O Distúrbio Obsessivo-Compulsivo, a Criatividade e o Direito à Fobia

Destacamos com prazer um dos distúrbios neuróticos mais associados à criatividade, mais bizarros, mais lúcidos, cujo carácter simples esconde tanto características de raciocínio complexo como de profunda agonia para o seu portador. Trata-se do transtorno da obsessão-compulsão, com incidência sobre cerca de 2,5% da população no ocidente, caracterizado de modo geral pela necessidade imperativa de efectuar pequenas repetições de actos físicos e de actos mentais, particularmente mas não só de rituais de higiene (uma das formas mais comuns e mais estereotipadas), rituais quotidianos, gestos e acções importantes, etc. Alguns exemplos são encontrados em figuras históricas da criatividade artística e científica, como Samuel Johnson, viciado em repetir gestos aquando da transposição de um espaço para o outro (uma porta, uma fenda no pavimento, etc.); David Lynch, focado em comer exactamente a mesma refeição todos os dias durante mais de 7 anos e por vezes interessado em conduzir ao longo do quarteirão até encontrar uma matrícula com capicua (para começar bem o dia, diz); Nikolas Tesla, fascinado com contagens de passos, mastigações, travessias, etc., em geral associadas ao número três ou a múltiplos (um número muito comum para a condição); e Howard Hughes, o caso mais conhecido, que terminou na dramática reclusão e incapacidade de higiene básica mas que começou discreto, também associado a contagens, separações meticulosas entre objectos, perfeccionismo e lavagem de mãos e corpo. É uma condição muito curiosa: ao longo do padecimento da mesma aparentemente o sujeito mantém-se inteiramente lúcido, ou seja, não ocorre aquilo a que se chama uma psicose, o alheamento da realidade através de efabulações ou alucinações sensitivas, mas mesmo dentro dessa lucidez e, se calhar, fortalecido paradoxalmente pela mesma, existe a compulsão irresistível da repetição desses pequenos gestos ou pensamentos, desde os mais coloquiais aos mais impactantes. A sua ligação à criatividade parece inegável e de facto talvez seja interpretável tanto através do perfeccionismo como do excesso de atenção a pequenos nadas, disposições necessárias ao trabalho bem feito. Vícios mentais esse que, porém, apesar de se bem direccionados serem vitais para uma boa obra artística ou técnica, resultam, se deixados sem controle, numa evidente agonia extrema para o seu portador e eventualmente na incapacidade de realizar uma vida mundana normal. Deixamos aqui esta que é, no fundo, uma homenagem a esta intrincada disposição mental.

Depois, abordámos confusões conceptuais no discurso público, e até versando sobre matéria legislativa, sobre o direito a ter “fobias“. Aparentemente, no argumentário académico contemporâneo, particularmente no universo anglo- saxónico mas também fora do mesmo, e também fora do universo académico, no registo coloquial de conversas intelectuais entre pessoas, uma certa “carta“ recorrente tem sido a de acusar o interlocutor de ser “qualquer-coisa-ista“ ou “fóbico“, querendo dizer que as suas opiniões têm determinadas características, em geral de indivíduos ou grupos, como possuindo uma conotação negativa a partida e portanto resultando isso em o seu argumento estar minado à partida. Ora isto é falso por duas razões, ou melhor, de duas maneiras: primeiro, se for de facto o caso, não é por alguém ter uma opinião negativa sobre um conjunto de características que verá, por razões de ordem moral, a forma lógica do seu argumento imediatamente invalidada; segundo, na maior parte das vezes que esse “trunfo“, que mais não serve do que como término artificial da conversação, é usado, é usado sem qualquer sentido, ou seja, atribuindo ao interlocutor uma posição generalista e preconceituosa que o mesmo não está de todo a ter. De qualquer modo, o facto que convém lembrar é o seguinte: numa sociedade aberta, numa democracia de pleno direito civil da liberdade de opinião e de expressão, qualquer pessoa tem o direito de ter as opiniões negativas sobre indivíduos, grupos de indivíduos, sobre características de indivíduos e sobre o que bem entender, mesmo que essas opiniões se aventurem no terreno do absolutamente pouco recomendável ou aberrante. Isto inclui racismos, etnocentrismos, homofobia, machismo, antissemitismo, tudo. Inclui até a versão de modo geral aquilo que alguns chamam “estupidez da religião“, como alguns ateus, muito tantos militantes, frequentemente referem (serão “teofóbicos”?) ou a opressão inerente à existência do estado que os anarquistas ou algumas variantes de liberalismo económico radical considerariam como absolutamente negativa (são “estadofóbicos”?)´. Ou seja, o ideal talvez possa bem consistir em, depois de sujeito a uma acusação dessas (“isso é fascista!” “Isso é homofóbico” “isso é antisemitico!”), o autor se confesse desde logo partidário de todos esses estados mentais e mais alguns, mesmo que tal não seja verdade (validando assim a fantasia: “aos malucos nunca se diz que não”), replicando de seguida: “será que a partir de agora podemos ter uma conversa séria”? Por último, deixamos, para queda final na espiral do disparate da perda de tempo de todo este onanismo moral, a melhor de todas as fobias: a FOBOBIA: o medo de ter fobias! Consultem em https://embracechangetherapy.com/2020/10/19/phobias/ ou noutras paragens.