A interdependência entre países, por meio de trocas comerciais, é uma grande impulsionadora do fator globalização. E, para tal, os navios e o mar representam a combinação perfeita para o transporte de mercadorias, cuja acessibilidade é proporcionada pela existência de canais de navegação. O Canal de Suez é a prova de que é possível reduzir a distância existente entre a Ásia e a Europa. Mas nem tudo é simples, na medida em que alguns eventos conseguem deitar tudo a perder. Um encalhe de um navio pode mudar completamente a sua capacidade de impulsionamento económico, originando um prejuízo global de longa recuperação. Visto isto, há que ter em consideração que os tempos mudam, os mercados crescem e os navios aumentam. As perspetivas das trocas comerciais se virem a intensificar, ao longo dos tempos, estimulam os operadores marítimos a procurarem forma de aumentar a sua capacidade de transporte. E os canais de navegação, albergando um vasto número diário de navios, devem ter em conta que é preciso acompanhar este crescimento: o Canal de Suez tem-no feito: o acidente do ‘Ever Given’ ensinou-o essa lição. O desenvolvimento do projeto do Novo Canal de Suez, contanto com a sua extensão, vem demonstrar a vontade do Egito em aumentar a eficiência do seu canal e, assim, manter a sua competitividade. PALAVRAS-CHAVE: Canal de Navegação; Globalização; Transporte Marítimo; Economia; Canal de Suez
- INTRODUÇÃO E METODOLOGIA
A importância do transporte marítimo para o comércio global é imensa. Segundo a ‘International Maritime Organization’ (IMO), este é responsável por mais de 90% das trocas comerciais no planeta (Sinay, 2022). Anualmente, um número superior a 50.000 navios navega pelo globo (Sinay, 2022), sendo este o modo mais rentável, economicamente falando, para o transporte de bens a longas distâncias (Euroatla, s.d.). A sua passagem pode ser feita por variados locais: por largos oceanos e mares; por estreitos; ou por canais de navegação, sejam eles naturais ou artificiais. A escolha da rota, incluindo o local de passagem do navio, possui uma grande influência na economia – quer da empresa operadora, quer do globo.
Um canal de navegação é mais do que um rasgo numa paisagem. Parece um simples atalho, mas o seu peso económico é mais do que uma via utilizada para encurtar um caminho. Este vem permitir conexões entre nações, nomeadamente nações à partida distantes entre si, através das trocas comerciais realizadas entre elas – situação esta muito contribuidora para a globalização. Segundo Liao Liqiang, diretor no Ministério de Relações Internacionais da China, “Os canais de navegação mudaram processos de produção, agricultura, sistemas industriais, elevaram os níveis da navegação mundial e promovem o desenvolvimento económico e social ao longo do tempo e em diferentes nações.” (Jornal do Comércio, 2018).
Também os próprios canais têm sofrido mudanças ao longo dos tempos. O canal do Panamá representa um exemplo de mudança, tendo sido alvo de um projeto de expansão com início em 2007, derivado do aumento da dimensão dos navios (Gonçalves, 2015). O canal de Suez constitui outro exemplo, encontrando-se em processo de expansão, devido a um navio ter encalhado e o ter bloqueado durante dias (CNN Brasil, 2022). Se, por algum motivo, os navios fossem impedidos de se deslocar através dos canais existentes, verificar-se-iam situações de escassez de energia e de mantimentos durante dias ou até semanas (Olanrewaju, 2006).
Apesar das suas vantagens, designadamente económicas, existem adversidades que, por vezes, as acompanham. E é sobre este ponto que o presente texto se debruça: a sua importância, mas, também, os impactes negativos que estes podem gerar na economia, usando o Canal de Suez como referência. Para tal, inicialmente, é exposto o conceito de ‘canal de navegação’, assim como a caracterização do Canal de Suez. Posteriormente, é analisada a sua importância económica: não apenas para o país detentor, mas para operadores de transporte marítimo que o utilizam e para o Mundo como um todo. E, por fim, são mencionados os principais impactes inerentes e soluções adotadas.
- CONCEITO DE ‘CANAL DE NAVEGAÇÃO’
Pode-se olhar para um canal de navegação como uma espécie de estrada, mas, em vez de uma infraestrutura rodoviária em alcatrão, este consiste numa estrutura presente no mar. A sua função é facilitar o acesso do transporte marítimo entre dois pontos, de forma a evitar que este tenha de percorrer longas distâncias (Logística Descomplicada, 2011). Este pode ser totalmente natural, criado por meio de um rio deslocado ou ser totalmente artificial (Logística Descomplicada, 2011).
