A Música Erudita das Cortes da Ásia

No grande capítulo daquilo a que chamamos hoje, numa classificação maioritariamente discográfica, de música tradicional — ou, mais imperfeitamente, música do mundo — encontramos uma distinção muitas vezes importante e útil, embora nem sempre precisa, entre música popular e música erudita (sendo também usual referi-la como música clássica ou música de arte). Se a primeira, a tradição popular, requer simplesmente um ajuntamento social primário — na forma dos hábitos de uma tribo ou de uma povoação semi-dispersa, de cânticos de trabalho ou de celebração de religiões não-organizadas — na segunda, de tradição erudita, requerem-se estruturas civilizacionais mais robusta e desenvolvidas — como, por exemplo, a existência de uma corte real ou uma elite sacerdotal específica. Apresentamos assim hoje a música erudita das cortes da Ásia, onde o desenvolvimento civilizacional proporcionou condições para o surgimento de tradições eruditas facilmente reconhecíveis e imensamente apreciáveis e identificáveis.

Reparação que excluímos desta lista a maior potência asiática a todos os níveis, a China. Deve-se isso ao seu território e à sua força e diversidade abarcar tantas complexidades que preferiremos abordar todas as variantes das suas expressões musicais numa publicação mais especializada. Além do mais, a existência de música de corte, música erudita, nesse antiquíssimo e vastíssimo império do meio não surpreenderia ninguém: preferimos, assim, apresentar a novidade para muitos de músicas de corte em culturas e países onde talvez alguns não esperariam encontrá-las.

Começamos pelas ilhas da Indonésia, riquíssimas nas suas expressões musicais muito complexas — em particular nos ajuntamentos de percussões conhecidos por gamelão — onde sugerimos especificamente as ilhas de Java e do Bali, assim como o estreito de Sunda, em três sugestões discográficas específicas.

Passando rapidamente para as distantes ilhas do Japão, encontramos a prática do gagaku, que significa, literalmente, música elegante — também podendo ser traduzido por música de arte, música de alta cultura, música erudita, música clássica, como em qualquer dos géneros análogos que encontramos nas culturas desenvolvidas de todo o mundo.

Nas paragens da Coreia tradicional — hoje politicamente muito fragmentada, como se sabe — encontramos três grandes géneros de música erudita:

Nos territórios do Laos, a maioria das composições eruditas reportam à tradição desenvolvida na região de Luang Prabang, muitas entretanto perdidas e reconstruídas através de exaustivo trabalho de recriação dos instrumentos e das composições.

Nos territórios anexos do Cambodija, encontramos também tradições eruditas que remontam ao império Khmer, recolhendo influências hindus e também da ilha de Java. São semelhantes a algumas das linhagens musicais já apresentadas, como as de Laos, e do Vietnam, que apresentaremos agora de seguida.

No Vietnam, a tradição engraçadamente designada por nha nhac constitui-se por um conjunto diverso de estilos musicais e de dança que foram desenvolvidos na corte vietnamita entre os séculos XIV e XV.

Da Tailândia são mais conhecidas entre nós as exibições de dança peculiar, com delicados movimentos de mãos e pés, da parte de intérpretes femininas, claramente parte de uma tradição de corte.

Por fim, nos territórios do Burma, encontramos a grande tradição erudita do magahita, sobre a qual poderão ler mais aqui.

Um anexo a esta lista, abrindo o apetite para outras incursões nas tradições eruditas: se na Ásia temos grande fertilidade de civilizações com desenvolvimento material e cultural, em África não tanto, apesar de a riqueza de música popular tradicional — desde o canto tribal, laboral, até ao xamânico — ser quase inigualável no mundo. Há excepções, como a corte do Uganda. Deixamos aqui uma amostra desta tradição, com promessa de voltarmos a explorar esses territórios em busca de outras culturas de corte com riqueza semelhante às que aqui apresentámos.