Resumo:
Pela sua localização geográfica, a Região Autónoma da Madeira constitui o vértice mais a sul do Triângulo Estratégico Nacional (TEN), que no período histórico em estudo, incluía Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. A Ilha possui uma grande importância no que diz respeito ao planeamento e execução de operações combinadas que tenham como Teatro de Operações (TO) o Atlântico Central, o Norte de África e o Mediterrâneo.
No contexto da Segunda Guerra Mundial, a Madeira, apesar de não possuir recursos naturais extraordinários, seria um local ideal para uma base aeronaval. Essa importância foi rapidamente compreendida pelos principais intervenientes no conflito e levou a que os respetivos Estados-maiores das potências em conflito, desenvolvessem planos de invasão e ocupação da ilha da Madeira.
Palavras-Chave: Segunda Guerra Mundial, Arquipélago da Madeira, Artilharia Antiaérea, Bateria de Costa, Exército português, Defesa Costeira.
Introdução:
A 1 de setembro de 1939, as forças armadas alemãs (wehrmacht) invadem a Polónia, dando início à Segunda Guerra Mundial. Portugal é rápido a assumir uma atitude de neutralidade para com as potências beligerantes, mas respeitando os deveres da aliança Luso-britânica. Manter este estatuto neutral, tornou-se uma questão fulcral na política externa portuguesa, durante os seis anos de conflito.
No entanto, na conjuntura internacional da época, não era de descartar a hipótese de um ataque/invasão ao território nacional, e as ilhas atlânticas, pela sua localização geoestratégica, eram particularmente apetecíveis.
O espaço Atlântico, sempre foi um local, onde os interesses das potências dominantes entravam em conflito e no contexto da Segunda Guerra Mundial, cedo se percebeu que o domínio dos mares era fundamental para a vitória final. Aliás, uma das batalhas decisivas do conflito, travou-se neste oceano. Aqui é facilmente percetível a importância estratégica da ilha da Madeira. No caso da Alemanha, o porto do Funchal era o local era ideal para estabelecer uma base para os temíveis submarinos U-boot,[1] aumentando-lhes exponencialmente o raio de ação e capacidade ofensiva aos comboios navais aliados. Para os Aliados, a Madeira era uma alternativa viável em caso de perda de Gibraltar, que se encontrava sob ameaça de ocupação germânica, através da Operação Felix, bem como daria à Royal Navy, uma base naval para os navios que patrulhavam o Atlântico.
O plano de defesa da Madeira:
Com a derrota da França em 1940, e a aparente invencibilidade da máquina de guerra nazi, a possibilidade de o conflito alastrar à Península Ibérica, torna-se cada vez mais real. Perante as ameaças que pendiam, sobre o arquipélago da Madeira, o Governo português, aprova a elaboração de um plano de defesa que procurasse dotar e reforçar a capacidade defensiva da Ilha. Um fato deveras interessante é que o plano de defesa, foi designado sem mencionar um inimigo específico, logo, todos os que pretendessem prejudicar a soberania nacional, sejam do Eixo ou dos Aliados, deveriam ser considerados hostis.
Nas linhas orientadoras do plano, referia-se que os esforços defensivos, deveriam dar primazia à defesa do Funchal, capital da ilha e procurar aproveitar ao limite a capacidade humana disponível no Arquipélago. Ou seja, grande parte dos efetivos empregues na defesa, deveriam ser madeirenses.
O coronel Luiz Augusto de Sousa Rodrigues (1883 – 1972), um dos autores do plano de defesa, afirmava que pela distância da Madeira aos continentes europeu e americano e pelo relevo da ilha, sobretudo, eram muito improváveis ataques por via aérea, podendo considerar-se mesmo impraticável a invasão da Ilha por forças aerotransportadas.
A única maneira de invadir a Madeira, seria por meio de ataques por via marítima/anfíbios, apoiados, naturalmente, por bombardeamentos de unidades navais de superfície e ações de aviação embarcada em porta-aviões.
