Crítica: Estudos Comparados em “Viagem à Petrópolis”, C. Lispector e “O homem mais magro de Luanda”, Ondjaki

Texto de Estéfany Melo de Lima e Pablo Ítalo Moura Anchieta

Esse ensaio visa discutir particularidades internas aos contos “Viagem à Petrópolis” e “O homem mais magro de Luanda”, expondo as ideias acerca da composição dos textos literários e como eles podem se relacionar, trazendo aspectos semelhantes e discrepantes nas histórias, assim como se constrói a narrativa em cada uma delas.

As narrativas dos contos relacionados trazem aspectos intrigantes acerca da visão dos narradores à Mocinha (protagonista de “Viagem à Petrópolis”) e ao Val (protagonista de “O homem mais magro de Luanda”), onde ambos são caracterizados como pessoas magras, silenciosas, misteriosas e que causam certa estranheza no leitor, visto que ambos são personagens comuns, não muito valorizados pelos demais personagens em ambas as histórias. Tornou-se instigante a análise comparativa de dois contos que, mesmo tão distintos em narrativa, possuem personagens que compartilham de características semelhantes, e que por isso, sua comparação é evidentemente conveniente ao estudo.

Em “Viagem a Petrópolis” de Clarice Lispector, Mocinha, uma senhora, vive “de favor” na casa de estranhos que, cansados de sua estadia, optam por mandá-la para Petrópolis, onde viveria a partir de então com seus familiares. Clarice em seu livro A legião estrangeira, coletânea de contos de temas variados, aborda questões familiares, infantis e a solidão, sendo um deles “Viagem à Petrópolis”. Clarice permeia reflexões existenciais com maestria em sua obra, com domínio singular das palavras, ela transmite emoções em seu conto que trazem o leitor para dentro da história. Grande romancista, pertence à terceira geração modernista, tem A hora da estrela como uma de suas obras mais famosas.

“O homem mais magro de Luanda”, de Ondjaki, tem como tema a festa do tio do protagonista, regada de cerveja e pessoas alcoolizadas que tem como peripécia a presença inesperada de Val, o dito homem mais magro de Luanda, visita essa que surpreenderia o tio e viria a instigar o protagonista. Ondjaki em seu livro Os da minha rua, coletânea de 22 contos que remetem a infância do autor, é um livro em que os contos podem ser lidos individualmente ou em formato de romance. Escrito em primeira pessoa, há a presença de elementos brasileiros nos contos que exprimem a sua influência na cultura angolana, como a referência ao cantor Roberto Carlos e a novela “Roque Santeiro”. Ondjaki escreveu belas histórias em seus contos, sempre trazendo a perspectiva curiosa de Ndalu, a personagem principal, sobre sua vida cotidiana e todos os acontecimentos presentes em suas vivências, que não são incomuns em “O homem mais magro de Luanda”. Ganhou em 2017 o Grande Prémio de Conto Camilo Castelo Branco pela sua obra Os da minha rua.

O conto “Viagem a Petrópolis”, inicia com a descrição das características físicas e emocionais da protagonista Mocinha, retratando como ela era velha, vivia e dormia de favores na casa de estranhos. Mesmo não dando despesa, não comendo muito, e dormindo em pequenos espaços, continuava sempre sendo grata. Essa dependência ocorre uma vez que seus parentes mais próximos já haviam morrido, o fato de que já é velha e fraca fez com que a família que a acolheu decidisse mandá-la para Petrópolis juntamente com o filho da casa e sua namorada. A ideia de viajar deixou Mocinha nervosa ao ponto de não conseguir dormir na noite anterior à viagem, a fazendo viajar por lembranças passadas de parentes queridos.

Na manhã seguinte, Mocinha parte adentrando ao carro com os demais passageiros, sentada à janela pôde observar a paisagem, no percurso tirou um cochilo, onde teve um sonho com seu marido falecido vendo-o de paletó e de sua amiga Maria Rosa, começando a rever recordações. Os passageiros agitados se incomodavam com a presença de Mocinha querendo deixá-la sozinha, confiando na possibilidade de conseguir outro local para ela ficar.

