
No espírito completamente desinteressado e celebratório do fim da quadra de verão, apresentámos, de forma inocente e em nada relacionada com pseudo- escândalos da imprensa sensacionalista (que ideia!), um magnífico panorama antológico de beijos, mais especificamente “chochos“, recentes, mediáticos e improváveis. Elencámos assim um beijo acidental e animado entre um cão e uma cadela; o “pico” de parabéns do presidente da federação de futebol espanhola a uma jogadora; o beijo particularmente “mamado” entre os lendários futebolistas Maradona e Caniggia; um dos curiosamente mais lendários beijos da história do cinema entre um super-herói e uma admiradora; o famoso beijo que marcou o fim da Segunda Guerra Mundial, interessantemente não consensual, já que o marinheiro estava bêbado e confundiu uma qualquer transeunte com uma enfermeira; mais um exemplo de dois futebolistas, Gary Neville e Paul Scholes, perdendo a cabeça com festejos e unindo os lábios; o beijo político e masculino entre o presidente da Alemanha ocupada pelos soviéticos e o secretário-geral da URSS; o beijo do príncipe que deu vida à famosa personagem Branca de Neve (idem com Bela Adormecida), também não consensual; e a personagem Antoine Doinel do cineasta François Truffaut tenta roubar um beijo no apropriadamente intitulado Baisers Volées. Deixámos, por fim, a sugestão de um título crítico sobre a história do beijo na cultura pop, pós-romântica e um outro mais abrangente. Escusámo- nos, de resto, a maiores reflexões sobre as interacções humanas, campos complexos em que a ideia infantil de “consentimento escrito e assinado“ não funciona de modo claro e sem as ambiguidades, as incertezas e as indecisões que norteiam todo o leque maravilhoso e diverso da nossa actividade. Podem ler sobre a história do beijo e mais aqui e aqui.

Recentes invenções porventura demasiado proteccionistas e infantilizantes, quer a nível de conduta social quer a nível de legislação, nas sociedades ocidentais, quanto a categorizações de interacções erótico-amorosas entre pessoas conhecidas ou desconhecidas como as categorias de “assédio” ou “abuso“, podem vir a ter consequências muito nefastas em geral reservadas para aqueles que misturam tudo e no fim acabam com nada. Apesar de até mesmo alguma legislação contemporânea considerar que os seguintes fenómenos pertencem todos à mesma categoria, dificilmente uma pessoa comum dotada de sensibilidade e inteligência o poderá afirmar como verdade: desde beijos inesperados entre amigos e/ou colegas de trabalho, contactos reiterados com vista a obter retorno amoroso, toques no ombro, na cintura ou abraços prolongados, comentários elogiosos desde o bom gosto até ao mau gosto sobre o aspecto físico de outra pessoa, cartas de amor, relações íntimas entre colegas de trabalho com diferentes hierarquias, relações sexuais em que uma pessoa ou ambas estão embriagadas, relações sexuais a contragosto em contexto conjugal, até — e aqui atravessamos uma fronteira — contactos reiterados com vista a correspondência amorosa que ultrapassem um determinado limite de rejeições explícitas, apalpões indesejados em zonas íntimas em público ou privado, sugestões de trocas de favores profissionais por favores sexuais, modificação do conteúdo de bebidas com vista a deixar a pessoa mais receptiva a avanços, relações sexuais com pessoas severamente embriagadas ou inconscientes que não tenham de modo algum dado a entender essa disposição, relações sexuais explícita e reiteradamente rejeitadas mesmo que dentro de arranjo conjugal, e violação sob ameaça de violência implícita ou uso explícito da mesma. Está aqui elencada uma série de situações, muitas radicalmente diferentes, tipicamente agrupadas por algumas mentes débeis e/ou histéricas (ou mesmo absolutamente desonestas) como pertencendo inequivocamente às mesmas categorias estanques do abuso e do assédio. Isto não pode ser assim. Um abraço que dura tempo demais não é uma violação e um contacto reiterado ao longo de pouco tempo com vista a obter correspondência amorosa não é necessariamente uma perseguição, só para dar dois exemplos. O que esta generalização obtusa acaba por fazer é, curiosamente, ilustrar como pessoas que acham que tudo isto é assédio e abuso estão tão próximas daquelas que acham que nada disto é assédio nem abuso e que “X estava a pedi-las“. É a consequência lógica: quando tudo é abuso e assédio, segue-se que se perdeu a capacidade de distinguir categoricamente esses fenómenos do resto e por conseguinte chega-se ao ponto em que já nada é verdadeiramente abuso nem assédio, o que é um estado de coisas verdadeiramente desaconselhável. Aconselhamos a todos os exagerados que tomem duas prudências: (1) que moderem severamente a utilização destes conceitos e (2) que deleguem preferencialmente no uso da legislação e da jurisprudência tão claras quanto possível o estabelecimento objectivo destas categorias e não as deixem cair na justiça de rua, tipicamente irracional e sem credibilidade nem direito.