Numa entrevista ao jornal New York Times, em 2011, Jerry Seinfeld aceitou o convite para explicar ao detalhe o processo de escrita de um número de comédia em específico; no caso, uma piada sobre pop-tarts, um produto pouco conhecido em Portugal, uma espécie de torrada pronta-a-comer com recheio de doce de frutas. Nessa interessante conversa, num dado momento Seinfeld explica a inclusão de chimpanzés no texto do número pelo simples facto de que chimpanzés têm graça (chimps are funny). Ao mesmo tempo, descreve uma série de outras palavras que inclui, como dirt, sticks, playing, e até o próprio nome do produto, pop-tart, como palavras que têm graça por si só, ou que representam coisas que têm graça por si só.
Tal conceito é estranho e pode impressionar pela desadequação ao modo de pensar contemporâneo, dominado pelo paradigma do relativismo no que diz respeito às reacções sociais a convenções culturais, dentro das quais inserimos consciente ou inconscientemente o capítulo do humor. Afinal, depende o humor de uma justa medida de provocação conceptual e do uso do tempo — é sabido que o segredo da comédia, muitos o dizem, é o timing, e pouco mais — adequado a cada cultura, ou existem coisas inerentemente engraçadas?
O exemplo do macaco é um bom exemplo. Aliás, na literatura sobre comédia parece ser frequente a referência a este animal: Lorne Michaels, produtor do lendário programa de comédia americano Saturday Night Live, descreveu num serão de homenagem ao comediante Steve Martin como, quando as pessoas vão ao jardim zoológico, começam por ver os leões, depois talvez os ursos — os animais magnânimos e fisicamente imponentes — mas, logo a seguir, dirigem-se aos macacos — “porque os macacos têm graça e ocasionalmente masturbam-se. (…) O leão lembra-nos de quem nós gostaríamos de ser, e os macacos lembra-nos quem nós realmente somos.”
De facto, talvez o facto de estas espécies serem póximas de nós na escala da evolução permita que reconheçamos nelas traços caricaturados de nós próprios — e sendo assim, são inerentemente engraçadas para qualquer pessoa porque são sempre caricaturas de pessoas. E se é o macaco a peça mais citada neste panteão de coisas com graça inata, e se é essa a razão, talvez isso indique que o humor acabe sempre por ser auto-referencial, e toda a graça que coisas, pessoas ou conceitos possuam acabe por se revelar uma representação caricaturada de nós mesmos ou de uma parte de nós.
Outras coisas, porém, encontram nesta teoria mais difícil encaixe. Por exemplo, as bananas, abordadas num artigo da louvável revista do museu Smithsonian como uma instituição do humor. Mas tentemos perceber melhor, racionalmente, a particularidade deste fruto e a sua ligação a esse campo. Para começar, é semelhante às partes privadas masculinas, de maneiras aliás mais ilustrativas do que outros vegetais: a pele é descascável facilmente, como a pele do prepúcio, e sendo um fruto minimamente sólido e muito portátil aquando ainda possui a casca, é também facilmente comestível e mole quando já não a tem, revelando assim uma potencialidade para analogias muito forte. Além do mais, é bom não esquecer o acessório de comédia lendário que é a sua casca e a capacidade que tem de fazer pessoas tropeçarem e caírem — e, digamo-lo também, independentemente das consequências danosas que possam existir, pessoas a cair é algo também tradicionalmente com graça.
Quanto a homossexuais, o cognome pelo qual são frequentemente conhecidos — os gays — denuncia logo como a identidade, além das eventuais práticas por detrás — como se pode ver, o potencial cómico completa-se sozinho —, contém algo de inerentemente engraçado. É sabido que uma certa ideia do típico homossexual corresponde a alguém alegre, que gosta de rir e de brincar, que possui um misto de excitação juvenil e de sensibilidade efeminada que fomenta o bom humor, a boa disposição e a hipérbole das maneiras. Aliás, é importante lembrar que, em contraste com a negrura e tacanhez das associações e dos políticos que os representam ou dizem representar, o homossexual frequentemente é uma criatura com enorme capacidade de se rir de si próprio. Permitam-me, aliás, aparte a generalização abusiva, sublinhar que alguém que leva no cu não se pode necessariamente levar muito a sério. E é, no fundo — muito no fundo —, esse o ponto: o homossexual tem a liberdade do carácter inconvencional das suas práticas — há quem diga contra-natura, mas o termo é abusivo, embora a prática da contra-natura possa levar obviamente a contraturas — que a pessoa comum não tem, estando no caso desta o amor e a cópula ligados a assuntos mais sérios, digamos assim — nomeadamente, a criação da vida. Essa liberdade solta as amarras para que o mesmo se veja como uma caricatura e para estar completamente à vontade nessa pele. É uma identidade que tem essa sorte, além dos inúmeros azares que caracterizam e sempre caracterizaram aquela que é, nas palavras de Proust, a raça maldita.
Por último, a escatologia, abordada até academicamente como tópico de moderno interesse, mas de referências clássicas, no artigo corajosamente entitulado “Why Flatulence is Funny”. O termo não está aqui invocado no sentido teológico de literatura das últimas coisas, ou melhor, talvez, mas sim no sentido de coisas relacionadas com fezes e sub-produtos obscenos e baixos da vida humana. Incluem-se aqui funções fisiológicas simples como traques, arrotos, alguns espirros, até mesmo o vómito. Também inversões ou lados negativos da circulação do mundo pelo corpo humano, em que, até, comer de boca aberta, falar de boca cheia, conter o riso, conter espirros, conter dejectos, ir a correr à casa de banho — Bocage famosamente notou que para um homem era mais irresistível defecar do que ter relações sexuais, pois se se encontrasse no leito com uma dama e subitamente a vontade apertasse, logo dali sairia para ir ao bacio —, ficar subitamente encharcado, de cabelos em pé, meter a “pata na poça”, pisar fezes de cão, escorregar e cair ao chão, são coisas que podem ser incluídas no grupo, se não das funções e dos acidentes fisiológicos do próprio, de fenómenos similares, análogos ou anexos. Tudo o que envolva o corpo e as suas desventuras, desde que não de consequência muito danosa, recupera essa dimensão basilar da existência humana, cheia de ironia e de alegoria, que é a seguinte: podemos achar-nos muita coisa, mas temos um corpo, e quando o mesmo inesperadamente se acusa, ou o mundo o faz acusar-se através de algum acidente, a dimensão satírica do equívoco logo advém. Afinal de contas, “quem tem cu tem medo”.