíblia uma fonte de inspiração renovada e motivada. É através deste encontro entre o indivíduo, do artista com a sua história de vida com a Palavra feita Carne, com Deus que se fez homem, morreu e ressuscitou que se poderá encontrar a raiz da beleza e contemplar mais autenticamente a Criação divina em todas as realidades humanas. Segundo a experiência cristã, um verdadeiro encontro com Deus faz-nos reconhecer pequenos, mas fortes; mostra as nossas desolações e as grandes perguntas que evitamos, mas também consola. Este encontro entre Deus e o homem é seguramente transformador. De tal forma que o artista dispõe das suas habilidades que comunicar a Beleza ao mundo.

Nos dias que correm o valor de beleza está bastante desvirtuado e descuidado, apresenta-se, por vezes, inquestionavelmente relativo. Hoje procura-se a beleza em fontes muito distantes ou consideramos que o Belo é puramente estético; porém reduzi-lo a uma função estética é um grande erro para compreender a arte. Não podemos jamais descuidar a presença da verdadeira beleza na nossa sociedade, e o Bento XVI no seu Discurso aos artistas partilha uma frase de Dostoievski que é bastante interessante para compreender o impacto da beleza: “A humanidade pode viver sem a ciência, pode viver sem pão, mas unicamente sem a beleza já não poderia viver, porque nada mais haveria para fazer no mundo. Qualquer segredo consiste nisto, toda a história consiste nisto”. A beleza aqui não pode ser vista puramente no sentido visual ou um romancear da realidade, mas sim uma beleza que chama a atenção, uma beleza que crie um sobressalto saudável, no caso no coração dos leitores. A beleza e a verdade infundem a felicidade no coração da humanidade, mas não podemos incorrer no erro de beber de fontes de beleza que nos iludem e que fechem os homens em si mesmos; mas que nos permita olhar para o Alto e Além de nós mesmos.

O escritor e pintor alemão, Hermann Hesse, defende que a “Arte significa: dentro de tudo mostrar Deus”. Esta afirmação parece-me resumir a reflexão que percorremos. O artista deseja comunicar as suas inquietações, desejando partilhar o que lhe sobressalta ao longo da sua vivência, ou seja, a beleza, que é fruto da procura constante que temos do Bem, Verdade e Beleza, que é Deus. E, é em Deus que devemos repousar e encontrar o espaço confiável para conhecer, compreender as nossas fragilidades e sonhos; concretizando um conhecimento pleno da nossa pessoa e da humanidade a que Jesus Cristo se revelou. Neste sentido, a arte e a religião não podem nunca estar de costas voltadas, mas devem ser amigas e cooperarem para a promoção da Verdade, como o Bento XVI nos apelou. Finalizo, ainda, com uma frase muito bela que nos deixou no seu discurso em Portugal: “Fazei coisas belas, mas sobretudo tornai as vossas vidas lugares de beleza”.