É interessante sublinhar que o plano de defesa da Madeira, assentava sobretudo na defesa costeira, com a construção de pequenos redutos defensivos ao longo da orla marítima, muitas vezes tirando partido de cavernas naturais existentes nos locais a defender para tentar impedir a projeção de meios anfíbios inimigos, tentando desse modo evitar que se estabelecessem testas de ponte nas praias.
Como objetivo secundário, as forças destacadas no litoral, deveriam causar o máximo de danos possível ao invasor e em última instância, atrasar a progressão das forças adversárias em direção ao Funchal. A capital era considerada um ponto-chave na defesa da Ilha e onde se deveriam concentrar os esforços defensivos. Relativamente à construção das defesas, é de salientar o papel da 3.ª Companhia de Sapadores Mineiros (expedicionária), unidade de engenharia militar deslocada a partir do continente e responsável pelos trabalhos de fortificação.
Segundo o conceito estabelecido, dever-se-iam construir na costa e nos pontos considerados sensíveis, uma rede de pequenos postos fortificados, encarregados, de uma maneira geral, da vigilância permanente do mar e do ar, e de oferecerem uma primeira resistência a qualquer tentativa de desembarque anfíbio por meio de barragens de fogos.
Para efeitos de organização tática, a Madeira foi dividida em sectores operacionais, cada um com uma estrutura de comando específica e com uma missão bastante clara atribuída, evitar a “todo o custo” os desembarques anfíbios em qualquer ponto da Ilha, atrasar e deter o avanço de forças inimigas que eventualmente conseguissem romper as defesas costeiras, e repelir, se possível, os atacantes de volta para a orla marítima.
Todos os esforços defensivos, tinham em conta um pormenor deveras importante, a Madeira, conforme a sua condição insular, só poderia ser atacada por mar ou pelo ar e nesse sentido as fortificações defensivas refletiam essa realidade. As lições da Primeira Grande Guerra, com os bombardeamentos dos submarinos alemães, em 1916 e 1917, sobre o Funchal, estavam bem presentes na memória dos madeirenses e era necessário evitar a sua repetição. O reforço da capacidade em se defender de ameaças marítimas, tornou-se primordial e nos primeiros meses de 1940, iniciam-se os estudos para a construção de uma bateria de defesa de costa.
Para a instalação desta fortificação, escolheu-se o Pico da Cruz em São Martinho, no entanto, a seleção deste sítio, não foi aleatória, pois o local possuía uma vista desimpedida sobre a baía do Funchal e sobre a praia Formosa, considerada o melhor ponto para efetuar desembarques anfíbios. Era uma posição com enorme importância tática devido à cota em que foi edificada e cujas peças podiam bater com fogo, uma grande extensão marítima.
As obras iniciam-se a 5 de julho de 1940, no entanto, as peças de artilharia só chegaram do continente no dia 25 desse mês a bordo do vapor Carvalho Araújo e segundo o relatório elaborado pelo capitão Agostinho Correia Basto e Pereira, só foi descarregado alguns dias após a chegada, por dificuldades impostas pela alfândega do Funchal.
Foi necessário, entretanto, também alugar e montar um guindaste no molhe da Pontinha, pois o que acompanha o material, vinha noutra embarcação, que fora desviada para os Açores. O transporte até ao Pico da Cruz foi, segundo a descrição, muito difícil e moroso devido ao peso avultado do dito material, cujas peças mais pesadas tiveram de ser levantadas com o guindaste para poderem ser carregadas nos camiões que as transportaram. Ao chegar ao topo do pico, que era o único local onde havia estrada, foi necessário montar um guincho e um cursão para facilitar a descida dos materiais até ao local de instalação.
O declive e a distância a percorrer tornaram os trabalhos extremamente difíceis e penosos. É de referir que o tubo que compunha o cano da primeira peça levou 2 dias a percorrer cerca de 200 metros e que os pedestais das peças frequentemente enterravam-se no solo, sendo necessário recorrer a ferramentas manuais para a sua libertação.
