Sobre os desafios e as mudanças que o contexto pandémico mais recente trouxe à investigação científica e à sua relação com o público. Texto de Miguel Prudêncio, Investigador Principal do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes; Prof. Associado da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (mprudencio@medicina.ulisboa.pt) Revisão de João N.S. Almeida e Sílvia Pereira Diogo. Imagem de Helena Pinheiro, também do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes.
Há momentos na história em que o que já era conhecido por muitos se torna evidente para todos. Ao sensibilizar o mundo inteiro para o papel essencial da ciência nas sociedades atuais, a pandemia de COVID-19 corresponde sem dúvida a um desses momentos. Raramente, se é que alguma vez, foi pedido a tantos cientistas que partilhassem os seus conhecimentos ou expressassem a sua opinião ao público em geral. Raramente, se é que alguma vez, as pessoas confiaram tão ansiosamente nos investigadores para lhes darem as respostas que procuravam na sua busca por um regresso à normalidade. A grande maioria do mundo vê a ciência como o único caminho para a paz e tranquilidade que esta pandemia nos tirou. Como resultado, os cientistas são confrontados com uma oportunidade excecional de fazer uma verdadeira diferença no mundo, mas também com a extraordinária responsabilidade que resulta da sua visibilidade sem precedentes e do escrutínio constante a que hoje são sujeitos. O que pode, então, a ciência alcançar durante um período de pandemia? Defendo que a resposta a esta pergunta assenta em três pilares, que enquadram o papel dos cientistas no contexto de estados pandémicos presentes ou futuros: (i) a capacidade de responder prontamente a situações de emergência, (ii) a constante vontade de informar e combater a desinformação, e (iii) a capacidade de preparar o mundo para lidar eficazmente com surtos futuros.
Resposta Pronta à Emergência
Apesar dos avisos de grande parte da comunidade científica, quando a pandemia de SARS-CoV-2 chegou, a maior parte do mundo foi apanhada de surpresa. Quase do dia para a noite, um país após outro foi forçado a implementar medidas para restringir a propagação da infeção. “Achatar a curva” passou a ser uma expressão conhecida por todos, pois tornou-se evidente que só mantendo as taxas de infeção sob controlo é que os serviços de saúde seriam capazes de lidar com as necessidades dos seus cidadãos[1]. A comunidade científica empenhou-se ativamente numa corrida para diagnosticar, tratar e vacinar eficazmente contra a COVID-19. Foram prontamente disponibilizados fundos para que os investigadores perseguissem estes objetivos cruciais, e os cientistas começaram a trabalhar ininterruptamente para os atingir. Ao mesmo tempo, os investigadores não pouparam esforços para compreender a imunologia da infeção pelo SARS-CoV-2, numa tentativa de determinar a duração da imunidade adquirida após a exposição ao vírus e de prever os requisitos para que a imunidade de grupo fosse atingida. Das grandes farmacêuticas às instituições académicas, tanto nos países ricos como nos menos ricos, investigadores de diversos ramos das ciências da vida responderam ao apelo, numa tentativa de resolver a situação de emergência em que o mundo repentinamente se encontrou.
Melhoria da Capacidade de Testes: O Exemplo Português
Portugal é um país europeu relativamente pequeno, com uma vibrante, embora subfinanciada, comunidade científica. O primeiro caso de infeção por SARS-CoV-2 em Portugal foi registado a 2 de março de 2020, algumas semanas mais tarde do que em vários outros países europeus. A consciencialização do que provavelmente se seguiria sensibilizou as autoridades e a comunidade científica para a necessidade de realizar testes de diagnóstico a um número crescente de pessoas potencialmente infetadas com o vírus. Como está descrito num artigo no The Lancet Infectious Diseases[2], a capacidade de teste do país nessa altura era de cerca de 1500 testes por dia. No Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (iMM), rapidamente se compreendeu que isto se tornaria insuficiente. Constatando que o iMM possuía o equipamento e os conhecimentos necessários para a realização destes testes, eles foram prontamente implementados nas instalações deste instituto de investigação. No espaço de algumas semanas, foi estabelecido e validado pela Autoridade Nacional de Saúde um protocolo de testagem à COVID-19, e uma equipa de mais de 100 voluntários de entre a comunidade de investigadores do iMM dedicou-se à realização rotineira de testes de diagnóstico. Esta iniciativa foi prontamente replicada por universidades e institutos de investigação de todo o país e, no início de julho de 2020, 25 dessas instituições estavam a realizar testes de diagnóstico COVID-19 nas suas instalações, em estreita coordenação com os Ministérios da Ciência e Tecnologia, da Saúde, e do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, que acolheram e apoiaram calorosamente este empreendimento. Portugal tornou-se um dos dez países que mais testes diários per capita faziam em todo o mundo, um fator que certamente contribuiu para uma capacidade de controlar a propagação da infeção, naquilo que à época foi denominado pela imprensa internacional “o milagre português”. Embora seja certo que os milagres não existem, como as vagas subsequentes da pandemia vieram demonstrar, é igualmente claro que a capacidade de mobilização dos cientistas para responder a uma emergência desempenha um papel fulcral na contenção do impacto dos surtos de doenças como a COVID-19.