Finda a viagem, Mocinha desce do carro e adentra a casa de uma alemã que a acolheu e lhe deu um pouco de comida, a dona da casa a investigava e desacreditava de que a velha tivesse chegado a casa por recomendação de sua cunhada. O marido da alemã, não satisfeito com a presença de Mocinha, deu dinheiro para que a mesma pegasse um trem rumo ao Rio, para ficar com sua mãe, Mocinha aceita e sai à rua.

Em devaneio, caminhando, seus pensamentos voltaram ao marido, pouco a pouco, se afasta da estação, em meio a sua epifania, continuava a caminhar, sentia sede, mas não parava, era quente, logo ela encontra um chafariz, onde bebe com vigor a água que escorria em suas mãos, se sente saciada e sobe à estrada novamente onde senta em uma pedra junto a uma árvore para apreciar o céu azul, cansada, olhando para a estrada, branca e vazia, encosta a cabeça no tronco da árvore e morre.

No conto, “O homem mais magro de Luanda” começa com a “descrição” da casa do tio do protagonista chamado Chico, o qual de acordo com o mesmo, tinha talvez a cerveja mais deliciosa de Luanda. O narrador personagem (Ndalu) e sua tia tinham a ocupação de servir a cerveja para os clientes. Seu tio reconhecia as pessoas que adentravam somente pela maneira como apertavam a campainha, o tio oferecia além da cerveja, acompanhamentos para os camaradas degustarem ao bebê-la.

O tio possuía o hábito de construir, chegando a construir um espaço do tamanho de um quarto para guardar os estoques de sua cerveja. Entretanto, aconteceu um dia de seu tio não reconhecer quem tocou a campainha e pedir para o miúdo (Ndalu) atender, quando a tia o interrompe não deixando-o atendê-la sozinho, e logo, acompanhando o menino, abre o portão, e era Vaz, que era talvez o homem mais magro de Luanda procurando por seu Chico que o recebe. O tio pergunta se Val tem medo de o cumprimentar, e Val, mesmo com relutância, vai em sua direção, e Chico o cumprimenta de maneira que é apertado com força. Em seguida, Chico pede para o garoto trazer uma cerveja para Val que bebe a bebida sem pudor. Depois do jantar, o menino ouve Chico falar no telefone com alguém, ele e sua tia ficaram curiosos em saber do que se tratava, seu tio pede para Rosa trazer uma cerveja e ao pegá-la brinda sozinho desejando saúde à Val enquanto se dirige à seu quarto. Tio Chico explica de forma curta e breve que Val estava no estava no hospital com duas costelas quebradas, não mais falando, apaga o candeeiro, em seguida Tia Rosa prepara a acomodação do garoto para não ser picado por mosquitos nos braços durante a madrugada, Ndalu dorme.

Os dois contos são narrados, sendo o primeiro conto narrado por um narrador onisciente (que tem total conhecimento da personagem e dos fatos). No segundo há a presença de um narrador personagem (Ndalu, o “miúdo”) que faz parte da história, narrando os fatos enquanto acontecem.

Em “Viagem a Petrópolis”, muitos são os espaços descritos na história, estes espaços têm grande importância para o desenvolver do conto, sendo eles a casa de estranhos onde vivera, o carro que viajou, a casa da alemã em que ficou, a rua por onde caminhou, a fonte que sua sede saciou, a pedra onde descansou e a árvore onde findou morrendo.

O segundo conto se passa somente em um espaço, a casa do tio, que pouco descrita pelo narrador, apresenta somente algumas características do ambiente que se encontrava a festa, sendo quintal, tendo próximo dois quartos construídos pelo tio, um pra refrigerar e outro para armazenar cervejas, onde se passa toda a narrativa do conto.

No primeiro conto há a presença do tempo cronológico, onde os fatos são narrados conforme vão acontecendo, tendo sempre uma visível progressão na narrativa que torna fluido o acontecimento de cada cena descrita pelo narrador, há também a presença do tempo psicológico, que ocorre no momento em que Mocinha se encontra de passageira durante a viagem de carro, onde alucina com memórias passadas.

