Noções de Estado e Propriedade no pensamento de Thomas Hobbes e Karl Marx

Texto de Charles da Silva Rodrigues e fotos do mesmo autor.

A filosofia expressada por Karl Marx, contrariamente à maioria dos pensadores da época, não pretendia interpretar o mundo de forma diferente ou compreendê-lo desde os processos mentais; Marx desejava transformar o mundo, associar a teoria à prática, e fazer do mundo material o objeto da sua forma de pensar. Neste sentido, o materialismo passou a ser a ferramenta principal do seu conhecimento, ou seja, a partir da organização social o autor pretendia explicar o modo de pensar de uma determinada época. Marx entendia que sobre a estrutura económica de uma sociedade se constrói e edifica o pensamento filosófico, jurídico, estético, ético e literário, e que estes têm como propósito expressar as características dessa mesma estrutura social – o Estado.

A encomenda da obra Manifesto Comunista tinha como objetivo revelar a realidade de um fantasma que assombrava toda a velha Europa e que gerava temor, tanto a políticos como a religiosos, o Comunismo. No entanto, mais que reflexionar sobre uma sociedade organizada sem a existência da propriedade privada, Marx e Engels realizaram uma análise da realidade em que viviam. A obra centra-se no conflito entre classes, originado, sobretudo, pela divergência de interesses económicos entre burgueses e proletariado, uma luta infrutífera, na qual, os primeiros decidiam e enriqueciam à custa do trabalho dos segundos; uma ideia que Marx pretendia combater, porque considerava que não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida a que determina a consciência[1].

O pensamento de Marx sobre o Estado leva a acreditar que a propriedade é o factor impulsionador para o capitalismo, aumentar a produção e a venda, precisamente para obter mais propriedades e centros de produção; gerando no proletariado, primeiro, uma incapacidade económica de adquirir uma propriedade e, segundo, motivo de instabilidade do bem-estar dos trabalhadores explorados. Contrapomos esta posição, com o pensamento de Thomas Hobbes que, pelo contrário, acreditava que a propriedade podia ser o estímulo primordial para que os indivíduos procurassem uma maior satisfação com a vida, e desta maneira evitassem as guerras, deixando-se guiar por uma lei cujo propósito era alcançar a paz. Se bem é certo que estes filósofos viveram em épocas políticas e sociais muito diferentes, também é certo que a convergência de ideias resultou na diferente perceção sobre a propriedade, nos diferentes tipos de Estado, que segundo Marx, geraria desequilíbrio, na perspetiva de Hobbes o equilíbrio para a paz.

Neste sentido, o objetivo deste trabalho é indagar, primeiro, sobre o desenvolvimento do conceito de Estado em Marx, que defende que a aquisição de propriedade provoca injustiça, porque apenas uma minoria podia adquiri-la, isto é, os capitalistas, enquanto a maioria dos indivíduos, aqueles que realmente produziam, não tinham condições económicas para comprar uma propriedade; e segundo, sobre a importância da propriedade no conceito de Estado de Thomas Hobbes, que acreditava que o indivíduo procurava na propriedade o equilíbrio e o bem-estar, pois como proprietários sentiam-se mais prósperos, evitando as guerras e seguindo sem maiores problemas as leis de um Estado civil.

Assim, nas seguintes secções, apresentado o desenvolvimento do conceito de Estado de Marx, com base, fundamentalmente, no contexto do Manifesto Comunista, deve-se daqui por diante realizar-se uma breve abordagem à ideia de Estado de Hobbes. Ambos os autores tomam o tema da propriedade como desequilíbrio ou equilíbrio de um determinado Estado social.

O conceito de Estado, na teoria marxista, parece ser uma ideia em constante evolução, pelo menos, desde a perspetiva teórica daquilo que representa o alcance e os efeitos do Estado na sociedade. O ponto de partida posiciona-se temporalmente antes de 1848, em que Marx considerava que o Estado era puramente instrumental, ou seja, um utensílio que pretendia satisfazer os interesses comuns da burguesia e, mais tarde, juntamente com Engels, no livro o Manifesto Comunista, os autores advertem que o Estado moderno era como um comité para dirigir os assuntos e interesses comuns da burguesia. O certo é que, para ambos, o Estado não era uma instituição que tivesse existido desde sempre, com propósito social; em tempos, a acomodação foi o custo e parte da atividade que constituiu o eixo de articulação dos vínculos gerados entre a sociedade e o trabalho.