Testes de Diagnóstico, Terapias e Vacinas
Uma situação pandémica exige respostas imediatas que só a ciência pode dar. Logo que surgiu o surto da SARS-CoV-2, os cientistas empenharam-se na criação de testes de diagnóstico, na identificação de terapias eficientes e no desenvolvimento de uma vacina eficaz. A investigação nestes domínios ampliou-se, e os estudos multiplicaram-se a um ritmo sem precedentes. Foram criados testes baseados em vírus e anticorpos para detetar infeções atuais e anteriores, respetivamente[3], e rapidamente foram disponibilizados testes de diagnóstico rápidos e acessíveis[4]. Vários medicamentos já existentes foram avaliados para determinar o seu potencial de serem re-orientados para tratar a COVID-19[5], e terapias inovadoras, tais como tratamentos baseados em anticorpos, começaram a surgir e a multiplicar-se[6]. Foram desenvolvidos múltiplos candidatos a vacina, alguns dos quais expandindo os limites da vacinologia para além do estado da arte na altura. Em apenas alguns meses, surgiu uma constelação de candidatos à vacinação contra a COVID-19[7], empregando metodologias que vão desde vacinas baseadas em mRNA- /DNA e vetores virais, a vacinas baseadas em proteínas e vacinas inativadas[8]. Todas estas conquistas foram feitas em tempo recorde, uma vez que a comunidade científica provou que pode mobilizar-se para dar as respostas de que o mundo precisa. Perante esta realidade, não restam dúvidas de que a prontidão da ciência para agir decisivamente perante o desconhecido continuará a ser absolutamente crítica no caso de surtos futuros.
Desmascarar a Desinformação
Embora as notícias falsas não sejam um fenómeno novo, a pandemia COVID-19 forneceu terreno fértil para teorias de conspiração, proclamações enganosas, e mentiras flagrantes, amplamente propagadas pelas redes sociais e serviços de mensagens. A Internet foi inundada por desinformação sobre as origens do vírus, sobre práticas pseudocientíficas que ofereciam curas milagrosas, e por uma variedade de contestações infundadas dos factos estabelecidos pela ciência, feitas por negacionistas, muitas vezes guiados por agendas políticas obscuras. No entanto, tal como foi observado por Timothy Caulfield num artigo na Nature, esta “infodemia” também desencadeou uma reação de verificação e desmascaramento de informações falsas, com o objetivo de contrariar a propagação de falsidades relacionadas com a COVID-19[9]. Neste domínio, os cientistas têm desempenhado, e continuarão a desempenhar, um papel fundamental, combatendo a ficção com factos, opondo conhecimento científico à pseudociência, e refutando mentiras com a verdade.
