Citações de Dos Privilégios E Prerrogativas que o Feminino tem por Direito Comum E Ordenações do Reino mais que o Masculino, obra entregue a Sua Majestade D. Catarina de Áustria [Rui Gonçalves, 1557]

ABSOLUTIO

As pessoas que ofendem ou fazem injúrias a religiosos & pessoas eclesiásticas, incorrem pelo mesmo feito em excomunhão, da qual não podem ser absolutos senão pelo Sumo Pontífice: salvo quando a pessoa que incorrem em tal excomunhão está em artigo de morte, porque neste caso pode ser absoluto pelo Bispo da sua Diocese. E se alguã mulher incorrer nesta excomunhão & sacrilégio, pode ser absoluta por seu Bispo & Prelado, satisfazendo à pessoa ofendida & injuriada sem ser mais obrigada a haver absolvição do Sumo Pontífice. No qual benefício & prerrogativa são as mulheres de melhor condiçã & mais favorecidas que o masculino, & cõ muyta razão, porque seria coisa muyto perigosa a sua honestidade & honra irem buscar absolvição a partes tão remotas.

ABSENTIÆ CAUSAS

O que é acusado por delito em que há lugar pena de açoutes, ou outra mor pena que degredo temporal, há-de parecer pessoalmente em juízo se não está preso, pera se livrar do crime porque é acusado, & não pode livrar-se por procurador. E se for impedido de tal & tão evidente necessidade, que não possa parecer em juízo pessoalmente, em tal caso pode mandar alegar a razão de seu impedimento & ausência por procurador, & por qualquer pessoa do Povo, inda que seja mulher por que pera alegar as causas da ausência & impedimento pode a mulher parecer em juízo. No qual privilégio é igual com o masculino, & é limitação dos direitos que dispõe que a mulher não possa ter procurador, porque o poderá ser pera alegar as tais causas & impedimento.

ACCUSARE

Os acusadores que acusam alguns presos ou a outras pessoas que são obrigadas livrar-se em juízo parecendo pessoalmente: como são os que se livram com Alvarás de França, ou Cartas de Seguro, não podem acusar na primeira instância por procurador, porque são obrigados parecer em juízo pessoalmente a acusar os presos & seguros, tirando as pessoas que têm os privilégios & liberdades concedidos ao regedor & desembargadores. E em favor do feminino as mulheres que querem acusar alguns presos, ou pessoas das que são obrigadas parecer em juízo pera se livrarem, podem acusar por procurador assi na primeira instância como no caso de Apelação, sem serem obrigados parecer em juízo, como os homens, dando França às custas, emenda & corregimento, & hão-de parecer quando lhe for mandado pelos Juízes do feito. Neste benefício é o feminino de melhor condiçã que o masculino, pois pode acusar por procurador.

ACTIO BONE FIDEI

A Ação que comete à mulher pera pedir seu dote tanto que o matrimónio se aparte é Ação que o direito chama de boa-fé de que há muitas. E é muito grande benefício & prerrogativa, porque por virtude da tal Ação pode a mulher haver o interesse, frutos & usuras do dote, do dia que lhe retardarem o pagamento em diante, & gozará de muitos privilégios que têm as Ações de boa-fé. Na qual prerrogativa é igual o marido com a mulher, porque a Ação que tem pera pedir o dote que lhe for prometido é outrossim de boa-fé.

ACTIO FAVORE DOTIS

Regra é de direito que nenhuma pessoa pode ser ouvida em juízo pera demandar outra sem ação porque é necessário fundar seu direito na ação que tem. E enquanto não tiver ação eficaz pera fundar nela seu direito não há-de ser ouvido. As mulher porém em favor de seu dote sem embargo de não terem ainda ação há-de ser ouvidas em juízo, & de equidade o juíz lhe supre sua ação, ou podem intentar uma que o direito chama ação in factu. De sorte que neste privilégio é o feminino de melhor condiçã que o masculino, pois pode ser ouvido em juízo antes de ter ação ACTIO FURTI