Por vezes, um canal pode ser confundido com um estreito, mas existem fortes diferenças que separam estes dois conceitos. Um estreito é definido como uma faixa de água que une diferentes corpos de água, como mares e oceanos, e é sempre formado naturalmente (Cursoh, 2019) – um claro exemplo é o Estreito de Gibraltar (Figura 2), que liga o Oceano Atlântico e o Mar Mediterrâneo. Já um canal consiste numa faixa que divide duas áreas terrestres, que pode efetuar ligações num mesmo corpo de água e que pode ser quer natural, quer artificial (Cursoh, 2019) – um exemplo é o famoso Canal do Panamá (Figura 3), que permite conectar o Oceano Atlântico e o Oceano Pacífico.
- CARACTERIZAÇÃO DO CANAL DE SUEZ
O Canal de Suez conta com uma extensão superior a 100 milhas e precisou de 10 anos para ser concluído, tendo a sua inauguração lugar no ano de 1869 (Özkanlisoy & Akkartal, 2022). Embora localizado no Egito, a sua construção partiu da decisão de França que ambicionava a abertura a novas rotas, através da conexão do Mar Vermelho ao Mar Mediterrâneo (Wondrium Daily, 2020). Até 1956, o canal ficou sob a gestão francesa e britânica tendo sido, a partir desse ano, nacionalizado pelo Egito (History, 2009). Esta nacionalização incitou ataques internacionais ao canal – por parte de Israel, França e Reino Unido, que pretendiam o seu controlo –, o que provocou o seu encerramento por alguns anos, tendo a sua reabertura tido lugar em 1975 (History, 2009). A criação deste canal constituiu numa importante revolução industrial no ramo marítimo, na medida em que afetou todas as atividades ligadas ao mar (Özkanlisoy & Akkartal, 2022).
O Canal de Suez consiste no canal mais longo, ao nível global, sem comportas (SCA, 2022), é artificial e conecta o Mar Vermelho ao Mar Mediterrâneo, ligando, mais concretamente, as cidades de Suez e de Port Said (Figura 4). A sua largura na área navegável fica compreendida entre os 200 e os 210 metros e a sua profundidade é de 24 metros (SCA, 2022). Ao longo dos anos, este foi sofrendo desenvolvimentos que aumentaram quer a sua área, quer a sua profundidade, de forma a conseguir acompanhar o aumento da dimensão de que os navios foram sendo alvo: no início da abertura do canal, este só conseguir albergar navios até 5.000 toneladas; já em 2010, este era capaz de permitir a passagem de navios com 210.000 toneladas (SCA, 2022).
Este aumento de capacidade do canal levou a que, ao longo dos anos, fosse possível o seu acesso por um maior número de embarcações – ultrapassando as 18.000, no ano de 2019 –, verificando-se, assim, um aumento da sua capacidade de carga – exibindo, no ano de 2019, um valor superior a 1.200 milhões de toneladas – (Figura 5). O aumento da carga transportada, ao longo dos anos, é também visível através da análise da figura seguinte – tendo exibido um valor superior a 1.000 milhões de toneladas, no ano de 2019.
- A SUA IMPORTÂNCIA ECONÓMICA
- PARA O PAÍS DETENTOR DO CANAL
O benefício económico para os países que detêm os canais de navegação é inegável, uma vez que os operadores pagam uma taxa pela passagem dos seus navios. E o Canal de Suez representa um muito bom exemplo, dado que as taxas pagas pelos operadores consistem numa fonte de receita de peso para o governo do Egito, sendo este o detentor da totalidade do canal (SCA, 2022).
É possível verificar, através da leitura da Figura 6, o valor das taxas requeridas pela Autoridade do Canal de Suez aos operadores de transportes marítimos que o atravessam – neste caso, no sentido sul do canal (Naggar Shipping, s.d.). É observável que, quanto maior é o peso da embarcação, mais elevada é a taxa correspondente: situando-se esta entre os 47,50 dólares – valor associado para embarcações com um peso inferior a 1.000 toneladas – e perto dos 400 dólares – valor associado a embarcações com um peso de, pelo menos, 60.000 toneladas.
Antes da situação pandémica de Covid-19, o contributo do Canal de Suez para o Produto Interno Bruto do Egito, era de cerca de 2% (BBC, 2021). O mês de janeiro de 2022, comparativamente ao mês de janeiro de 2019 (anteriormente à situação pandémica), contou com um aumento do tráfego no canal em cerca de 68% (Transportes & Negócios, 2022).
