De quando o sensacionalismo jornalístico se junta ao academismo activista

Chamamos a atenção muito rápida e brevemente para mais uma apontamento a que infelizmente já estamos habituados e que, neste caso, junta o sensacionalismo e a falta de seriedade do mundo jornalístico com o academismo activista. Foi hoje noticiado no jornal Público, com direito até a destaque principal na capa, um estudo da investigadora Ana Rita Alves, do CES, em Coimbra, que permitiu, aparentemente, aos jornalistas — ou à própria autora — chegar à conclusão de que “ciganos têm 43 vezes mais probabilidade de serem mortos pela polícia” e “pessoas negras 21 vezes mais probabilidade de ser morta pelas autoridades do que uma pessoa não negra”.

Ora, ditas as coisas assim, o caso seria grave. Mas grave como? O que passa pela cabeça de um incauto, um leigo ou um comum mortal ao ler tais asserções tão cruas? Que a polícia, conforme a cor da pele ou traço étnico de outra espécie, tende a abrir fogo mais facilmente — somente e apenas somente devido a isso? Não. Ao que tudo indica (v.d. https://sicnoticias.pt/pais/2024-03-18-Estudo-diz-que-ciganos-tem-43-vezes-mais-probabilidade-de-serem-mortos-pela-policia-aaadf876), não é isso que o estudo diz. De todo.

O que o estudo faz é simplesmente comparar a desproporção entre a representação de ciganos e negros nesse conjunto de vítimas com a sua representação na população em geral. Achando portanto muito mais vítimas, proporcionalmente falando, do que seria expectável conforme o seu peso na população, sugere que isso revelará um viés racial. Ora isto é completamente inexacto, abusivo, ingénuo, sensacionalista e anti-científico. Não é possível fazer um exercício destes sem constatar um facto estatístico, comportável facilmente através de estatísticas das populações prisionais, as únicas em relação às quais temos dados étnicos, que é a sobrerepresentação dessas minorias na prática de crimes — nomeadamente de criminalidade grave que envolva resposta armada da parte da polícia — em relação à população em geral.

Deixemos de parte a discussão de “porque é que é assim”: pode ser por razões culturais, viés social, racismo, tudo o mais, mas o facto é que o é. E essa sobrepresentação, obviamente, torna-se um dado fundamental da questão, que, se colocada devidamente na equação, anula por inteiro o relevo da conclusão original e a suposição de que existiria um viés racial da parte da polícia ao usar a força. Só é possível determinar isso se se proceder a estudos muito detalhados, que os académicos portugueses em geral não estão para fazer — para a FCT meia dúzia de tretas sobre coisas “estruturais” e “sistémicas” chega — e muito menos os jornalistas — dado que o seu público também é manso, quanto mais sensacionalismo melhor —: tais estudos exigiriam comparação de situações exactamente iguais ou muito semelhantes que requeressem uso de força, para se determinar se existia um padrão diferente quando os infractores eram de uma raça ou de outra. Isto não foi feito.

Logo, não existe, em toda a honestidade, qualquer conclusão possível a tirar de qualquer viés racial. O que existe é o corolário da sobre-representação dessas minorias étnicas na prática de certos tipos de crime e por conseguinte a sua infeliz sobrerepresentação também nas vítimas do uso da força policial. Nos Estados Unidos, embora a imprensa também seja amiga do sensacionalismo, já estão mais vacinados contra estas matérias há muitas décadas, dado que o problema racial é mais abertamente discutido. Não é assim tão fácil passar estatísticas desonestas e falaciosas deste tipo e esperar que todo o povo engula mansamente. Aqui, esperamos que um dia, ou a começar desde já, também saibamos destrinçar o trabalho horrível, desonesto, de autêntica banha-da-cobra, feito em geral pelos jornalistas sozinhos mas por vezes tendo a colaboração da academia activista.