Na realidade, existe um certo condicionamento histórico de ‹‹evitação›› para que o Estado não estivesse munido de uma classe governante, com papeis sociais específicos, tal como o conhecemos; isto surge depois do fim da primeira fase da humanidade, ou seja, como referiu Engels[2] no final do selvagismo. Este conceito alude aos relatos de que o ser humano, nos primórdios, subsistia da caça e da recoleção e, posteriormente, com o desenvolvimento dos instrumentos de trabalho, avançou para a agricultura. Um salto progressivo que se vinculou com dois feitos relevantes: o primeiro incide sobre o aumento da força de trabalho e da riqueza por via da escravatura; quanto ao segundo, na necessidade de manter essa prévia estrutura de exploração humana origina-se a instituição ⎯ Estado ⎯ que se dedicaria a dominar um sistema que favorecia os proprietários dos meios de produção.

Com o tempo, o Estado passou a ser objeto de proteção dos senhores feudais, que a troco do intenso trabalho dos agricultores partilhavam uma muito pequena parte da produção, as regalias, como diziam os senhores. No fim da época feudal surgiu a classe capitalista que detinha a maior parte das mais-valias do trabalho do povo, um capitalismo que se definia como a menor parte da população, mas que dispunha integralmente de todo o trabalho realizado pelos trabalhadores a quem oprimiam e exploravam. Deste modo, conformou-se uma sociedade de classes, com um Estado que nasceu precisamente pelas diferenças entre as classes, mas que acabou por se aliar com a classe que dominava economicamente, tornando-se também uma classe predominante, com os seus próprios meios de repressão e influência.

Como refere o Manifesto Comunista, a luta de classes é um conflito constante na história social e que se define nesta obra como o confronto entre a burgueses e proletários (opressores e oprimidos). Ora, pode-se dizer que aqueles a quem denominavam de “burgueses” procuraram, a certa altura, vender os seus produtos e, quando o efeito produção-venda começou a tomar proporções importantes, a ideia matriz deixou de ser “produzir” para que as pessoas pudessem comer, vestir, viver, entre outras coisas — passou, portanto, a ser “produzir e vender” o mais possível para enriquecer.

Neste contexto, Marx realizou um exercício teórico a partir da critica de Hegel sobre o Estado; este último entendia que Estado e a sociedade eram conceitos e aspetos inseparáveis, ou seja, o Estado era quem assegurava o equilíbrio entre o livre desempenho de interesses do indivíduo, particulares ou universais, em função da ordem, a razão da mesma liberdade do homem.

Para Marx, sobre a teoria hegeliana, aquelas condições de subsistência só poderiam melhorar para a classe dominada, ou seja, o proletariado, na medida em que se pudesse propor uma sociedade sem classes e onde não existisse um Estado capitalista. Esta seria a crítica esperada quando no início do Manifesto Comunista se lê: “Converteu mérito pessoal em valor de troca. E no lugar das incontáveis liberdades reconhecidas e adquiridas, implantou a liberdade única e sem caráter do mercado. Em uma palavra, substituiu a exploração velada por ilusões religiosas e políticas, pela exploração aberta, impudente, direta e brutal[3]” (sobre a burguesia); e mais adiante reitera: “Converteu o médico, o advogado, o padre, o poeta e o cientista em seus operários assalariados.”

Mas não era tudo. Marx referiu que o Estado não podia supor uma ideologia acessória para as ideias e benefícios da burguesia, pois caso contrário acabaria por construir um eixo básico da estrutura que conformaria o capitalismo em si mesmo. Para o autor, este suposto capitalismo tinha de ser aniquilado, por meio de eventos independentes, primeiro, por ser uma época socialista ou pré-revolucionária e, segundo, porque materializar um Estado de tipo comunista permitiria exercer a ditadura do proletariado. Este considerou, ainda, que em ambos momentos existiria um período temporal curto, difícil, mas certamente proveitoso desde a perspetiva moral.

Com o passar do tempo foi possível encontrar outros matizes no conceito de Estado em Marx. Como, por exemplo, na obra A Guerra Civil em França de 1871, sob a influência da Commune de Paris, admitiu acreditar na organização dos trabalhadores através da formação de grupos de combate revolucionário para a destituição dos subsidiários do Estado. Para isso, considerou a possibilidade de um certo controle das forças de segurança (ainda que anteriormente os tivesse julgado como seres burocráticos do Estado), mas nesse momento ponderou que estes poderiam ser articuladores revolucionários na sua suposta capacidade neutral, ou seja, como indivíduos que pertencem a uma sociedade. E sob a influência utópica da visão da Commune de Paris, Marx acreditava que para evitar o Estado capitalista seria necessário excluir os conceitos de propriedade e religião.