COVID-19: A Negação da Ciência e o Movimento Antivacina
Embora a negação da ciência possa manifestar-se de diferentes formas, geralmente gira em torno de uma desconfiança no governo e nos media, combinada com a convicção de que a ciência é incapaz de lidar com problemas e a crença de que “eles” têm uma agenda orientada para o dinheiro e para trazer danos ao mundo[10]. A negação da COVID-19 é o último exemplo desta desconfiança, que se propagou de forma excecionalmente rápida, podendo causar danos significativos. Em todo o mundo, surgiram movimentos auto-intitulados “pela verdade”, ostentando as mais desconcertantes teorias de conspiração, fazendo afirmações totalmente falsas sobre as origens do vírus, e minando as medidas de saúde pública, tais como testes de diagnóstico, rastreio de contatos, ou distanciamento social[11]. O movimento antivacinas, que emergiu há mais de vinte anos e se deslocou em medida significativa para uma extrema-direita habitualmente cética de qualquer ação governamental, frequentemente anti-globalista, e por vezes claramente delirante, por volta de 2015[12], encontrou um terreno prolífico onde florescer. Surgiram alegações difamatórias, incluindo a de que Bill Gates pretenderia a vacina contra a COVID-19 como meio de implantar dispositivos de rastreio com microchips[13]. Enquanto os meios de comunicação responsáveis como o The New York Times fizeram o seu melhor para desmascarar tais afirmações[14], os membros dos movimentos antivacinas continuaram a proclamar os “factos alternativos” que povoam a “realidade alternativa” em que vivem. Por sua vez, estas teorias são amplificadas por câmaras de eco alimentadas pelas redes sociais, que tendem a reforçar as falsas crenças e desencorajam as pessoas de procurar a verdade. O Dr. Bruce L. Miller observa que a baixa literacia científica faz com que “pessoas geralmente racionais e competentes compreendam mal a ameaça da COVID-19 e se sintam mais confortáveis com dados falsos do que com informação cientificamente sólida”[15]. Desta forma, a desinformação tende a espalhar-se e a encontrar aceitação por muitos em todo o mundo. Tal como Stephen Hawking famosamente disse, o maior inimigo do conhecimento não é a ignorância, mas sim a ilusão do conhecimento. Por conseguinte, os cientistas devem esforçar-se constantemente por aumentar a consciência científica e fornecer o conhecimento necessário para que qualquer pessoa saiba distinguir os mitos dos factos.
O Papel Crucial dos Cientistas
O conjunto de pessoas que mostram ceticismo relativamente às vacinas contra a COVID-19 está longe de constituir um grupo uniforme, guiado por convicções e motivações idênticas. É, pois, fundamental distinguir quem tem dúvidas legítimas e anseios perfeitamente compreensíveis de quem propala ideias lunáticas e até perigosas. Os primeiros merecem todo o respeito e atenção da parte dos cientistas, que devem continuamente procurar esclarecer e clarificar as suas questões, sempre com base na ciência e no conhecimento disponível. Já os segundos são tendencialmente impermeáveis aos factos e à razão, tornando os argumentos lógicos e as explicações científicas largamente ineficazes. Em qualquer caso, numa altura em que circula informação contraditória e muitas vezes incorreta, fontes fiáveis de dados e factos cientificamente corretos tornam-se mais críticos do que nunca. À medida que a pandemia de COVID-19 se desenrolava, cientistas, médicos e especialistas em saúde pública tornaram-se uma presença regular nos meios de comunicação tradicionais. A única forma de transmitir informações fidedignas durante um período de pandemia é responder eficazmente às perguntas que estão na mente das pessoas e transmitir o conhecimento que lhes permite tomar as decisões corretas. De facto, tal como notado por Caulfield, os investigadores devem ser participantes ativos na luta pública contra a desinformação e devem encarar a correção de deturpações como parte da sua responsabilidade profissional. As estratégias para combater as notícias falsas devem visar dotar o público em geral das ferramentas para as reconhecer como tal, preenchendo a paisagem noticiosa com informações fidedignas, e contribuindo assim para o combate a práticas de saúde pseudocientíficas[16]. Todos estes esforços podem e devem ser empreendidos por cientistas. Mas o papel dos cientistas durante uma pandemia não é apenas o de combater a desinformação: é também responder às preocupações genuínas das pessoas, de forma transparente e precisa. Perguntas como “a vacina foi desenvolvida demasiado depressa?”, “são seguras?” ou “devo ser vacinado?” foram feitas por muitos, uma vez que as vacinas começaram a ser lançadas e os planos de vacinação começaram a ser elaborados. Os investigadores devem esforçar-se por dar respostas claras e honestas a tais perguntas, num esforço constante para elucidar e informar. Só assim estarão a cumprir o seu papel tanto como cientistas como como membros responsáveis da sociedade.
Preparação contra ameaças presentes e futuras
Embora a pandemia de SARS-CoV-2 tenha sido uma surpresa para muitos, a verdade é que ocorreram vários avisos sobre a probabilidade iminente de uma infeção por via aérea como esta. Tais alertas incluíram desde declarações de personalidades ligadas à filantropia na área da saúde pública, como Bill Gates[17], passando por filmes de Hollywood assustadoramente realistas como Contagion[18], até artigos científicos em revistas respeitadas[19],[20] e relatórios de conselhos internacionais[21]. Infelizmente, estes alertas não foram suficientes para garantir que o mundo estivesse preparado para agir quando a COVID-19 acabou por nos atingir. Contudo, hoje poucos acreditam que este tenha sido um acontecimento isolado, e é agora comummente aceite que o mundo testemunhará futuros eventos epidémicos e pandémicos, cujas especificidades e impacto exatos são quase impossíveis de prever. Esta realidade exige o tipo de preparação para surtos iminentes de grande escala que só a ciência pode proporcionar.