Em março de 2022, a Autoridade do canal decidiu aumentar as taxas cobradas aos operadores: destinando-se a praticamente todo o tipo de navio e que naveguem em ambos os sentidos do canal, com uma variação de subida situada entre os 5 e os 10% – situação diferenciada para os navios porta-contentores, com um aumento previsto até 47% e aplicado apenas aos que viajam pelo sentido norte (Transportes & Negócio, 2022). Já no mês de fevereiro, do mesmo ano, as taxas tinham sofrido um aumento de 6% – excluindo os navios de cruzeiro e de transporte de Gás Natural Liquefeito –, que, conforme estimativas, adicionariam cerca de 400 milhões de dólares anuais às receitas no canal (Transportes & Negócio, 2022). Este aumento das taxas deve-se ao facto de estar prevista uma ampliação do canal, motivada pelo encalhe de um navio (Transportes & Negócio, 2022) – situação que será explicada mais à frente.
Encontram-se empregados, na Autoridade do Canal de Suez, cerca de 14.000 pessoas e todas elas de nacionalidade egípcia (SCA, 2022), o que se pode considerar um ponto muito positivo para a sua sociedade e, também, para a sua economia, fruto dos descontos salariais que revertem a favor do Estado.
- PARA OS OPERADORES E PARA O MUNDO COMO UM TODO
Existem vários canais de navegação no Mundo; no entanto, nem todos eles possuem o mesmo grau de relevância. Alguns possuem uma elevada densidade ao nível do tráfego marítimo e com uma forte contribuição para o comércio global, enquanto outros nem tanto (Sinay, 2022).
Os requisitos referentes às trocas comerciais têm um forte peso na intensidade de tráfego em alguns dos canais: o Canal de Suez constitui um exemplo por ligar os continentes asiático e europeu (Sinay, 2022), mais precisamente por integrar uma das principais rotas marítimas mundiais (Gonçalves, 2015). Este permite uma navegação diurna e noturna (SCA, 2022). É possível verificar, na Figura 7, a elevada afluência de navios que se preparam para entrar e que saem do canal. O registo foi efetuado no dia 15 de outubro de 2022 às 00h05 (hora nas cidades de Suez e Port Said) e, para este, apenas foram selecionados os navios comerciais de carga e de transporte de combustível (Vessel Finder, 2022).
Trata-se de um canal que proporciona uma rota mais curta para aqueles que pretendem aceder a Europa através dos Oceano Índico e Oceano Pacífico, ou vice-versa, tendo a sua travessia uma duração compreendida entre as 12 e as 16 horas (SCA, 2022). A inexistência deste canal obrigaria os navios a contornar o continente africano – o que adicionaria, pelo menos, 20 dias à sua viagem (Marpro, 2022) –, significando um maior despendimento de tempo e maiores gastos económicos quer com o combustível, quer com a operação dos navios (SCA, 2022).
A Figura 8 permite ter uma noção da diminuição das distâncias que o Canal de Suez (designado por ‘SC’) proporciona entre cidades por ele conectadas, comparativamente à utilização do Cabo da Boa Esperança (designado por ‘Cape’) – alternativa ao Canal do Suez, caso os operadores tivessem de contornar o continente africano (SCA, 2022). No grupo das cidades destacadas é visível que a distância poupada entre elas é de, pelo menos, 23%.
O Canal de Suez alberga cerca de 12% do comércio mundial, sendo o petróleo o tipo de produto que representa a esmagadora maioria dos bens transportados através dele – perto de 2 milhões de barris diários, representando cerca de 238.600.000 toneladas por ano – (BBC, 2021).
A generalidade dos navios de carga a aceder ao Canal de Suez provêm de vários países. Ao nível de toneladas de carga transportada a aceder ao norte do canal – ou seja, através da cidade de Port Said –, à exceção do Egito (através de cidades mediterrâneas), os Países Baixos e os Estados Unidos da América representam a maior fatia, com 11.6 e 8.3%, respetivamente, no ano de 2019 (SCA, 2019). Já relativamente ao acesso ao sul do canal – ou seja, através da cidade de Suez – a Arábia Saudita, Singapura e China representam a maior parcela, com um peso compreendido entre os 11 e os 20.5%, no ano de 2019 (SCA, 2019).