Na perspetiva política da burguesia, a propriedade e o Estado teriam de ser elementos inseparáveis, porque o Estado em si constituía-se como um instrumento de repressão, sustentando o sentido e o controle capitalista dos meios de produção e, por essa razão, da propriedade dos mesmos. Ora, de acordo com Marx e Engels, o governo do Estado não seria mais que um grupo que administraria os negócios comuns da burguesia.

Neste contexto, e sucintamente, demos conta da trajetória do conceito de Estado de Marx: o Estado era uma importante e relevante instituição, na medida em que representava o eixo da estrutura capitalista; como tal, propõe-se a substituição do capitalismo por um tipo de comunismo.

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A ideia de Estado que Marx faz remontar a outros supostos do pensamento filosófico, de onde se destaca a criação do Estado para combater o estado caótico em que viviam os indivíduos, é celebrada através de um hipotético contrato. Thomas Hobbes assistiu a cenários políticos e históricos repletos de guerras civis e religiosas, uma situação de constante instabilidade que não só supunha um contínuo risco social para a vida dos indivíduos, como também, uma profunda deterioração na economia inglesa. Neste sentido, o filósofo acreditava que, para assegurar não só a vida, mas também a liberdade e a propriedade, seria necessário terminar com as hostilidades entre os grupos internos, assegurando assim a paz social. A sua preocupação teórica, primeiro, foi compreender os processos psicológicos que levavam os indivíduos a impor-se pela força, os seus desejos e as suas convicções, gerando assim uma guerra de todos contra todos e, segundo, estudar um modo de evitar as guerras.

Esta situação de permanente conflito derivava da condição natural em que o homem vivia, devido à sua incapacidade para estabelecer a paz, contudo, como o bem fundamental era a sua autopreservação, Hobbes considerou que o contrato social seria a condição necessária para instituir um poder visível, capaz de os manter em respeito, forçando todos os indivíduos por meio da coerção ao cumprimento de tal pacto; assim, todos se deviam submeter-se a um Estado.

Até porque em momentos difíceis, como são as situações de guerra, o Estado poderia apaziguar ou apresentar disposição para lutar; isto porque, de certa maneira, todos os membros da sociedade, assim como os governantes, detinham uma certa igualdade física e mental, características de uma mesma espécie, que Hobbes considerava geradora de esperança na igualdade, enquanto capacidade que surgia desde a vontade de conseguir os mesmos objetivos[4]. Assim, o filosofo entendia que o homem tinha uma tendência inata de seguir os mesmos objetivos, como grupo ou como sociedade, muitas vezes pelo temor de perder alguma das características que os definiam como semelhantes.

A condição de guerra permitiu a Hobbes o exemplo ideal para desenvolver a sua ideia de Estado, referindo que nestas condições, sempre tão difíceis, surgia a necessidade de um contrato que mantivesse a justiça, a legalidade e a propriedade; circunstâncias que se verificavam, para o bem e para o mal, porque o homem está em sociedade. Então, a superação de um estado de guerra implicava duas condições: a primeira, por medo à morte, e pela ânsia de melhores condições de vida, além da esperança de o homem poder adquirir uma propriedade através do seu trabalho e ter uma existência mais cómoda; a segunda, a vontade de alcançar um consenso de paz, com base nas leis e mediante a razão. Neste contexto, importa ressaltar que o pensador parte da desordem para poder ordenar a sociedade através da ideia de um Estado.

Para falar das leis da natureza, conforme aliás referiu Hobbes, existe a necessidade de ter em consideração as leis que definem os direitos, pensando que o direito é a liberdade que cada pessoa tem para utilizar as suas capacidades para a sua conservação e fazer aquilo que de maneira racional considere que é o mais adequado para tal fim; por outro lado, a lei é a norma que proíbe a autodestruição ou que o indivíduo se prive dos meios para conservar a sua subsistência. Assim, enquanto cada indivíduo pudesse usufruir do seu direito natural, que lhe atribuía a liberdade de fazer aquilo que considerava necessário, existia também a possibilidade de um Estado de guerra. Ora, devido às diferentes liberdades, resultou a necessidade de cumprir com as leis naturais: a primeira dizia respeito a procurar e viver pela paz – acordo entre os homens; a segunda existia para que o homem se defendesse; a terceira lei assegurava o cumprimento dos pactos celebrados.

