A azulejaria é um daqueles tópicos que nos recorda a ubiquidade da cultura. É uma tradição decorativa tão bem integrada na cultura e na paisagem portuguesa, que só a notamos na sua ausência. O azulejo encontra-se presente nas nossas residências, ruas, espaços públicos, igrejas e monumentos históricos. É uma arte já com uma longa história na Península Ibérica e também no mundo. Originalmente introduzida pelos romanos com os seus mosaicos, retomada e reintroduzida pelos padrões geométricos infinitamente repetíveis da cultura islâmica, herdada e transmutada pelas culturas cristãs, a azulejaria em si é um ramo entre muitos no autêntico tronco que é a arte feita a partir de peças. Alguns dos ramos vizinhos da azulejaria, que é feita principalmente em peças de argila vidrada, são por exemplo os mosaicos e os vitrais. Em Portugal, as duas artes de peças que predominam são o azulejo e a calçada.
Neste pequeno apontamento, falarei um pouco do azulejo, de como este se enraizou na cultura portuguesa, evoluiu e como se mantém relevante ainda hoje.
A azulejaria portuguesa tem as suas origens na decoração mosaica muçulmana, cujo extenso uso de padrões geométricos repetíveis é uma das características que a azulejaria portuguesa ainda hoje retém. É com este tipo de azulejo que os cristãos das Astúrias se vão deparando, à medida que as praças muçulmanas vão sendo conquistadas, fomentando assim lentamente o gosto por esta arte. Surge deste modo a azulejaria, um aportuguesamento da palavra árabe al zuleycha, uma continuação da arte mosaica num novo contexto cultural. Partindo da tradição andaluza, as primeiras produções de azulejos portugueses iniciam-se a partir do século XV. Os primeiros exemplos correspondem à heráldica e a temáticas religiosas, refletindo o interesse inicial por parte da nobreza e da igreja.
Até ao século XVI, a esmagadora maioria dos azulejos era feita a partir do aquecimento de pós metálicos sobre uma placa de argila. Cada tipo de metal produzia uma cor diferente ao vidrar-se e solidificar-se a altas temperaturas.
É no século XVI que surge outro pilar formativo da azulejaria portuguesa: a técnica majólica italiana, que permitia a aplicação direta de tinta no azulejo em vez da utilização de pós ferrosos. A majólica não só facilitou drasticamente o fabrico de azulejos como possibilitou novas formas de expressão artística que ultrapassaram a lógica da arte por peças. A majólica também foi responsável pela integração de pintores profissionais na prática, um passo importante no amadurecimento da azulejaria, agora em diálogo com as técnicas de pintura e seus desenvolvimentos. Assim, a qualidade do traço e o detalhe das obras melhoram consideravelmente a partir de finais do século XVI, algo que contribuiu para a profissionalização e afirmação social do que era até essa altura ainda um nicho artístico.
No século XVII, as produções de arte plástica portuguesas já se distinguiam das restantes da Europa, tirando partido do uso de elementos exóticos asiáticos e africanos. De facto, reflexão do império ultramarino, o imaginário artístico português incluía com maior predominância e familiaridade de objetos, paisagens, flora e fauna africana e asiática, algo que se refletia também na azulejaria. Como exemplo temos o Convento de Jesus em Setúbal, onde se destaca um elefante a apoiar um palácio num painel de azulejos numa das paredes interiores da Igreja.
O último momento fundador da azulejaria portuguesa manifesta-se na influência do maneirismo da Flandres, movimento artístico precursor da pintura barroca. Acompanhando simultaneamente a majólica, o maneirismo tornou-se a expressão base da azulejaria portuguesa do século XVII. O gosto dos clientes continuava firmemente ligado à influência original, preferindo produções da Flandres em vez de produções locais. Em finais do século XVII, em reação ao monopólio holandês e aos novos gostos artísticos, as oficinas portuguesas alinharam-se com pintores de grande destaque, como António Pereira, Manuel dos Santos e António Oliveira Bernardes e filho. Estas figuras transferiram, com grande sucesso, a pintura barroca para o azulejo. Este Ciclo dos Mestres possibilitou um contínuo crescimento da indústria da azulejaria portuguesa, a abertura de novas oficinas e o melhoramento das técnicas.
O Ciclo dos Mestres corresponde à altura em que a azulejaria portuguesa se integrou por completo na matriz cultural portuguesa. A partir daqui, a história do azulejo passa a acompanhar a história de Portugal, não só artisticamente, mas também cultural e socialmente. Pela primeira vez, a azulejaria portuguesa segue os seus próprios caminhos, possuindo agora um vigor artístico próprio e tornando-se inclusivamente uma fonte de inspiração internacional. A partir do século XVIII, a azulejaria deixa de ser somente um nicho arquitetónico, adquirindo uma expressão cada vez mais pública e universal com o avanço do tempo.
Artisticamente, o barroco substitui o maneirismo como expressão dominante do azulejo. Caracterizado pelo detalhe exaustivo, pelo foco no realismo das figuras e pelo estilo grandioso, o barroco encontrou no azulejo uma nova dimensão de decoração, sendo uma alternativa eficaz à pintura decorativa, feita em placas de madeira. Emulando o bicromatismo da decoração barroca, o azulejo passa a ilustrar cenas bíblicas e hagiografias do cânone católico com o icónico azul sobre branco, complementando os tons brancos e dourados típicos da arquitetura barroca. De facto, a azulejaria é uma técnica decorativa intrinsecamente ligada à arquitetura, acompanhando assim muita da mesma evolução estética.
