Texto introdutório e descrições de Ana Sérgio. Agradecemos o destaque das citações e as linhas gerais deste documento a uma autora que por enquanto prefere manter-se anónima. Maria Lamas (1893 — 1983) foi uma escritora, jornalista, e feminista portuguesa. O livro é de 1948, e pretendia retratar a vida das mulheres portuguesas (maioritariamente pertencentes ao mundo rural) na época. A tentação de romantização do “antigamente” em que algums podem cair deve ser educada também por estes documentos reais e atestados, para que a ideia do passado como idílio não contamine as impressões e as decisões do presente.
O livro foi publicado em fascículos pelo jornal Público. Biografias mais extensas da autora podem ser encontradas aqui e aqui.
Sigamos então para os destaques:
O vestuário das mulheres rurais, neste tempo, era geralmente modesto e também abundantemente preto, devido às ausências dos maridos por morte ou por emigração, constituindo aquilo a que se chamava a “viúva de emigrante” — sendo incerto se o marido voltaria ou não, podendo manter-se lá fora por escolha própria indefinidamente e até mesmo constituir nova família. Não poucas vezes, quando voltavam — quinze, vinte ou mais anos depois — pretendiam voltar a tomar posse da família original, ao que as mulheres se tinham em geral de se submeter — os filhos, nem tanto.
Quanto mais para norte, mais carregado e pesado o traje de preto:
Entre Caminha e Viana do Castelo (zona de Afife), no baixo minho, resistiam ainda fatos mais tradicionais e mais coloridos. Mas o vestuário de trabalho das camponesas era em geral bastante diferente do traje de cerimónia das lavradeiras mais abastadas:
Curiosamente, estas mulheres não se viam como vivendo uma vida feliz e justa, mas sim como cumprindo um sacrifício necessário, resultante da sua condição de serem mulheres:
A emigração, que já referimos, era um traço dominante geral na vida rural portuguesa da primeira metade do século e mais além. Emigrava-se para o Brasil, os Estados Unidos ou para a Europa, ficando anos sem visitar, às vezes sem escrever nem dar notícias. A emigração acontecia também no sentido do mundo rural para as grandes cidades portuguesas, principalmente Lisboa. Voltava-se à terra no Natal, procriava-se novamente, fazendo mais um filho, e de novo voltavam ao destino de emigração:
Na passagem abaixo, um homem regressa dos Estados Unidos da América, muito tempo depois. Nem a mulher o reconhece. Mas retomam a vida normal:
Uma outra passagem sobre a solidão destas mulheres:
Por último, uma dramática descrição de uma mãe que afirma que o melhor que poderia acontecer ao filho seria morrer, para não passar as penas tão grandes que passará nesta vida:
São excertos que nada têm de insignificante e que retratam de maneira exemplar o panorama da vida rural portuguesa, em particular do universo feminino, no Portugal pobre, aliás, miserável, do início do passado século. Deixamos aqui para registo, para memória, para desfruto dos leitores interessados, que cremos que serão muitos. Terminamos dizendo que muitos dos nossos avós e bisavós, de todos nós, não só conhecem mas viveram esta realidade porutuguesa, que está muito mais perto do que à partida parece.