Importa referir que a segunda lei (defender-se) não implicava que a pessoa perdia o seu direito natural ou que não o pudesse atribuir a um terceiro; pelo contrário, Hobbes considerava que este direito era a forma de evitar que outros impedissem que se pudesse fazer uso do próprio direito natural. Ainda assim, existiam outras formas de renunciar ao direito natural, como a abdicação em si; isto implicava que quem renunciasse ao seu direito não se devia importar com quem beneficiasse da sua decisão; ou por transferência, quando a sua renúncia se convertesse em um benefício para outro indivíduo ou para um determinado grupo de pessoas. No obstante, quando a transferência se realizava com base na amizade, reputação, entre outros aspetos positivos, poderia referir-se como a uma doação, liberação ou graça.

Conforme o exposto atrás, Hobbes entendia que os contratos se realizavam unicamente entre pessoas, considerando pessoa aquela cujas ações e palavras podiam tomar-se como própria (pessoa natural) ou como representante das palavras e ações de outro indivíduo ou instituição; por exemplo, o caso da igreja, o tipo de instituição que por ter uma representação de autores ou pessoas associadas, não se podia personificar sem um estado de governação civil, ou seja, social. O pensamento de Hobbes ascende a uma questão pertinente, o cumprimento dos acordos; isto porque, para evitar a guerra, cumprem-se acordos, e em situação de guerra os acordos, pelo geral, perdem a sua validade. Este temor também surgiu pelo facto de que uma das partes pudesse ter prometido algo que não tenha capacidade para cumprir — porque se as partes assentam em promessas e comprometem-se a cumpri-las, então, elas passam a ser condição obrigatória do acordo e a impossibilidade de invalidar uma promessa assegurada.

Ora, a impossibilidade de cumprir uma certa promessa, por uma das partes, levaria a um processo de abolição ou invalidação do pacto, principalmente, por duas vias: pelo cumprimento (ou fim natural do compromisso) ou pela remissão. Esta última consistia na retransmissão do direito outorgado no acordo, isto é, na restituição da liberdade ao contratante que originalmente possuía esse mesmo direito; por outro lado, ao mesmo tempo, salvaguarda-se a esperança que qualquer homem pudesse ter em manter a sua liberdade podendo, assim, cuidar da sua própria conservação como ser — por outras palavras se pode dizer o mesmo para a necessidade que o indivíduo sente de estar afastado das guerras e de evitar que as leis naturais se transformem em elementos que contradigam as paixões naturais que toda pessoa tem. Daquilo que dissemos, a metodologia que poderia assegurar o direito natural de uma pessoa (ou de um grupo de indivíduos) com interesses comuns seria o contrato que permitiria a formação do Estado, por meio do temor, e como forma de preservar a sua vida, a liberdade e a propriedade, através de um contrato social.

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A conceção de Hobbes do Estado implicava que a igualdade natural dos homens no contrato correspondia à função de preencher as condições básicas da sua validade e convidava à reflexão sobre as vantagens da cooperação, onde o Estado seria o produto da resignação de uma parte do poder dos indivíduos, com o propósito de reencontrá-lo ampliado na representação da força (que supostamente aumentaria) e no poder possível de dissuasão sobre toda a sociedade, para assim manter a perpetuação da paz. No obstante, para que o postulado anterior fosse possível, o argumento da aquisição da propriedade foi fundamental, porque permitia aos cidadãos aspirarem a uma vida mais tranquila, sem guerras e, como tal, com o desejo de adquirir uma propriedade, de ter uma família, cuidá-la e ganhar satisfação com a vida.

Mas o pensamento teórico de Hobbes sobre o papel do Estado e da propriedade acabaria por ter consequências na definição e construção dos espaços políticos e económicos das nações europeias. Uma das consequências mais notória foi a consolidação do planeamento moderno, na medida em que não se verificou uma preocupação nem pelas condições de uma ordem social justa, nem com os limites do poder soberano, que para assegurar a paz poderia utilizar todos os meios necessários de coerção. De igual forma, Hobbes colocou o problema da interação social entre os indivíduos como uma ação contraditória e competitiva e não organizada sobre a ideia de um bem comum — uma ideia que marcaria o pensamento moderno e os dias de hoje.

A constituição de um Estado civil para Hobbes foi o elemento primordial para a obtenção da segurança e da paz, que qualquer sociedade necessita para preservar as suas propriedades e assim poder prosperar; e para isso apenas teriam de se submeter ao poder do soberano (um homem ou uma assembleia de pessoas), mediante o voto. Este seria o processo que procuraria a verdadeira unidade entre todos os indivíduos, porque a função do Estado é, em consequência, garantir a segurança interna e externa da comunidade, ou seja, assegurar a paz.

