Criacionismo, Exegese e Criacionismo Antropológico

Partilhamos hoje duas instâncias de pensamento criacionista pertencentes a espécies e esferas diferentes. Primeiro, o mais conhecido de todos, no entanto em absoluto minoritário não só hoje mas desde sempre: a crença de que o mundo e o universo terão cerca de seis mil anos de idade, resultante de leituras literais de certos textos sagrados como a bíblia. Esta é a sua versão mais conhecida, mas existem, é claro, variantes em grau que admitem datações mais antigas, evolução darwiniana, etc., sendo porém toda a criação modelada pelo intelligent design da providência. Noutras culturas e religiões podemos encontrar visões minoritárias que também atribuem ao mundo uma idade real muito diminuída em relação à evidência científica, mas é importante sublinhar que estas não são nem nunca foram as tradições dominantes na interpretação de textos sagrados, que são maioritariamente aceites como veiculares da palavra divina de modo não literal e que devem ser sujeitos a interpretação, que designamos como exegese sagrada. É claro que, e abordando agora por graça uma das variantes mais extremas, coronária desta disposição mental, a partir do momento que se negam evidências fósseis e coisas que tais, e se alega retorcidamente que o mundo foi criado com sinais de antiguidade já embutidos na sua forma — por que razão, não sabemos — chegamos facilmente à caricatura da tese do “last thursdayism” — a crença de que o mundo foi criado na última quinta-feira. Depois, sublinhamos um fenómeno a que podemos chamar de criacionismo antropológico muito prevalente numa certa dimensão de ingenuidade do discurso sobre povos, culturas e civilizações: a ideia de que existem povos originais assignados por ditame divino a cada uma das terras do mundo: os índios nas américas, os chineses na china, os europeus na europa, os negros em áfrica, os judeus e árabes na palestina, etc. Esta é uma espécie de crença de que o mundo terá sido criado com cada uma destas populações já bem instalada nos respectivos sítios, como se tivesse sido “spawned” — pedindo emprestado o termo dos vídeo-jogos — e caído milagrosamente do céu na sua terra eleita. Esta visão, própria de ignorantes que molham o pé na turbulência política própria de certos adolescentes mentais, pretende ignorar completamente a história das migrações — sendo que se pode dizer, de certa maneira, que a partir da áfrica sub-saariana, de onde emergiu o homo sapiens sapiens conforme hoje o conhecemos, todas as terras foram ocupadas/colonizadas cíclica e infindavelmente, não sendo possível determinar origens mas sim coerência de permanência de povos e culturas em determinados territórios — que, mesmo assim, muitas vezes se dissolvem na história universal de modo a não ficar distinto qual das permanências de povos é mais válida, ou exactamente o que constitui um povo. É com estas visões exóticas que vos deixamos a pensar.