No segundo conto é visível a presença do tempo cronológico uma vez que a narrativa é descrita de forma que os acontecimentos ocorrem. Começando com o garoto servindo cervejas e depois de um tempo chegando o homem mais magro de Luanda e subentende-se que depois de algumas horas ocorre a chegada da notícia de que Val estava no hospital com as costelas quebradas, indicando de que o conto ocorre em tempo cronológico.

O enredo de “Viagem a petrópolis” se resume aos estágios finais da vida de Mocinha, onde ela, após ser expulsa da casa em que vivia, embarca em uma viagem em busca de uma nova acomodação, chegando em uma outra cidade, Mocinha é recebida em uma casa que logo a enxota novamente, caminhando estrada a fora, mocinha se desvia do percurso, onde, assentando próxima de uma árvore, inclina sua cabeça no tronco e morre.

O enredo de “O homem mais magro de Luanda” se inicia com um garoto que serve cervejas junto com sua tia para camaradas do seu tio em seu quintal. Contudo, ocorreu de seu tio não reconhecer quem tocava a campainha, chamando a atenção do garoto, uma vez que, seu tio sempre reconhecia quem chegava no estabelecimento pela forma que a pessoa tocava a campainha. Então, entra Val, o homem que é considerado o homem “mais magro de Luanda”, que logo se torna o enfoque do garoto por passar um ar misterioso que gera um certo estranhamento no mesmo.

Os personagens do primeiro conto são, a Mocinha (protagonista do enredo), os passageiros do carro (o filho da casa, sua namorada e as duas irmãs, coadjuvantes), a mulher alemã e seu marido (antagonistas do enredo) que dificultam a permanência de Mocinha em seu lar, que, após expulsá-la de sua casa, encadeiam sentimentos incompreensíveis a mocinha, que relutam em sua morte.

Os personagens do segundo conto são, o garoto, o tio, a tia, o Val (o homem mais magro de Luanda) e os camaradas. Val é o protagonista da história, uma vez que os acontecimentos giram em torno do mesmo, o tio é considerado antagonista, pois é o que atrapalha o objetivo de Val, que seria curtir a festa, mas Val se sente desconfortável ao ser tratado grosseiramente pelo anfitrião e não consegue alcançar seu objetivo, o garoto, tia e camaradas são considerados coadjuvantes pois auxiliam o acontecimento principal da história.

Foi trabalhado a contextualização dos contos seguidamente de suas respectivas análises, permeando a teoria de Ricardo Piglia, que poderiam ser postumamente, argumentadas como contos que abordam personagens intrigantes e que apresentam aspectos que geram comoção nos leitores, suas narrativas são consideravelmente distintas, porém, ambas remetem a magreza, a solidão, a incompreensão, e o desprezo. Ambos os contos se constroem dentro da verossimilhança. Um aspecto interessante que pode ser mencionado é que não há a relutância do protagonista em relação às investidas dos antagonistas, de modo que eles não exprimem indiferença com suas investidas, apenas aceitam as ações. Assim, é destacada a relevância dos contos para os estudos de gêneros textuais que permeiam a solidão e a incompreensão nas narrativas de outros textos literários.

A comparação foi eficaz pois, a partir dela, foram trabalhados diferentes pontos de vista em relação aos acontecimentos dos contos, possibilitando a visualização de diferentes perspectivas dos personagens. Os contos não foram de complexa análise, seus enredos são de simples entendimento e compreensão, ambos são agradáveis de ler tanto de forma individual como de forma comparada. Durante o processo comparativo, analisamos como se comportavam as personagens dentro do enredo, discutimos suas características similares e como se relacionavam suas diferenças em todo o contexto da comparação.

Referências bibliográficas:

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SOUZA, Warley. “Clarice Lispector”; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/biografia/clarice-lispector.htm. Acesso em 27 de fevereiro de 2023. WIKIPÉDIA. Artigo. Catálogo de publicações. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Legi%C3%A3o_Estrangeira>. Acesso em fevereiro de 2023.

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