- OS SEUS PRINCIPAIS IMPACTES E SOLUÇÕES
Quem diria que um encalhe de alguns dias conseguiria “virar o Mundo do avesso”? O dia 23 de março de 2021 refletiu bem o enorme valor do Canal de Suez quer para os operadores utilizadores, quer para o Mundo. O maior navio de carga a nível mundial – designado por ‘Ever Given’ –, com partida da Malásia e com destino aos Países Baixos (Lee & Wong, 2021), sofreu um encalhe de 6 dias durante a sua navegação pelo canal (BBC, 2021), comprometendo não só o tráfego marítimo, mas também o comércio mundial – as mais de 300 embarcações retidas no canal, enquanto esperavam pelo fim do bloqueio, estimularam uma perda económica estimada em cerca de 400 milhões de dólares por cada hora passada (Lee & Wong, 2021). Por dia, a perda económica equivaleu a mais de 9 mil milhões de dólares e, no fim dos 6 dias, a mesma foi de cerca de 54 mil milhões (Lee & Wong, 2021).
A ocorrência de acidentes no canal de Suez não é algo incomum: só entre os anos 2010 e 2019, ocorreram 75 acidentes, estando os navios porta-contentores relacionados com mais de um terço dos mesmos (Özkanlisoy & Akkartal, 2022). Os encalhes apresentam um peso considerável, tendo estes representado, na última década, um terço dos acidentes aí sucedidos (Özkanlisoy & Akkartal, 2022). A dimensão dos navios tem motivado alguns dos acidentes ocorridos, ao longo dos anos: apesar de estabelecidas restrições quanto à largura e profundidade das embarcações que o atravessam, o seu comprimento não apresenta limitações (Lee & Wong, 2021). E, embora a largura do canal seja aparentemente suficiente para a passagem de dois navios, o encalhe de um deles, que resulte no seu atravessamento, é capaz de obstruir a via na sua totalidade. Os 400 metros de comprimento do ‘Ever Given’ (Lee & Wong, 2021) excedem a largura da via do canal (Figura 9) e, por isso, foram suficientes para impossibilitar a passagem a outros navios, levando ao seu consequente congestionamento (Figura 10).
Parte dos navios acabaram por navegar pelo continente africano, adotando o Cabo da Boa Esperança como rota alternativa – tratando-se de um percurso mais longo e demorado, o que resultou no aumento de combustível despendido pelos navios e, consequentemente, nas despesas para os mesmos – expressando estas um aumento situado entre os 4 e 5% (Lee & Wong, 2021). Os navios que optaram por permanecer no canal, ao estimularem o seu congestionamento, levaram a atrasos que, mesmo com o fim do bloqueio, acabaram por contribuir para as perturbações no funcionamento do tráfego — resultando em problemas relativos à disponibilidade de navios e, consequentemente, de contentores (Lee & Wong, 2021).
Conforme defende Brian Alster, diretor na ‘Dun & Bradstreet[1]’, “The disaster of the moment becomes a global phenomenon because it is yet another reminder of the interconnectedness that comes with globalization and our reliance of each other as contributors to the global supply chain.” (Forbes, 2021). O mesmo acrescenta, ainda, que “Companies have developed a higher level of dependency on suppliers and third parties from other countries, and that dependency is highlighted when a link in the supply chain is impacted.” (Forbes, 2021).
Tratando-se de uma via marítima de elevada importância para as cadeias de abastecimento a nível global, o encalhe no Canal de Suez conseguiu disparar o preço do petróleo (BBC, 2021) em mais de 3% – aumento este associado ao receio da redução da sua oferta provocada pelos atrasos gerados pelo bloqueio do canal (Canal Rural, 2021). Muitas empresas também saíram lesadas deste acidente (BBC, 2021), servindo, como exemplo, o funcionamento de muitas das indústrias que dependem do recebimento de componentes provenientes de outros países para o fabrico dos seus produtos (Lee & Wong, 2021). Segundo a avaliação de especialistas, a Europa apresenta-se como o continente economicamente mais afetado por este acidente, apesar das empresas situadas na Ásia também possuírem lesões provocadas não só pelo atraso dos bens enviados da Europa, mas pela escassez de contentores já vazios que são enviados de volta – situação esta que, consequentemente, impacta o posterior envio internacional de mercadorias (Forbes, 2021).
Este acidente, que resultou em grandes prejuízos a nível global, levou a Autoridade do Canal de Suez a desenvolver um projeto para ampliar algumas das partes do canal, com previsão de conclusão em meados de 2023 (CNN Brasil, 2022). Mais especificamente, o projeto consiste em estender um segundo novo canal e alargar aquele onde o ‘Ever Given’ ficou bloqueado, prevendo melhorar a sua navegação em cerca de 28% (CNN Brasil, 2022) – os detalhes do projeto podem ser analisados através da leitura da Figura 11.