Plataformas de Terapia e Vacinação
À medida que a gravidade da COVID-19 e a escassez de tratamentos eficazes contra a infeção por SARS-CoV-2 se tornaram evidentes, os cientistas desenvolveram esforços significativos para criar novas terapias contra a doença. No final de 2021, estavam já em investigação mais de 300 novos tratamentos contra a COVID-19, incluindo várias abordagens antivirais inovadoras[22]. Estes esforços incluem terapias baseadas em anticorpos, utilizando soro convalescente ou anticorpos gerados em laboratório; terapias celulares visando melhorar a resposta imunitária dos pacientes; e terapias baseadas em RNA, utilizando moléculas de RNA geneticamente alteradas para bloquear a construção de proteínas virais e desta forma impedir a replicação viral. Os grandes avanços feitos em todas estas frentes enriqueceram o arsenal dos cientistas para não só intervir terapeuticamente contra doenças existentes, mas também para combater prontamente as ameaças impostas por pandemias futuras.
Até recentemente, a maioria das vacinas contra infeções virais licenciadas para uso humano eram baseadas em organismos inteiros, empregando vírus inativados ou atenuados, ou baseadas em subunidades, utilizando proteínas virais recombinantes ou purificadas. A par do desenvolvimento pré-clínico e clínico de múltiplas vacinas candidatas utilizando estas abordagens “clássicas”, a pandemia COVID-19 levou ao aparecimento de plataformas de vacinação inovadoras, incluindo vacinas de ácidos nucleicos e de vetores virais. Algumas destas tecnologias tinham até então sido exploradas principalmente como potenciais terapias contra o cancro. No entanto, a COVID-19 acelerou o seu desenvolvimento como plataformas de vacinas para vírus emergentes[23]. O enorme êxito destas novas estratégias de vacinação, associado à monitorização e revisão de dados em tempo real por parte de agências reguladoras, permitiu que as vacinas absolutamente seguras e altamente eficazes contra a COVID-19 fossem aprovadas para uso humano em tempo recorde. De facto, poucas pessoas teriam pensado que as campanhas de vacinação contra esta doença teriam início em todo o mundo antes do final do ano 2020, como veio a acontecer. O extraordinário sucesso das vacinas baseadas no mRNA e adenovírus, combinado com a sua elevada adaptabilidade, constituirão certamente ferramentas inestimáveis para agir prontamente face a surtos futuros de infeções virais.
A COVID-19 mostrou que o reforço da preparação da comunidade científica para futuras pandemias será crucial para a sua gestão eficaz. As conquistas científicas feitas em resposta ao SARS-CoV-2 deixarão sem dúvida o mundo mais bem preparado para lidar com ameaças vindouras. O legado duradouro de novas ferramentas biológicas resultantes da resposta dada pela comunidade científica a esta pandemia, permitirá uma resposta cada vez mais eficaz não só contra novos agentes infeciosos, mas também contra doenças que há muito afligem a humanidade.
Compreender a imunidade contra o SARS-CoV-2
A monitorização e compreensão da imunidade contra o SARS-CoV-2 é fundamental não só para combater a COVID-19, mas também para aumentar a preparação do mundo para lidar com futuros eventos pandémicos. As bases de dados da literatura médica são constantemente enriquecidas por estudos que fornecem os dados mais recentes sobre a cinética e durabilidade das respostas imunitárias suscitadas pela infeção natural com este vírus[24],[25] ou pela vacinação contra a doença[26],[27]. Estes dados desempenham um papel fulcral no fornecimento não só de informação preciosa acerca do estado imunitário da população num determinado momento, mas também de informação crítica sobre a progressão desta imunidade ao longo do tempo, o que constitui uma base científica fundamental para a tomada de decisões relativas à necessidade de reforços de vacinas.