A pessoa que faz algum furto é obrigada por ação de furto, & tem pena de morte se furta valia de marco de prata, ou meio marco, entrando em alguma casa que está fechada, conforme a Ordenação deste Reino, posto que de direito comum não tivesse pena de morte. A qual ação de furto & pena não se dá contra a mulher que durando seu matrimónio fizer algum furto a seu marido: porque diz o Jurisconsulto, que por honra do matrimónio não se há-de dar ação infame contra a mulher, somente podem pedir as cousas que foram furtadas, ou sua valia sem mais pena alguma. Nem se pode impedir a mulher a restituição de seu dote por as cousas que tomou ao marido durando o matrimónio. E não somente procede isto na mulher que faz furto a seu marido, mas também há lugar quando alguma mulher solteira está por barregã de homem solteiro, ou casado, ou clérigo, ou religioso, & lhe fugir & levar qualquer cousa furtada ou roubada, porque não poder ser por isso demandada, nem haverá pena alguma conforme à Ordenação deste Reino, sem embargo do direito comum que dispõe que a manceba fique obrigada de furto. E sendo amiga de homem casado, sua mulher pode demandar civelmente as cousas que foram furtadas ou roubadas a seu marido. E é grande benefício do feminino & de mui importância não se dar contra ele ação de furto nestes casos.

ACTUM

Nos feitos dos presos, tanto que é dado libelo contra eles, é necessário juntar-se o auto de sua prisão, & sem os tais autos não pode o Juíz ir pelos feitos em diante. Os quais autos terão o hábito & tonsura que o preso tinha ao tempo da prisão. E nos feitos das mulheres presas ainda que logo se onde o Contrato se fizer, jurando que outorga por sua vontade no Contrato, & fazendo-se em outra maneira é nulo. E se o marido depois que fizer alienação sem consentimento da mulher, a quiser revogar por ser nula, há-de ter o seu consentimento: & se ela não quiser dar consentimento, não pode o marido por si desfazer a alienação, senão se a mulher for tão desaisada que sem justa causa denegasse o consentimento. E a mulher pode revogar a venda & alienação com autoridade de seu marido, & não lha querendo ele dar, haverá provisão de. Pera fazer a demanda & revogar a alienação sem consentimento nem autoridade de seu marido, a qual autoridade lhe podem outrossim dar os Juízes do lugar onde forem moradores. E neste caso são as mulher de melhor condiçã porque revogam as alienações, posto que seus maridos lhe não queiram dar autoridade, & eles não podem revogá-las sem consentimento de suas mulheres.

ALIENARE RES DOTALES

Têm as mulheres outro privilégio & benefício por direito comum, o qual é que o marido não pode vender nem alienar os bens dotais ainda que a mulher dê a isso expresso consentimento, salvo com juramento, conforme a direito Canónico. E porque pela Ordenança do Reino não se põem juramento nem boa-fé em Contrato algum: fica sem dúvida que os bens dotais não se podem alienar por ser necessário e conveniente à Res Publica terem as mulheres os dotes inteiros. Pode porém o marido em favor de sua mulher trocar os bens dotais, quando são de pouco rendimento & muita despesa, por outros bens melhores & mais proveitosos segundo disposição de direito: & não é visto alienar os bens dotais quando os troca ou vende pera comprar ou haver outros mais frutuosos que fiquem dotais & tenham a natureza & condição de bens dotais. E por isto ser conforme a direito é estilo & prática curial deste Reino, conceder El-Rei Nosso Senhor cada dia provisões para os bens dotais de pouco proveito & muita despesa se venderem, & trocarem por outros de mais rendimento e proveito.

ALIENATIO

As cousas que ficam em testamento, ou outra última vontade: com condição que se não possam vender, nem alienar, dentro de certo tempo ou teçe cumprir alguma condiçã. E os bens sujeitos a restituição, como os de morgado, ou fidei comitio, em favor do feminino podem alienar-se pera dotar a filha do testador, ou herdeiro, se não há outros bens com que as possam dotar. E assi se poderão alienar pera o marido fazer Doação. Propter nupcias, a sua mulher. E da mesma maneira os bens dos menores, que se não podem vender, trocar, nem alienar, poderam alienar-se por causa do dote, ou Doação. Propter nupcias.

[Expus aqui 10 alíneas da obra, que tem 106 no total.]