O capitão responsável pelos trabalhos afirma, num relatório interno, que o material deslocado para a Madeira, se encontrava colocado na frente marítima de Lisboa e que não havia sofrido qualquer beneficiação antes do seu envio, encontrando-se com alguma ferrugem em determinadas peças.
Esta unidade foi designada como Bateria Independente de Defesa de Costa n.º 2 e era constituída por três peças Krupp 15/40 CTR m/902 com um alcance máximo de 14 km, a obra de construção ficou concluída no dia 21 de novembro de 1940, cerca de 139 dias após iniciada, um feito notável, tendo em conta que os trabalhos foram feitos na maioria, com recurso à força braçal. O capitão de engenharia Floriano Bernardo das Neves, foi o diretor da obra e recebeu inúmeros elogios pelo seu desempenho e pela rapidez de execução. No total, durante a construção, movimentaram-se 7000 metros, cúbicos de terras, utilizou-se 2000 metros cúbicos de betão, tendo sido empregues 130 trabalhadores.
Durante a Primeira Grande Guerra, o avião prova o seu valor enquanto arma, no entanto, é na Segunda Guerra Mundial que a sinergia entre os meios terrestres e aéreos se torna fundamental para o sucesso da manobra ofensiva. Naturalmente, a conceção de um plano de defesa contra aeronaves, tem como pressuposto inicial a identificação dos objetivos prioritários do ponto de vista do inimigo. No caso do Plano de Defesa da Madeira, a prioridade era proteger o Funchal, sobretudo o porto, a estação de cabos submarinos e a “Casa da Luz”[2]. O plano contemplava evidentemente as caraterização da potencial ameaça aérea, neste caso particular, devido às distâncias envolvidas, teriam de ser utilizados bombardeiros pesados de longo alcance, aviação embarcada em porta-aviões ou hidroaviões.
A primeira bataria antiaérea que chegou ao arquipélago a bordo do navio Lima em 10 de janeiro de 1942, foi designada por 7.ª Bataria de Defesa Contra Aeronaves e era oriunda do Grupo de Artilharia Contra Aeronaves N.º 1 de Cascais, a unidade pioneira na defesa antiaérea em Portugal, montada a partir de 1932 pelo depois coronel e engenheiro madeirense Ernesto Florêncio da Cunha (1890 – 1980), que fora governador-civil do Funchal entre 1927 e 1928.
Era constituída por 4 oficiais, 8 sargentos e 102 praças. A segunda bataria chega em março do mesmo ano, ficando classificada como 8.ª Bataria de Defesa Contra Aeronaves e provinha igualmente do Grupo n.º 1 de Cascais e com um efetivo idêntico. As peças antiaéreas foram instaladas em São Martinho. Ao longo de 1942, a Madeira receberá mais subunidades, que vão culminar na constituição do Grupo de Artilharia Contra Aeronaves n.º 5.
A Bataria de Referenciação equipada com projetores de origem britânica, desembarca na Ilha em 25 de junho de 1942, e em fevereiro de 1943, chegam à Madeira a 3.ª bataria equipada com peças de origem sueca Bofors 40 mm.
Neste período, completa-se o dispositivo de defesa contra ameaças aéreas e o arquipélago passa a contar com as seguintes unidades: 1 bataria de 9,4 cm. fixa em São Martinho, 1 bataria de 9,4 cm. fixa na zona do Palheiro Ferreiro, batarias Bofors 40 mm. dispersas por pontos estratégicos na cidade e a bataria de referenciação, que se colocava em pontos com boa visibilidade nas zonas altas do Funchal.
As peças modelos Vickers calibre 9,4 cm. M/40 MK II, de fabricação britânica, eram multifacetadas e possuíam características que também lhes permitiam efetuar fogo contra alvos de superfície, complementando assim a artilharia de costa situada no Pico da Cruz.