A azulejaria provou ser uma adição tecnológica perfeita ao barroco português. Uma especificidade deste era a filosofia aditiva da sua aplicação. De facto, devido à extensão do império português, era prática comum deixar espaços vazios nas obras arquitetónicas para quando posteriormente houvesse novos recursos e/ou oportunidade, adicionar elementos decorativos. Esta é uma característica comum a muitos edifícios administrativos e religiosos da época moderna, tanto em Portugal como nos domínios coloniais. A azulejaria encaixa-se perfeitamente neste contexto, sendo de fabrico e instalação relativamente fácil e flexível, devido à sua natureza modular, que simplifica consideravelmente a manutenção e modificação dos trabalhos.
O terramoto de 1755, apesar de levar à perda de muita da produção lisboeta feita até à data, foi uma oportunidade para o amadurecimento artístico e redefinição social do azulejo. Por um lado, abriu caminho ao movimento artístico do rocaille, ou rococó como é popularmente conhecido, na azulejaria. O rocaille como movimento artístico pode ser descrito como um amadurecimento das práticas do barroco, no sentido em que tenta responder aos problemas do barroco, mantendo ao mesmo tempo o seu espírito. Comparativamente ao barroco, a arte rocaille usa elementos decorativos mais diversos em menor quantidade, rejeita o bicromatismo em favor de um balanço de cores, o que o torna visualmente menos exaustivo e mais equilibrado. O roxo e o amarelo surgem para suplementar o branco e o azul. Por outro lado, o uso extensivo do azulejo na reconstrução de Lisboa solidificou a função pública deste. O azulejo propaga-se dos palácios e das igrejas para as ruas. Estas mudanças artísticas e arquitetónicas foram possíveis graças ao apoio direto da Coroa, mais precisamente do Marquês de Pombal. A partir da chamada Real Fábrica do Rato, em Lisboa, o rococó foi introduzido em Portugal, ficando conhecido como o azulejo pombalino.
Contudo, a estadia do rococó em Portugal foi breve. Devido à associação que este movimento artístico teve com o Marquês, a sua substituição foi inevitável em finais do século XVIII pelo neoclássico de D. Maria I. Usando a mesma Real Fábrica do Rato, a Coroa portuguesa começou a liderar os percursos artísticos da azulejaria portuguesa, uma reflexão do absolutismo iluminado que dominava o poder político do Portugal do século XVIII.
Durante o século XIX, século de continuidades, novidades e rupturas, onde velhas estruturas se moldam face à força do tempo, surgem novas capacidades tecnológicas e mudanças culturais que levam ao inevitável aparecimento de novos tipos de arte e gostos artísticos. O azulejo transforma-se em resposta às novas circunstâncias desta época. Contudo, esta transformação teve de aguardar até à década de 1830, aquando das invasões napoleónicas e subsequente guerra civil entre absolutistas e liberais. Com uma monarquia constitucional às margens da revolução industrial, o contexto português levou ao aparecimento de novas fábricas de azulejaria, que trouxeram consigo uma nova geração de artistas com ideias e técnicas próprias. As novas tecnologias industriais fazem-se sentir na arte. A maior eficiência dos métodos de produção permite já uma aplicação do azulejo como arte pública, começando a aparecer em fachadas de edifícios. Aliás, com as melhorias na produção, o azulejo ganha uma nova clientela nas novas classes médias, enriquecidas nas colónias ou no próprio país. O azulejo aparece assim dentro de lojas e estabelecimentos comerciais da classe endinheirada, adquirindo também uma função publicitária. A realizar esta função temos a Arte Nova, movimento artístico europeu da passagem do século XIX para o século XX, que teve bastante expressão na expansão urbana, em particular na região do Porto. Surgem também azulejos com relevo, permitidos pelas novas técnicas e que, ainda hoje, constituem um nicho na azulejaria portuguesa. Vemos assim que, devido a estas influências e novidades, a azulejaria do século XIX é rica em diversidade artística e função. Padrões geométricos, representações de eventos mitológicos e do quotidiano, efígies, são alguns dos exemplos da produção desta época.
Esta variedade e vigor artísticos continuam em força no século XX, sempre acompanhando a evolução estética da arquitetura. Nas décadas de 20 a 40 assistimos ao predomínio da Arte Déco, movimento das cenas abstratas e do rígido geometrismo. A partir da década de 40, quando o Estado Novo toma as rédeas estéticas da arquitetura, a azulejaria torna-se um entre muitos meios de transmissão dos ideais do Estado Novo. Apesar do elo propagandístico, a azulejaria não perde o seu característico vigor artístico, que se alarga com a democratização em 1974. Querubim Lapa, Carlos Botelho, Jorge Barradas, Carlos Cavet, Paulo Ferreira, são alguns dos muitos artistas cujas obras definiram a estética da azulejaria do século XX. Possibilitaram esta produção aumentada o alargamento dos espaços urbanos e a construção de novas infraestruturas públicas, que criaram muito vazio com necessidade de ser decorado. Os passageiros de estações de comboio e de metropolitano foram, sem dúvida, uns dos grandes beneficiários deste processo.
Nos tempos atuais, a azulejaria continua viva e de boa saúde. Não tem falta de artistas, diversidade estética, expressões próprias e funções sociais. É hoje em dia uma arte muito apreciada nacional e internacionalmente, um dos muitos orgulhos portugueses.