O projecto da igualdade dos sexos falhou. Já toda a gente sabe ou julga que sabe isso. Mas talvez não saibam da mesma maneira como vamos tentar aqui explicar, nem também que não falhou até agora, mas sim que falhou desde sempre e até sempre e nunca será bem-sucedido.
Primeiro, lembramos em que é que não falhou: entrada da mulher no mundo laboral foi inteiramente bem-sucedida e não se verificou de modo significativo nenhuma inviabilidade na adequação do corpo e da mente femininos a quase todos os trabalhos e actividades, embora a adequação do primeiro a algumas profissões de esforço e de desgaste físico intenso não seja inteiramente bem-sucedida e provavelmente nunca será. Quanto às profissões intelectuais, que foram aliás sempre as preferidas dos activistas do feminismo, curiosamente, a mulher é inteiramente bem acolhida em quase todas e não existe hoje absolutamente nenhum obstáculo estrutural — e por estrutural queremos dizer legislativo ou de imposição cultural intransponível — nas sociedades ocidentais que impeçam qualquer mulher de ser tão bem-sucedida com a capacidade que para isso tiver, ao contrário de, como todos sabemos, noutras sociedades.
A partir daqui, também na emancipação social a mulher é inteiramente bem-sucedida, como aliás já vinha a ser: é hoje possível a qualquer pessoa de qualquer sexo viver sozinha, trabalhar e ganhar o sustento, ter as ligações sociais que bem entender, participar na sociedade do modo que lhe aprouver. Para mal da demografia, mas para bem da emancipação individual — que nem sempre equivale a realização —, o ónus da maternidade está também quase inteiramente secundarizado. Por outro lado, o homem, civicamente falando pelo menos, recebe estes papéis da mulher com relativa naturalidade: temos mulheres em cargos de chefia de topo ou de chefia intermédia e não existe de modo significativo nenhum problema social gritante para os homens receberem ordens dessas pessoas, nem existe nenhum preconceito gigante quanto à mentalidade das mesmas ser vista como inadequada a essas funções ou quaisquer outras — e, sendo um homem que vos escreve, posso garantir isso, da minha experiência de vida e do conhecimento naturalmente amplo que possuo sobre dinâmicas de grupo masculinos: não existe, transversalmente na sociedade, nenhum problema significativo nesse aspecto.
De resto, não irá ser abordado aqui o tópico muito complexo e frequentemente dado a demagogias e interpretações trapaceiras completamente escusadas e muito pouco sérias do desnível de rendimentos entre os homens e as mulheres no seu todo, pois para tal seria necessário um estudo muito inteligente e pormenorizado das escolhas de carreira, das horas de trabalho, do risco envolvido, sendo que nos parece que essa tecla, constantemente martelada pelas correntes do feminismo contemporâneo, pode ser enormemente enganosa e nunca suficientemente fundamentada com estudos demográficos e económicos realmente integrais e completos. Lembramos apenas que, se feitos os devidos descontos a factores “não estruturais“ — seja lá o que isso for… —, a diferença de rendimentos entre os sexos no seu todo se resumir a 2% isso não constitui necessariamente um problema que mereça a tomada de acções em grande escala para a sua resolução, acções que aliás podem piorar outros problemas e ter consequências imprevisíveis, dado que, por exemplo, se pegarmos em quaisquer grupos sociais — como e.g. as pessoas com mais de 1m80 de altura e as com menos, as pessoas loiras e as pessoas morenas, com certeza também não chegaremos a igualdades absolutas em termos de rendimento total, mas as diferenças percentuais são tão inócuas e irrelevantes, e as razões por detrás disso tão insondáveis como desinteressantes, que são problemas que acabam por não merecer qualquer atenção séria.
Mas onde falhou, afinal, o projecto de igualdade dos sexos, se não falhou — e ainda bem que não falhou — nestes campos? Falhou, evidentemente, de modo gritante, de modo constante e diariamente experienciado por todos, nas interacções entre homem e mulher. Os homens interagem entre si de determinada maneira e as mulheres interagem entre si de outra determinada maneira, e estas maneiras não são as mesmas nem são por vezes compatíveis entre si. No projecto progressista de igualdade entre os sexos pressupor-se-ia que todas estas maneiras de interagir fossem dissolvidas e que desaparecesse aquele campo de maneiras que é o de como os homens interagem com as mulheres e como as mulheres interagem com os homens, diferentes de como cada um dos sexos interage entre si. Ora isto não se passa assim, nunca se passou assim e provavelmente nunca se passará. Atenção que não quer isto dizer que estes campos de interacção sejam relevantes para todos os casos de experiência social entre as pessoas. Frequentemente não pedimos um café ou dizemos boa tarde de forma diferente quer se trate de um homem ou de uma mulher. Mas, às vezes, sim. E, de facto, felizmente ou infelizmente, elogiamos o aspecto ou damos uma palmada nas costas de modo diferente caso se trate de um homem ou de uma mulher. Nesses campos de interacção que não dominam propriamente a nossa vida social, mas são dela uma parte importantíssima, as confusões, os mal entendidos e as incompatibilidades são frequentes — e não é que isto seja reflexo de nenhum complexo infernal de dificuldades, mas antes que se trata de uma dimensão fascinante e por vezes tempestuosa e contraditória da natureza que, apesar de tudo, navegamos e sabemos navegar com relativo à vontade e prazer.