Após a Segunda Guerra Mundial, a Bataria de Costa n.º 2 manteve a sua operacionalidade, realizando-se exercícios com fogo real, até ao início década de 70 do século XX. O aumento da construção de habitações e hotéis, nas proximidades do Pico da Cruz, levou a que fosse necessário suspender a utilização de granadas de 15 cm. para a realização de fogo real.
Síntese Conclusiva:
A opção pela neutralidade adotada pelo governo português, durante a Segunda Guerra Mundial é algo que teve, de certo modo, alguma influência no final do conflito permitindo ao nosso país negociar com as outras potências, muito acima do seu peso político. Portugal tinha na “manga” três trunfos essenciais que lhe davam poder negocial: o volfrâmio, fundamental para o esforço de guerra, as ilhas atlânticas e os tratados de não agressão, com Espanha e com a Inglaterra (Tratado de Windsor).
Como referido ao longo da investigação, os arquipélagos atlânticos possuíam uma enorme importância geoestratégica para os beligerantes. Na conjuntura da época, a possibilidade de invasão ao arquipélago da Madeira, chegou a ser equacionada pelos Aliados e pelo Eixo. É provável, que se a Espanha franquista tivesse cedido aos apelos de Hitler para entrar na guerra ou mesmo se o Eixo ocupasse a Península Ibérica sem o consentimento espanhol, as ilhas da Madeira, Açores e Cabo Verde, seriam imediatamente ocupadas pelos Aliados, para cimentar a sua posição no Atlântico.
Se utilizarmos pressupostos elementares de geoestratégia, é fácil entender a importância do arquipélago da Madeira, neste contexto de conflito mundial, os beligerantes tinham necessidade de possuir pontos de apoio no meio do Atlântico, que lhes permitissem deslocar meios e homens para as zonas de conflito, bem como controlar o espaço marítimo.
Tendo em conta os meios militares mobilizados para a Madeira e todos os trabalhos de construção e requalificação de postos defensivos, podemos concluir que seriam insuficientes para conter e neutralizar uma ameaça naval/anfíbia significativa, sobretudo se o ataque partisse dos Aliados. No caso particular da Alemanha, que não dispunha de nenhum porta-aviões[3] operacional e tinha poucos meios de assalto anfíbio, o sistema defensivo, poderia oferecer alguma resistência.
Com a invasão da União Soviética em 1941 (Operação Barbarossa) o foco da Alemanha centra-se nas operações na frente Leste, a relutância da Espanha franquista em entrar na guerra ao lado do Eixo e o posterior arquivamento da Operação Felix, têm como consequência, um alívio da pressão sobre a soberania territorial portuguesa. Nesta conjuntura, a ameaça de invasão das ilhas atlânticas é cada vez mais distante.
O presente artigo, propôs-se através da consulta de fontes primárias, descrever as linhas gerais do plano defensivo da ilha da Madeira, bem como enfatizar a importância do arquipélago da Madeira durante a Segunda Grande Guerra, e contribuir desse modo para a divulgação de informações pertinentes e inovadoras relativamente ao importante património histórico/militar que esse conflito mundial nos deixou.
Fontes e Bibliografia:
Arquivo Museu Militar da Madeira (AMMM)
Caixa n.º 1 / Correspondência do Comando Militar da Madeira 1940-1945.
Caixa n.º 2 / Processo Informações e Operações/ Defesa da Madeira II G.M. 1941 a 1945.
Caixa n.º 3 / Processo Informações e Operações / Defesa da Madeira II G.M. 1941 a 1945. Pasta: Grupo de Artilharia Contra Aeronaves N.º 5.
Pasta: Construção da Bataria de Costa n.º 2 1940-1945.
BOTELHO, J., VICENTE, R. – Regimento de Guarnição N. º3 das origens à actulidade 1864-2008. Funchal. Grafimadeira. 2008.
RODRIGUES, Fábio – O aparelho Defensivo na Madeira na Segunda Guerra Mundial. Funchal: Universidade da Madeira, 2023. Dissertação de Mestrado.