Desafios não resolvidos
A melhoria sem precedentes nos cuidados médicos, permitida pelos extraordinários avanços no conhecimento científico ao longo do século passado, trouxe mudanças significativas na qualidade e na duração da vida humana. Doenças infeciosas que outrora eram uma sentença de morte tornaram-se evitáveis ou tratáveis, salvando inúmeras vidas e acrescentando muitos anos de vida a muitos seres humanos. No entanto, e apesar dos extraordinários progressos feitos nos últimos anos, muitos desafios continuam por enfrentar. De facto, já no século XXI, doenças infeciosas como o VIH/SIDA, tuberculose e malária ainda matam milhões de pessoas todos os anos. Crucialmente, as mortes devidas a estas doenças estão desigualmente distribuídas, e são mais de seis vezes mais elevadas em áreas de rendimento baixo e médio-baixo do que em regiões de rendimento médio e médio-alto[28]. Como tal, o impacto de diversas doenças infeciosas na vida de milhões pessoas de entre as mais vulneráveis do mundo deve ser urgentemente abordado. A resposta à pandemia da COVID-19 mostrou que a ciência é capaz de dar as respostas a estes desafios, desde que isto seja uma prioridade para os políticos e os decisores, e que esteja disponível financiamento apropriado para a investigação necessária para encontrar essas respostas.
Financiamento sustentado para a investigação científica
A pandemia de SARS-CoV-2 fez aumentar a consciêncialização do mundo acerca do papel crucial da investigação científica para a saúde global, e desencadeou um apoio financeiro invulgarmente célere e generoso à investigação relacionada com a COVID-19[29]. Embora este tipo de financiamento reativo não seja uma novidade, é duvidoso que constitua a abordagem mais eficaz para o futuro. De facto, crises passadas demonstraram que uma vez um surto controlado, governos e doadores tendem a virar a sua atenção para outras preocupações prementes. Numa reunião recente da Assembleia Geral das Nações Unidas, a Organização Mundial de Saúde prometeu “pôr fim a este ciclo de ‘pânico-e-esquecimento’, [que] tem impedido o desenvolvimento de uma preparação eficaz para emergências em todo o mundo”[30]. Para alcançar este objetivo, é imperativo que se retirem lições do passado e do presente[31]. A prevenção eficaz ou o tratamento de doenças infeciosas não é apenas uma questão de lidar com o desafio médico que elas representam, mas também uma questão de vontade política. Os decisores políticos e as agências de financiamento devem continuar empenhados num financiamento adequado, equitativo e sustentado da Investigação e Desenvolvimento, como o único caminho para enfrentar as ameaças à saúde global e reforçar o nosso nível coletivo de preparação contra ameaças iminentes.
Apesar do seu enorme impacto, a COVID-19 pode ter também um lado positivo. Embora seja evidente que o SARS-CoV-2 mudou a vida de todos, em todo o mundo, não é menos verdade que levou a avanços científicos espantosos, cujos impactos potenciais vão muito para além da atual pandemia. O advento das primeiras vacinas de de ácidos nucleicos aprovadas para uso humano abre caminho a conquistas cujo alcance podem alterar o futuro da medicina, muito para além das doenças infeciosas. De facto, os progressos científicos realizados em resposta à COVID-19 irão provavelmente impulsionar a investigação sobre terapias baseadas em ARN em áreas da medicina que vão desde o cancro ao envelhecimento. Ao mesmo tempo, o mundo apercebeu-se, como nunca antes, que a ciência é um trampolim fundamental no caminho para o bem-estar e prosperidade. E se há uma coisa que a pandemia tornou evidente, é que quase não há limites para o que os cientistas podem alcançar, desde que lhes seja dada a oportunidade e os meios para perseguirem os sonhos do mundo.
