A partir de 2024, na Academy of Motion Picture Arts and Sciences, em Hollywood, os filmes terão de cumprir mais requisitos para serem eleitos aos Óscares — o preenchimento de numerosas, exigentes e até bizarras quotas raciais aplicáveis a todos os participantes: elenco, produção e realização, argumentistas, equipa técnica, etc. Por isso destacámos, em colaboração com Mafalda Simão Leal, esta “boa intenção” (aquelas de que está o Inferno cheio) da inclusão e representatividade das minorias no grande ecrã. Suscita-se uma questão pertinente: perder-se-á a liberdade artística? Ficará refém de uma agenda política, cujo objectivo é agradar a uma audiência específica? Em que medida tal põe em risco a própria democracia? Mas não nos dispersemos, o nosso foco é o cinema. Neste novo contexto, os realizadores de Hollywood, se quiserem ganhar um Óscar, terão de abdicar da sua liberdade criativa, criando um monstro de Frankenstein cinematográfico, enxertando personagens, histórias, actores,elementos da equipa, que podem não ser os desejados (muito provavelmente..) nos seus filmes devido a quotização política, modo de planeamento social colectivo, que atinge o próprio cerne do processo artístico, manipulando quem é que os artistas devem ou não devem elencar nas suas obras. Não deixa de ser monumentalmente estranho que se entenda a necessidade destas quotas em pleno século XXI, quando temos actores e actrizes de topo, e também realizadores, na ribalta da sétima arte americana, entre os quais Denzel Washington, Lucy Liu, Freida Pinto, Will Smith, Morgan Freeman, Ang Lee, Alfonso Cuáron, Alejandro Iñarritu, Jordan Peele, Ava Duvernay, Spike Lee, Guillermo Del Toro, Antoine Fuqua, M. Night Shyamalan, e esta lista já não está pequena e inclui nomes efectivamente titânicos no panorama do cinema comercial actual. Deixamo-vos em específico a indicação da obra de Peele, onde as “minorias” não são personagens bibelô, ventríoloquos do cinema branco escudado na causa da diversidade que em raiz é nobre mas cuja aplicação pode ser politicamente muito suspeita. Os filmes deste realizador, através da lente da psicologia social, oferecem uma análise complexa do racismo, recorrendo à metáfora e ao terror. Os defensores das quotas podem alegar que Peele é uma excepção a nível da inclusão dos negros na indústria cinematográfica, mas (1) a lista acima exposta em grande parte o desmente e (2) haverá certamente formas mais democráticas, mais fluidas e mais unânimes de tornar a indústria inclusiva, alternativas que não aniquilem a liberdade criativa — para as quais provavelmente o exercício livre do mérito artístico será imprescindível.
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