Sugestões de Cinema: Nojo, Gays e Terrorismo

Pensámos inicialmente destacar, numa determinada sexta-feira, dia da semana sempre inclinado para o tempo livre nocturno e para o cinema, filmes sobre radicalismo islâmico terrorismo. Mas para não enjoar, e é um tópico certamente enjoante, mudámos a agulha e entendemos destacar antes quatro filmes sobre nojo, manifesto de variadas maneiras.

São eles o lendário Repulsion (1965), de Roman Polanski, estrelando a fantástica Catherine Deneuve num dos seus primeiros papéis de relevo, interpretando uma jovem adulta pueril tentando navegar o mundo das relações humanas com o sexo oposto, sendo que a obrigatoriedade social de tal préstimo só lhe causa um silencioso e tenso sentimento de nojo em relação a todo o corpo masculino e tudo o que é orgânico e carnal; The Aviator (2004), de Martin Scorsese, retratando o mergulho do famoso magnata da aviação e do cinema Howard Hughes no distúrbio da obsessão-compulsão, que se reflecte numa tal fixação doentia por padrõesordem pequenos hábitos cujo sub-produto muito nocivo é o absoluto nojo da realidade quando esta não se adequa a esses esquemas mentais; For the Love of Nancy (1994), de Paul Schneider, talvez a película mais objectivamente dedicada ao distúrbio alimentar da anorexia nervosa que, como é típico, desponta numa adolescente do sexo feminino e evolui até estados verdadeiramente dramáticos e quase terminais; e American History X (1998), de Oliver Stone, sobre racismo branco dirigido a negros na América contemporânea, que ilustra com vigor, apesar de com algum dramatismo de segunda categoria, o vivo ódio palpável nojo que é possível enculturar em pessoas e em pequenas ou grandes comunidades tanto quanto à identidade rácica do próximo como quanto à partilha do espaço da próprio com a mesma, sendo também um nojo do próprio espaço cívico comum e da própria identidade racial em última análise.

Mas noutra série de recomendações, trouxemos tópicos mais “alegres”: quatro excelentes recomendações de cinema gay. Um colega nosso considera que Red, White and Royal Blue (2023), acabado de lançar há menos de um mês e meio, é o melhor filme que viu este ano. Não sabemos julgar essa afirmação, mas concordamos em absoluto que é um excelente filme e por isso a primeira das nossas recomendações de hoje. Neste filme, Alex, o carismático filho de uma ficcional Presidente dos EUA, e Henry, príncipe inglês filho da herdeira do trono de um também fictício Rei Jaime III, que há anos não se suportam, são forçados por razões de estado a fingir ser grandes amigos depois de involuntariamente causarem um muito hilariante incidente diplomático. A convivência forçada desfaz o “orgulho e preconceito” das primeiras impressões e os dois acabam por se apaixonar, começando por viver a sua relação em segredo por receio das implicações políticas da mesma. Por atenção a quem vive em Marte e ainda não sabe o que acontece a seguir, não revelamos o fim, mas podemos dizer que a dada altura alguém sai literalmente de um armário, numa cena absolutamente brilhante. Vejam, que ê imperdível. O segundo filme trata-se de And Then We Danced (2019), uma co-produção georgiana, francesa e sueca realizada por Levan Akin, e passado no universo belo mas claustrofóbico da dança tradicional georgiana e tendo como protagonistas dois dançarinos, Merab (Levan Gelbakhiani) e Irakli (Bachi Valishvili). É um filme de uma beleza sublime, ao mesmo tempo apaixonada e controlada, que vai de momentos de absoluta glória até à tragédia sufocada sem nunca deixar de ser irrestível no enredo e na estética. Sem dúvida, uma das mais belas obras de cinema gay de sempre. Não podíamos recomendá-lo mais entusiasticamente! O terceiro é Firebird (2021), com Tom Prior e Oleg Zagorodnii. Passado na União Soviética nos anos 80, tem por protagonistas dois jovens militares cujo amor proibido e profundo tem por pano de fundo a sociedade comunista da URSS no seu estádio tardio, com a decadência e austeridade sócio-económica, a homofobia endémica e, é preciso dizê-lo, o encanto algo irresistível de um belo sonho condenado a falhar: sem dúvida, um filme imperdível para qualquer amante sério de cinema, mesmo aqueles olimpicamente indiferentes aos aos peitorais de Tom Prior, que serão poucos (?). Por fim, não podemos deixar de recomendar vivamente, não um filme, mas a série Heartstopper (2022-presente), infinitamente terna, de uma beleza primeva e de uma intensidade emocional considerável ainda que suave e reconfortante quanto à esperança, que muitos ainda vão tendo, de que o ser humano possa, afinal, ser possuidor de características redentoras e de qualidades humanas que fazem com valha a pena conhecer a espécie. Esta série retrata um romance de adolescência entre dois rapazes de uma escola inglesa e apresenta um lado poucas vezes descortinado para lá da gritaria de activistas e anti-activistas: a absoluta normalidade humana do amor homosexual e a possibilidade astutamente concebível de este ser uma grande dádiva e não um grande sofrimento. Não deixem de ver!