Referências
-
Alwan, N. A. et al. Scientific consensus on the COVID-19 pandemic: we need to act now. Lancet 396, e71-e72, doi:10.1016/S0140-6736(20)32153-X (2020). ↑
-
Triunfol, M. High COVID-19 testing rate in Portugal. Lancet Infect Dis 20, 783, doi:10.1016/S1473-3099(20)30499-0 (2020). ↑
-
CDC. COVID-19 Testing Overview, <https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/symptoms-testing/testing.html. ↑
-
Vandenberg, O., Martiny, D., Rochas, O., van Belkum, A. & Kozlakidis, Z. Considerations for diagnostic COVID-19 tests. Nat Rev Microbiol, doi:10.1038/s41579-020-00461-z (2020). ↑
-
Ng, Y. L., Salim, C. K. & Chu, J. J. H. Drug repurposing for COVID-19: Approaches, challenges and promising candidates. Pharmacol Ther 228, 107930, doi:10.1016/j.pharmthera.2021.107930 (2021). ↑
-
Socienty, T. A. COVID-19 Biologics Tracker, <https://www.antibodysociety.org/covid-19-biologics-tracker/> (2021). ↑
-
Times, T. N. Y. Coronavirus Vaccine Tracker, <https://www.nytimes.com/interactive/2020/science/coronavirus-vaccine-tracker.html> (2021). ↑
-
Krammer, F. SARS-CoV-2 vaccines in development. Nature 586, 516-527, doi:10.1038/s41586-020-2798-3 (2020). ↑
-
Caulfield, T. Pseudoscience and COVID-19 – we’ve had enough already. Nature, doi:10.1038/d41586-020-01266-z (2020). ↑
-
Smith, T. C. & Reiss, D. R. Digging the rabbit hole, COVID-19 edition: anti-vaccine themes and the discourse around COVID-19. Microbes Infect 22, 608-610, doi:10.1016/j.micinf.2020.11.001 (2020). ↑
-
Hotez, P. J. COVID19 meets the antivaccine movement. Microbes Infect 22, 162-164, doi:10.1016/j.micinf.2020.05.010 (2020). ↑
-
Hotez, P. J. Anti-science extremism in America: escalating and globalizing. Microbes Infect 22, 505-507, doi:10.1016/j.micinf.2020.09.005 (2020). ↑
-
Porterfield, C. in Forbes (2020). ↑
-
Wu, K. J. in The New York Times (2020). ↑
-
Miller, B. L. Science Denial and COVID Conspiracy Theories: Potential Neurological Mechanisms and Possible Responses. JAMA 324, 2255-2256, doi:10.1001/jama.2020.21332 (2020). ↑
-
Fleming, N. Coronavirus misinformation, and how scientists can help to fight it. Nature 583, 155-156, doi:10.1038/d41586-020-01834-3 (2020). ↑
-
Gates, B. in TED Talk (2015). ↑
-
Soderbergh, S. (2011). ↑
-
Morens, D. M., Folkers, G. K. & Fauci, A. S. Emerging infections: a perpetual challenge. Lancet Infect Dis 8, 710-719, doi:10.1016/S1473-3099(08)70256-1 (2008). ↑
-
Olival, K. J. et al. Host and viral traits predict zoonotic spillover from mammals. Nature 546, 646-650, doi:10.1038/nature22975 (2017). ↑
-
WHO. Global Preparedness Monitoring Board. A world at risk: annual report on global preparedness for health emergencies. (Geneva, 2019). ↑
-
MilkenInstitute. COVID-19 treatment and vaccine tracker, <https://covid-19tracker.milkeninstitute.org/> (2021). ↑
-
van Riel, D. & de Wit, E. Next-generation vaccine platforms for COVID-19. Nat Mater 19, 810-812, doi:10.1038/s41563-020-0746-0 (2020). ↑
-
Wang, Z. et al. Naturally enhanced neutralizing breadth against SARS-CoV-2 one year after infection. Nature 595, 426-431, doi:10.1038/s41586-021-03696-9 (2021). ↑
-
Turner, J. S. et al. SARS-CoV-2 infection induces long-lived bone marrow plasma cells in humans. Nature 595, 421-425, doi:10.1038/s41586-021-03647-4 (2021). ↑
-
Barouch, D. H. et al. Durable Humoral and Cellular Immune Responses 8 Months after Ad26.COV2.S Vaccination. N Engl J Med, doi:10.1056/NEJMc2108829 (2021). ↑
-
Turner, J. S. et al. SARS-CoV-2 mRNA vaccines induce persistent human germinal centre responses. Nature, doi:10.1038/s41586-021-03738-2 (2021). ↑
-
WHO. Disease burden and mortality estimates, <https://www.who.int/healthinfo/global_burden_disease/estimates/en/> (2018). ↑
-
Prudencio, M. & Costa, J. C. Research funding after COVID-19. Nat Microbiol 5, 986, doi:10.1038/s41564-020-0768-z (2020). ↑
-
WHO. The best time to prevent the next pandemic is now: countries join voices for better emergency preparedness, <https://www.who.int/news/item/01-10-2020-the-best-time-to-prevent-the-next-pandemic-is-now-countries-join-voices-for-better-emergency-preparedness> (2020). ↑
-
Pan, X. et al. Lessons learned from the 2019-nCoV epidemic on prevention of future infectious diseases. Microbes Infect 22, 86-91, doi:10.1016/j.micinf.2020.02.004 (2020). ↑