Com o passar dos anos as sociedades organizar-se-iam e, aumentada a injustiça por meio da constituição de classes (isto no sentido de que umas classes detinham maior poder económico que outras), curiosamente, as minorias eram as que mais poder económico detinham em comparação com a maioria, que trabalhava para comer e sobreviver, sem qualquer possibilidade de poder sonhar com a tão ambicionada propriedade.

Neste contexto, o pensamento de Marx decorre de um progresso onde a propriedade passou a estar determinada pelas formas de produção; como tal, assumiu um carácter histórico, isto em oposição à sabedoria burguesa, que definia a existência da propriedade privada como imutável e eterna. Pensando no regime capitalista, a base para as relações de produção é a propriedade privada sobre os meios de produção e, como consequência, avultava a inexistência de propriedade entre os trabalhadores, os obreiros assalariados, que carecendo de meios de produção, estão “obrigados” a vender a sua força de trabalho ao capital, para poder sobreviver, não tendo qualquer condição económica para adquirir uma propriedade.

Uma vez que o poder público passou a estar aliado e preocupado com os interesses da burguesia, constituiu-se como uma classe governativa que não permitia aos trabalhadores (proletariado) ter a oportunidade de viver com dignidade e, inclusive, de aspirar a ter uma propriedade; Marx propõem a entrega do Estado ao desempenho comunista, sem propriedade (isto é, ninguém, a não ser o próprio Estado, deve usufruir da propriedade) e assim, tentar manter a unidade e coesão social, alcançando a tão aspirada paz.

Assim podemos pensar que em Hobbes nasce a necessidade da organização de um Estado protetor. Mas, uma vez satisfeita a necessidade social de paz, parecem surgir as classes sociais e, com estas, a vontade de possuir propriedades — isto leva a um crescimento desigual, fruto do capitalismo, que tem como consequência a exploração do trabalho do proletariado, que finalmente não podia ambicionar à propriedade por falta de dinheiro. O pensamento de Marx evidencia, pois, a necessidade de acabar com a propriedade, uma vez que não se pode acabar com o Estado, de forma a encontrar alguma justiça para o proletariado.

Parece importante recordar a Utopia de Thomas More, que, sendo uma obra moderna e visionária, reflete sobre as ideias prematuras do socialismo e até do comunismo, aspetos que só se viram reforçados 300 anos depois, com as contribuições de Karl Marx. Uma Ilha “perfeita” com um governo de todos e onde as decisões são conjuntas com o povo (através de certos mecanismos), com uma distribuição da riqueza “justa”, sem direito à propriedade, mas com igualdade laboral, tempo de lazer para todos; sem religiosidade, pelo contrário vivia-se de crenças (ação psicológica), onde os mais velhos eram o símbolo do conhecimento e da experiência e por isso detinham o pequeno poder (familiar). Em suma, a representação de uma felicidade pessoal e social, à exceção dos estrangeiros e dos condenados, que em ambos casos exerciam o papel de serviçais dos demais.

Atualmente, parece impossível pensar num Estado Marxista ou Hobbesiano, com lugar para o antropocentrismo radical, onde o indivíduo é o centro, a natureza e a divindade, ou, em alternativa, para o humanismo simplificado, que tem como base pensadores extraordinários, mas difíceis de compreender e, por isso, com obras reduzidas a frases motivacionais.

Estes parecem ter sido, também, os pontos iniciais para o Príncipe, de Nicolau Maquiavel: reduzir e simplificar como estratégias, o dividir para governar; claro está que, perante as alterações de poder, pouco importa de quem é a propriedade senão de quem será depois da “guerra”. Este é necessariamente o risco de reduzir e simplificar, porque as ideias são um produto do conhecimento e devem estar contextualizadas, caso contrário o mais provável é que a expressão verbal das ideias mude e se mantenham os mesmos ideais, além da subjugação do proletariado pelo poder económico.

Referências Bibliográficas e Bibliografia

Engels, F. (2019). A origem da família, da propriedade privada e do Estado. São Paulo: Boitempo.

Hobbes, T. (2015). Leviatã: ou matéria, forma e poder de uma Républica eclesiástica e civil. Brasil: Editorial Edipro.

Maquiavel, N. (2022). O Príncipe. São Paulo: Novo Século Editora.

Marx, K., & Engels, F. (1980). Manifesto do Partido Comunista. Madrid: Akal.

Moro, T. (2015). Utopia. Barcelona: Editorial Ariel.

  1. Marx e Engels, em O Manifesto Comunista

  2. Engels, em A origem da família, da propriedade privada e do Estado

  3. Marx e Engels, em O Manifesto Comunista

  4. Hobbes, em Leviatã