Por fim, abordamos finalmente, em termos de sugestão de cinema, o tema verdadeiramente mais enjoativo, iniciando com a seguinte introdução. No nosso ver, não existe contexto justificativo possível para actos de terrorismo bárbaros dirigidos a civis no presente estado da civilização global. Não são enquadráveis na normalidade do conflito militar nem podem ser justificados sob qualquer ética de “resistência”, “independência” ou “luta contra a opressão”: são simplesmente acções abjectas que não cabem em parte alguma da nossa cultura. Sublinhamos essa posição com muito ênfase. Em resposta a alguns que resolvem falar da “luta” e da “opressão” dos árabes palestinianos, num momento de resposta militar ao domínio de uma região por um grupo terrorista — que assume frontalmente que o é e quais são os seus objectivos, ao contrário do que alguns agora fingem esquecer — não consideramos apropriado de momento falar em primeiro lugar dessa mesma “luta”, que pode querer dizer muitas coisas — luta contra a existência de um estado israelita, luta pelo direito a um estado próprio, várias vezes rejeitado pelos seus dirigentes, etc. — num cenário de rescaldo de actos completamente abjectos confessados pelos próprios e, principalmente, enquadrados dentro da sua ética aberrante, numa situação militar de guerra civil que dura há mais de 100 anos. Lembramos assim hoje não a “luta da palestina” — que, como já vimos, pode querer dizer muitas coisas, algumas recomendáveis e outras em absoluto não recomendáveis — mas sim nove filmes sobre terrorismo, particularmente de inspiração islâmica, um método de combate que reprovamos em absoluto em qualquer circunstância e que apelidamos de abjectomonstruosocovarde sem qualquer racionalidade nem carácter, próprio de quem se recusa a confrontar o inimigo com honra em cenários de guerra convencional. Aqui estão eles: Munich (2005), de Steven Spielberg, retratando a vingança israelita após o rapto e execução de atletas olímpicos; Zero Dark Thirty (2012), de Catylin Bigelow, ficcionando o trabalho das agências de informação que levou à captura do líder da força terrorista al-qaedaUnited 93 (2006), de Paul Greengrass, retratando a luta dos passageiros de um avião sequestrado, infelizmente vitimados; The Reluctant Fundamentalist (2012), baseado no romance de Mohsin Hamid, sobre as aproximações de um muçulmano moderado ao extremismo e suas razões; Belém (2013), de Yuval Adler, sobre a relação entre um agente da força secreta israelita e o seu informante árabe palestinianoO Atentado (2012), de Ziad Doueir, sobre um cirurgião árabe vivendo em Israel que descobre o envolvimento da sua mulher em actos terroristasO Paraíso, Agora! (2005), de Hany Abu-Assad, com dois amigos de infância que são recrutados para bombismo suicidaHotel Mumbai (2018), de Anthony Maras, sobre os ataques terroristas num hotel em Mumbai; e 13 Hours: The Secret Soldiers of Benghazi (2016), de Michael Bay, sobre o cerco e ataque à embaixada dos Estados Unidos na Líbia. São todos excelentes obras de ficção, de variadíssimas proveniências, e que destacam, sob várias e necessárias vertentes, um problema que é um problema real e significativo até mais para as populações do mundo árabe em geral do que para o resto do mundo: o problema do terrorismo de inspiração islâmica.