Em que casos concretos consistem, então, as maiores confusões deste domínio? Em coisas como: elogios do aspecto físico, já referido, chamadas de atenção para decotes, para bíceps trabalhados, para penteados exóticos, que têm interpretações completamente diferentes conforme os sexos em concreto de que se tratem, no uso do tacto na comunicação, no elogio do aspecto físico em geral, na agressividade e na violência implícita ou explícita, na interacção física efusiva em ocasiões excepcionais — como, por exemplo, festejos de vitórias desportivas —, em brincadeiras provocatórias entre amigos, colegas ou conhecidos — sendo que as mesmas podem ter um carácter tanto mais físico como obsceno no caso de homens como um carácter mais intimista e psicológico no caso de mulheres —, em competitividade e possibilidade de contacto e choque físico na prática de desporto individual ou colectivo, etc.
Este é um elenco de dificuldades, crises ou mesmo impossibilidades no domínio da interacção entre homem e mulher ou mulher e homem que não se colocam de forma significativa quando se tratam de interacções entre o mesmo sexo e que para as quais não se antevê resolução nem a breve nem a longo prazo. Sendo este apenas um elenco de situações de interacção social, estas não se restringem exclusivamente, embora sejam por estes determinadas, aos universos mentais distintos de cada um dos sexos. Certos instintos, impulsos, fixações, enfim, ideias, ocorrem tendencialmente mais num ou mais no outro sexo, mas isso não tem necessariamente uma ligação directa com este elenco de situações sociais.
É frequente, perante tais situações, toda a parafernália ideológica, teórica, sistemática, tanto das correntes particularmente feministas da igualdade dos sexos como das correntes que sustentam e encorajem estas diferenças e estes conflitos e os acham inteiramente justificados, falharem por completo. Um comentário que dirigido ao mesmo sexo seria interpretado como corriqueiro é, quando dirigido ao sexo contrário, interpretado como sexual e predatório; uma palmada no ombro ou agarrar do braço, se interpretado como um gesto de camaradagem, de desafio ou de encorajamento entre um sexo, é interpretado como agressão e violência perante o outro; e um agarrão enérgico e apertado é interpretado como celebração apaixonada entre os mesmos sexos, mas como avanço carnal e predatório entre sexos diferentes.
A sexualidade, no sentido de energia conducente a cópula, seguramente toma uma parte importante mas não absoluta em algumas, não todas, desta as tensões, e a isto acresce o facto de cerca de 95% das pessoas, nas sociedades ocidentais e possivelmente no mundo inteiro, serem naturalmente dispostas à atracção pelo sexo oposto, conforme todos os estudos sérios sobre o assunto — particularmente aqueles não influenciados em excesso por modas passageiras que postulem uma eventual dissolução da dualidade dos sexos — nos indicam. Esta tensão, assim, de natureza principalmente sexual entre os dois sexos estará sempre presente e só fantasias utópicas ou distópicas interessadas no mundo asséptico, fanaticamente higienizado e homogeneizado, podem desejar que as mesmas desapareçam por inteiro ou mesmo fingir que nunca tiveram existência real e substancial, ponto de vista que é diferente de uma disposição cultural que simplesmente as acolha da melhor maneira e lhes saiba dar as melhores e mais inofensivas manifestações. Não sabemos se chegarão para atingirmos um mundo em que seja igual perguntar a idade a um homem ou a uma mulher, comentar o peso, brincar com o penteado, o cabelo ou a falta dele, etc. Se não for possível, também não há grande problema.
Nenhum dos sexos vai renunciar facilmente, e de modo aliás completamente contraditório com as exigências da sua disposição mental e da sua fisiologia, sem encetar um sofrimento absolutamente desnecessário e do qual pouca mais justificação se pode extrair do que um fetiche absurdo pela igualdade em tudo, desígnio que pouco tem de aproveitável em termos de resultados e de racional em termos de fundamentos. A igualdade cívica necessária ao projecto de emancipação do indivíduo trazido principalmente, mas não só pelos liberalismos de há dois ou três séculos atrás, está, modo geral, absolutamente instaurada e cumprida. Projetos posteriores que envolvam modificação radical de disposições naturais, a maioria de base fisiológica, provavelmente não valem o esforço e a adaptação contranatura necessários, sendo que partem de um instinto de igualdade que acaba por ser totalitário, predatório, absolutista, e que se assemelha ao de uma criança a brincar com torres de peças de Lego, desejando que fiquem todas exactamente iguais e da mesma altura. Só que neste caso não são peças Lego, são pessoas, e as naturezas substanciais das pessoas são completamente diferentes das nasturezas dos objectos. O projecto de igualdade dos sexos falhou naquilo que tinha de falhar, acertou naquilo que tinha de acertar, e ainda bem. Talvez fosse útil preocuparmo-nos com coisas mais úteis e mais conducentes à prosperidade do que com estas neuroses bolorentas e enfadonhas que parecem por um lado relíquias e fantasmagorias de tempos já não existentes e por outro falhas de interpretação brutais resultantes de um modelo impossível.