Newsletter Junho 2022

Um resumo das nossas publicações e actividades no mês de Junho de 2022. Imagem: retrato de Ina Ginsburg.

Poder e agência feminina no hinduísmo: um estudo em Portugal

Sobre estratégias de poder feminino em contexto migratório, ou a manutenção da fronteira étnica pode favorecer a capacidade de agência e de poder entre o grupo feminino hindu. De Helena Maurício Sant’ana, parte de um estudo qualitativo onde se entrevistou uma amostra de 27 mulheres hindus, com idades entre os 18 e os 70 anos, no distrito de Lisboa, de onde foram retiradas algumas conclusões que dão conta da importância que o poder feminino se reveste para o hinduísmo em contexto migratório.

Gabinete de Curiosidades Literárias

Inaugurámos uma rubrica sobre itens exóticos da arte e na literatura, da autoria de Gonçalo Fernandes, e a primeira abordagem foi ao tomo anónimo português de 1802 O Piolho Viajante, que retrata a vida centenária de um piolho que vai migrando de cabeça para cabeça, um pouco à semelhança das notáveis Memórias de um Átomo divisadas pela personagem João da Ega, espécie de alter-ego de Eça de Queirós, no romance Os Maias.

O Discurso sobre a Roma Antiga em Olavo de Carvalho

Contámos também com um excelente texto de Daniel Pradera sobre o uso retórico de várias leituras da história da Roma Antiga pelo filósofo brasileiro Olavo de Carvalho, recentemente desaparecido, guru das correntes bolsonaristas da política brasileira contemporânea.

Destacamos ainda um breve ensaio de Cristiano Jesus sobre Alves e C.ª, romance póstumo de Eça de Queiroz e recuperamos um outro artigo sobre métodos foucaultianos de analisar a política contemporânea, de João Rochate da Palma.

Dois avisos

Uma falácia frequente no discurso público contemporâneo é afirmar-se que, no contexto português, determinados pontos de vista eventualmente aberrantes — p.ex., racismo, homofobia, fascismo, etc. — não são opinião, são crime. Ora tal é, à luz do direito, absolutamente falso. Não existe delito de opinião nem em Portugal nem na quase totalidade das democracias ocidentais. O que existe são consequências de certas expressões ou actos — como, p.ex., injúria ou discriminação efectiva — que podem ser categorizadas numa moldura penal. Mas é dupla falácia achar-se que “opinião x não é opinião” e “opinião x é crime”.

Assim, é possível ter pensamentos e emitir opiniões, p.ex., fascistas ou maoistas — ou seja, “ser-se” fascista ou maoista— sem que isso seja crime, embora exista a proibição constitucional de formação de colectivos políticos da primeira tendência. Manifestamos preocupação perante esses chavões popularuchos, de uso frequente na internet que evidentemente podem partir de boa intenção (ou não) mas que acabam por configurar perigo quanto à liberdade do discurso público. Parece-nos provável que um mundo ou sociedade onde exista delito de opinião por si só seja um mundo bastante indesejável e perigoso para todos. A seguinte ligação da Fundação Francisco Manuel dos Santos esclarece.

Deixamos ainda um outro aviso na forma de um fantástico artigo da revista Quillette; é sobre o prazer, a disciplina estética e o vício da emoção de sentir-se ofendido, sob o ponto de vista de vários génios literários, a começar com o Dostoyevsky dos Irmãos Karamazov e não só: podem ler aqui.

Colagens — e duas sondagens parvas

Dois itens de interesse animados pelo suplemento experimental/anárquico/humorístico da revista, os Cadernos Arachne. Primeiro, as fantásticas colagens de Luísa da Cunha Ribeiro: podem ver toda a galeria aqui, e muitas mais obras nas páginas pessoais da autora no Instagram e no Facebook.

Além disso, duas sondagens regidas pelo mais rigoroso espírito científico (feitas no Instagram) foram também levadas a cabo pelos Cadernos: uma sobre qual deveria ser afinal o hino nacional de Portugal e qual deveria ser o da União Europeia. Seguem-se os comunicados:

“O combate foi renhido, mas dele emergiu um claro vencedor: “PAIXÃO OF THE DARK”, uma colaboração entre Rui Maiden e Iron Veloso, vitória em grande destaque, com 69% dos votos. Uma composição obscura, do início do passado século, de Alfredo Keil, obteve, estranhamente, 31% das preferências dos portugueses. Participaram nesta sondagem cerca de 5.127.647 cidadãos nacionais. Os resultados adequaram-se à expectativa, portanto não foi necessário manipulá-los. Parabéns à composição vencedora.”

“A votação, renhida como de costume, trouxe à tona um vencedor muito querido para todos nós, “The Winner Takes it All”, dos suecos ABBA, curiosamente uma canção sobre divórcio, talvez assim apropriada à União Europeia, ou não. Mas fiéis ao espírito de não ler a realidade conforme o que ela é, preferimos pensar que a votação nos devolveu um espantoso empate entre composições de reconhecido impacto, excepto talvez a última, mais esquisita, de um compositor pouco importante. Sendo assim, de acordo com a incumbência que a Comissão Europeia nos atribuiu, encaminharemos para os trâmites necessários a prossecução do hino da União Europeia como “The winner takes all the rhythm of alegria”, verdadeiro vencedor com 100% dos votos, numa produção de Vangelis e Jean-Michel Jarre, com interpretação de Demis Roussos.”

Revistas avant-garde em 1920-30

Recordámos também o mundo fantástico e espampanante das revistas de literatura e arte de vanguarda do início do século XX: o dealbar de novas formas de modernidade, já pós industrial e prévia às grandes experiências de colectivismo socialista da primeira metade do século (União Soviética e Alemanha Nazi), que existiam numa atmosfera de vigor intelectual único e até agora pouco ou nada reeditado: manifestos surrealistas, futuristas e outros “istas” sucederam-se, vagas inaugurais daquilas que se entendiam serem novas eras para a arte eram propostas, e tudo era apresentado com uma inocência violenta, despreocupada e descomprometida com as avaliações presentes ou posteriores, e ao mesmo tempo um enorme sentido de sabedoria e de responsabilidade face às culturas anteriores, dado que qualquer um desses movimentos reconhecia bem as suas heranças. Deixamos no Instagram e no Facebook várias capas de revistas da década de vinte, de onde destacamos, por exemplo, uma incidência desse entusiasmo demolidor, quando num número da revolução surrrealista, o seu editor, Antonin Artaud, declara sem grandes dúvidas que está-se a entrar no ano que marca o “fim da era cristã”. Temos muito a aprender com estas manifestações. Desfrutem! Deixamos também uma ligação para uma exposição do Moma sobre o tópico, e dois repositórios, um de monoskop e outro de openculture.com, das referidas publicações.

Desejamos, por fim, um excelente resto de mês de Junho a todos, com boa praia, bom campo, e bom trabalho. Até breve!

Retrato de Ina Ginsburg (1916-2014), patrocinadora das artes, de origem nova- iorquina, por Andy Warhol. Mais aqui.