Esta extensão tem em vista facilitar a fluência do tráfego em ambas as direções, reduzindo tempo de espera das embarcações, e aumentar a capacidade do canal em cerca de 48 navios diários, estando em sintonia com o previsto crescimento do comércio global (SCA, 2022). Apesar do investimento de cerca de 191 milhões de dólares (Reuters, 2022), estima-se que as receitas provenientes desta obra aumentem em cerca de 259% (SCA, 2022).
Fonte: SCA, 2022
Tal como defende o Oficial da Marinha Mercante Fernando Gonçalves no seu livro ‘O Mercado do Transporte Marítimo de Carga Contentorizada’, “Não existem, tecnicamente, limites ao aumento da dimensão dos navios.” (Gonçalves, 2015, p. 179). E, ao longo dos anos, a construção de novas embarcações tem procurado a sua ampliação, como já foi anteriormente mencionado. Desta forma, cabe aos canais de navegação, incluindo o Canal de Suez, acompanhá-los por meio do alargamento das suas vias marítimas – o que certamente acarretará investimentos, mas, em contrapartida, trará futuros ganhos económicos.
Os desafios inerentes aos canais de navegação não se cingem apenas às suas infraestruturas, mas também a fatores externos que os afetam de alguma maneira. A pirataria consiste numa realidade difícil de ultrapassar e o Canal de Suez apresenta-se vulnerável a este tipo de situação: só no Golfo de Aden e perto da Somália, o número de ataques piratas, reportados entre 2006 e 2008, foi à volta de uma centena (Notteboom & Rodrigue, 2011). Esta ameaça estimulou a que muitos operadores investissem em seguros, em tripulação e agentes de segurança para os seus navios, provocando um acréscimo nas suas despesas em milhares de dólares por navegação (Notteboom & Rodrigue, 2011). Por se localizar numa área suscetível – tendo sido alvo de ataques terroristas, no âmbito de guerras passadas –, o Canal de Suez apresenta, atualmente, uma segurança reforçada, possuindo incorporadas várias unidades militares e sistemas de vigilância, ao longo do seu canal (Lee & Wong, 2021).
A manutenção da competitividade do Canal de Suez é importante para manter a lealdade dos seus utilizadores e, ao mesmo tempo, atrair novos operadores. Caso contrário, a rota do Cabo da Boa Esperança e a rota do Mar do Norte poderão vir a constar nas novas escolhas para os percursos entre o este asiático e o norte da Europa (Notteboom & Rodrigue, 2011). Embora o Canal do Panamá sirva de passagem para a maioria das trocas comerciais efetuadas entre o continente asiático e a Costa Leste da América do Norte, o Canal de Suez também possui a sua participação nesta conexão (Notteboom & Rodrigue, 2011). Caso o Canal do Panamá continue a trabalhar na sua competitividade, este poderá tornar-se um concorrente à altura.
- CONSIDERAÇÕES FINAIS
É incrível a elevada importância que o mar representa na economia mundial. Canais de navegação não são apenas “estradas” marítimas, mas sim uma “porta” de passagem para a globalização e prosperidade. No entanto, estes apresentam-se, de certa forma, ilusórios no seu poder: da mesma forma que contribuem para o sucesso económico de vários países, também podem promover o “caos” mundial. Esta situação foi bem ilustrada pelo acidente no Canal do Suez, em que uma obstrução de 6 dias proporcionou déficits árduos e demorados de ultrapassar, criando um cenário de “bola de neve”.
Apesar disso, este evento levou a compreender o quão importante é trabalhar na competitividade, de forma a acompanhar as mudanças e inovações sucedidas ao longo dos tempos. O projeto do alargamento do Canal de Suez, com previsão de conclusão em 2023, expressa bem uma preocupação com que acidentes, como o do ‘Ever Given’, voltem a suceder. Mas, ao mesmo tempo, expressa uma capacidade de antecipação motivada pela consciência de que o crescimento das trocas comerciais, agregado a um aumento da dimensão dos navios, tomará lugar no futuro. Agregando, ainda, o facto de que novos percursos poderão vir a conquistar as escolhas de muitos operadores: designadamente a rota do Mar do Norte, mas também o Cabo da Boa Esperança que, tal como foi analisado no presente texto, serviu de alternativa para muitos navios que ficaram afetados pela paralisação do canal no âmbito do acidente do ‘Ever Given’.
- REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS
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A ‘Dun & Bradstreet’ consiste numa empresa americana que fornece dados e análise empresariais. ↑